Um ano após a morte do recruta Paulo Aparecido Santos de Lima após uma sessão de treinamento dentro do Centro de Formação e Aprimoramento de Praças da PM (Cfap), oito oficiais foram denunciados à Justiça pelo crime. Os capitães Sérgio Batista Viana Filho, Renato Martins Leal da Silva, Diego Luciano de Almeida e os tenentes Slan Guimarães Procópio, Gerson Ribeiro Castelo Branco, Felipe Caetano de Aguiar, Paulo Honésimo Cardoso da Silva e Jean Carlos Silveira de Souza foram acusados dos crimes militares de maus-tratos e lesão corporal. Como, para o MP, os crimes foram cometidos contra todos os 482 alunos da turma de Paulo Aparecido, os oficiais, se condenados, podem ter pena de mais de mil anos de reclusão.
Ao todo, o promotor Paulo Roberto Mello Cunha Junior, que atua junto à Auditoria Militar, elaborou três denúncias para individualizar a conduta dos oficiais. Os documentos tiveram como base depoimentos e questionários respondidos por todos os alunos da turma e exames de corpo de delito de todos os lesionados.
Pelo crime de maus-tratos seguido de morte cometido contra Paulo Aparecido, vão responder os capitães Leal — que, segundo o texto da denúncia, comandava a instrução — e Sérgio e os tenentes Silveira, Aguiar, Procópio e Castelo. De acordo com o documento, os oficiais privaram Paulo “de cuidados indispensáveis e abusaram de meios de correção ou disciplina”. O crime tem pena de até dez anos.
Em outra denúncia, o promotor apontou os oito oficiais que estavam presentes na instrução dos dias 11 e 12 de novembro de 2013 como responsáveis pelas lesões leves e graves de 31 alunos. Nesse caso, cada oficial vai responder, 13 vezes pelo crime de maus-tratos seguido de lesão corporal grave, que tem pena máxima de quatro anos, e 22 vezes pelo crime de lesão leve, com pena de até um ano de prisão. Já no terceiro documento, os mesmos oito oficiais são denunciados por maus-tratos simples 900 vezes — uma para cada aluno presente em cada um dos dois dias de instrução. Na denúncia, todos os recrutas são citados. Segundo o Código Penal Militar, a pena máxima de detenção é de 30 anos.
Ao EXTRA, o promotor que assina a denúncia afirmou que “uma formação violenta reflete no comportamento do policial durante o ofício”.
— Se o policial militar, já durante sua formação, não é tratado com dignidade, não é valorizado nem respeitado, como esperar que ele demonstre apreço pela função, compromisso com a corporação e com a sociedade? — disse Paulo Roberto Cunha.
Procurada, a PM informou que, “após o início do processo penal, podem ser tomadas medidas administrativas” contra os oficiais, que não estão mais lotados no Cfap.
Leia a nota da PM na íntegra:
“A PM abriu Inquérito Policial-Militar (IPM) para apurar a morte do aluno Paulo Aparecido Santos de Lima no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, em novembro do ano passado. Este IPM resultou em denúncia que a Justiça irá analisar. Após o início do processo penal, podem ser tomadas medidas administrativas no âmbito da corporação”.
O cálculo da pena que cada um dos denunciados pode receber foi feito da seguinte forma, com base na denúncia do MP:
Paulo Aparecido: seis dos denunciados vão responder por maus-tratos com resultado morte (com pena máxima de dez anos).
Recrutas feridos: cada um dos oficiais vai responder 13 vezes por cada um dos lesionados gravemente (com pena de até 4 anos). Já 22 recrutas tiveram lesões leves. Para cada um deles, os oficiais vão responder por dois crimes: maus-tratos simples e lesão corporal leve, cada delito com pena máxima de um ano. A soma dos crimes pode chegar a 96 anos.
Demais alunos: os oficiais vão responder uma vez para cada um dos 900 casos — 450 alunos em dois dias — de maus-tratos simples. A pena total pode chegar a 900 anos.
A soma total das penas máximas chega a 1.006 anos. Segundo o Código Penal Militar, as penas devem ser somadas.
Relembre o caso
Em novembro do ano passado, o EXTRA revelou que Paulo Aparecido Santos de Lima havia dado entrada no Hospital Central da PM no dia 12, após uma sessão de treinamento no CFAP, em Sulacap, na Zona Oeste. No dia, a temperatura no CFAP chegou aos 42°C. Ele tinha queimaduras na mão e nos glúteos, além de insolação. Uma semana depois ele teve morte cerebral decretada. Segundo depoimentos de companheiros de turma, quem não conseguia acompanhar a turma, era submetido a choque térmico com água gelada ou era obrigado a sentar no asfalto quente. Na ocasião, a PM enviou nota afirmando que “o aluno sofreu um mal súbito enquanto estava em forma”.
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