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* José Luiz Barbosa, Sgt PM - RR
A
resistência e o preconceito são recíprocos, policiais, militantes e ativistas
de direitos humanos se temem e se odeiam mutuamente em sua esmagadora maioria,
pois a regra comporta exceções, ambos ainda são e estão influenciados por uma
cultura, em que se de um lado, os policiais são vistos como violadores de
direitos e torturadores, do outro, os militantes e ativistas de direitos
humanos forjados na concepção de que os policiais são e ainda continuam sendo
os mesmos dos tempos de chumbo, como defensores de bandidos.
Uma
contradição que atrasa, limita, e restringe o avanço e provoca retrocesso na
construção de uma polícia cidadã, forte, respeitada e valorizada, mas
desmilitarizada, única, de ciclo completo de polícia, com carreira única e sob
controle dos cidadãos.
Esta
cultura política herdada de um período recente da história brasileira, permeia
as relações pouco amistosas e regadas a desconfiança, entre cidadãos e
policiais, tal embate institucionalizado na estrutura estatal contraria a
própria lógica e a universalidade dos direitos humanos, em que ambos se veem e
se sentem como rivais e ameaças, tanto para atividade policial, como para a
defesa e proteção dos direitos humanos e das garantias fundamentais.
A
imprescritibilidade, irrenunciabilidade, universalidade, e pôr fim a
historicidade são princípios inerentes aos direitos humanos, e a historicidade
dos direitos humanos nas organizações policiais, sejam militares ou civis,
ainda é um capítulo em construção, pois o legado de seus antecessores está
sendo paulatinamente reescrito e revisto.
E pode-se afirmar que a geração de policiais do futuro está
consciente de seu papel, responsabilidade, e atribuições na defesa dos
cidadãos, e na garantia e proteção dos direitos humanos, e o mais importante,
não herdaram o DNA da sombria ditadura.
O
vanguardismo e protagonismo desta geração é que fará a diferença, e liderará
as mudanças que até agora resistem, pois o revanchismo e o preconceito
alimentado pelas gerações passadas não podem ser o combustível a
queimar indefinida e interruptamente na fogueira das vaidades e da empáfia
exclusivista dos que se julgam acima do bem e do mal.
Grosso
modo, para os poucos familiarizados com o ambiente de caserna, seria o mesmo
que dizer que vivemos três gerações nas organizações policiais, sendo as duas
últimas engajados na luta pela desconstrução dos institutos, princípios, e
da cultura herdada e institucionalizada pelo período de exceção e cassação de
direitos e liberdades, sem demérito aos que acreditavam que estavam
cumprindo ordens, ainda que discordemos por uma simples assertiva ensinada
e cantada em versos nos cursos de formação, "ORDEM
ILEGAL NÃO SE CUMPRE", pois
mesmo sendo uma ditadura, haviam limites, regras e normas no ordenamento
jurídico a impor deveres, e a assegurar direitos.
Empiricamente o fenômeno, para compressão da abordagem, nos faz recortar a história da Polícia Militar e dos policiais em três gerações e períodos históricos, não obstante sabermos que tivemos heróis anônimos que já naquele tempo ousaram discordar e lutar contra a ditadura que se implantou, e que para efeito de homenagear a todos, cito o Ex-PM Pedro de tal, primeiro nome de um Ex-soldado PM acusado de colaborar com os comunistas, que foi preso, torturado e excluído com humilhação do 3º Batalhão da Polícia Militar - sediado em Diamantina, sendo anistiado e reabilitado como cidadão e policial militar.
Uma primeira nascida e forjada pela ditadura, e portanto com concepções ideológicas e políticas herdadas e cristalizadas como princípios, valores e tradições do período.
A
segunda de transição que conheceu os horrores mais visíveis desta cultura
geracional e que implantou o marco de luta pela cidadania, que se notabilizou
na história das Polícias Militares, com o movimento dos praças de Minas Gerais
em 1997, e que se espalhou pelo Brasil.
E uma
terceira que foi formada em ambiente democrático e regime republicano, e que
por isto intolerante com desvios e distorções de sua função e com violações de
direitos, e também a responsável pela sua consolidação, bem como pelas mudanças
estruturais no aparato de segurança pública, sendo por isto a que mais sofrem
os efeitos de tudo que ficou mal resolvido ou que não passou pela mudança como
defendiam amplos setores da sociedade na Constituinte de 1988.
Mal dizer as organizações de direitos humanos, ou tratá-las como inimigas no atual estágio do estado de direito e do avanço dos direitos humanos é negar a condição de sujeitos de direitos dos policiais, e caracteriza-se em grave retrocesso e acirra o conflito existente, que somente será equilibrado e compatibilizado quando os policiais não só agirem em respeito e obediência aos limites do já convencionado, como também agirem na defesa e luta por estes mesmos direitos como seus legítimos titulares.
Blasfemar, lastimar, xingar, demonizar, e rotular os militantes e ativistas de direitos humanos, é uma política de resistência incoerente, incompatível, e diametralmente oposta ao que a nova geração de policiais já enfrenta e que começa a ganhar contornos de incontrolável, seja no campo da evolução e crescimento da criminalidade e violência, seja nas contradições e negações de direitos, e nas violações que vigem internamente nas instituição e no substrato da subcultura das ruas, e que encontrou campo fértil para sua aclimatação no tecido organizacional, em que paradoxalmente se confrontam a exigência de respeito aos direitos humanos dos cidadãos, com as violações perpetradas no ambiente profissional.
Há um velho ditado na caserna, que diz: "manda quem pode, obedece quem tem juízo," que foi convertido em dogma nas relações hierárquicas empedernidas pelo autoritarismo, mandonismo, e pela subserviência paralisante, e acobertada sutilmente pela excessiva verticalização da estrutura militar, que ofusca, silencia, amordaça, cassa e pune os "recalcitrantes", valendo-se das armas, argumentos e métodos ortodoxos para impor sua vontade, como por exemplo o odioso assédio moral, que se naturalizou nas instituições policiais, especialmente nas militares.
Esta
onda de obscurantismo provocou nos policiais, que precisam ser reconhecidos
mais como vítimas do que autores da doutrina da obediência cega, em que muitos
ainda não passaram pela operação de volta a realidade democrática com direito a
memória, e a verdade, aí sim, inclusive dos que foram vitimados, como o
ex-soldado PM Pedro, que teve melhor sorte de um colega, que foi preso na
mesma época, e simplesmente desapareceu...e talvez nem a família até hoje saiba
seu paradeiro.
* Presidente da Associação Mineira de Defesa e Promoção da Cidadania e Dignidade, bacharel em direito - UNIFEMM, pós graduado em Ciências penais, ativista de direitos e garantias fundamentais e especialista em segurança pública.
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