PUNIÇÃO CRUEL
A Suprema Corte dos Estados Unidos está prestes a decidir que o confinamento de presos em solitária viola a Constituição do país. Um recurso contra a medida deverá chegar às mãos dos ministros em outubro, quando se inicia o ano judicial 2015/2016. O placar esperado é 5 votos a 4 contra a solitária.
A previsão se tornou óbvia desde que o ministro Anthony Kennedy escreveu um voto separado, em 18 de junho, em que criticou severamente o confinamento em solitária de presos por prazos além do necessário. Ele o fez em um processo que não tinha nada a ver com esse assunto, pois se tratava de um caso de pena de morte. Em março, ele havia condenado a prática, em depoimento no Congresso. Só faltava chegar um processo à Suprema Corte.
A contagem dos votos é a mesma de sempre — e também óbvia. Dos nove ministros da corte, quatro ministros conservadores votam a favor do confinamento em solitária, quatro ministros liberais votam contra e o ministro Kennedy, o voto de Minerva do tribunal, decide, de acordo com o site da emissora de TV PBS, o jornal Washington Post e outras publicações.
Sem efeito
A 8ª Emenda da Constituição dos EUA proíbe punição cruel e incomum. Vários estudos já demonstraram que o confinamento em solitária é uma punição cruel e, para enfatizar, “brutal”. Ela destrói a saúde mental do prisioneiro que passa um longo período confinado e, em vez de ser uma solução, é um pesadelo, porque as pessoas se tornam mais violentas e autodestrutivas, tornando-se inaptas para qualquer esforço de reabilitação.
Só não é incomum, nos EUA. Aliás, os EUA são o país que mais confina presos em solitárias no mundo, entre as nações democráticas. Só nas prisões de segurança máxima, as chamadas “supermax”, há cerca de 25 mil presos confinados em solitárias, em 44 estados. E nas demais prisões federais, estaduais e municipais são cerca de 80 mil presos em solitárias, segundo o Birô de Estatísticas Judiciais.
As celas das solitárias são do tamanho aproximado de uma vaga de estacionamento, com paredes de concreto, sem janelas, e uma porta de ferro com uma abertura, por onde só entram refeições, correspondências, livros e papel higiênico.
As únicas pessoas que se aproximam do preso são os carcereiros, que colocam alguma coisa pela abertura da porta e que os retiram da cela uma vez por dia, por um período de até 1,5 hora, sempre algemados e, às vezes, acorrentados. Eles são levados para um pátio da prisão, onde não têm contato com mais ninguém.
Exceção virou regra
O confinamento em solitária deveria ser uma medida restritiva de emergência, temporária, para que alguma coisa que fugiu ao controle retorne ao normal. Mas esse não é o caso. Alguns presos passam vários meses na solitária, outros, vários anos. Uma investigação feita no presídio Pelican Bay, na Califórnia, revelou que 200 prisioneiros passaram mais de 10 anos na solitária. E 78, mais de 20 anos, nessas duras condições. Esse é o padrão no país.
Estudos demonstraram que o confinamento em solitária exerce efeitos patológicos sobre os prisioneiros, como diversos tipos de doenças mentais, alucinações, automutilação e suicídio. Quase metade de todos os suicídios que ocorrem nas prisões são cometidos por prisioneiros em solitárias. Na Califórnia, 42% dos suicídios de presos, entre 2006 e 2010, foram cometidos por prisioneiros em solitárias — embora eles constituíssem apenas 2% da população carcerária do estado.
Na teoria, a função das solitárias é de garantir a segurança do sistema prisional apenas e deveriam abrigar somente os presos que a ameaçam — os classificados como presos perigosos para o sistema e para a população carcerária.
Porém, as prisões utilizam as solitárias para isolar todos os presos condenados à morte, em alguns casos, possíveis ou supostos membros de gangues dentro da prisão, gays (para serem “protegidos contra abuso sexual”) e presos que desrespeitam as regras da prisão, por menor que seja a infração. Na solitária, a situação pode ser agravar para um preso que, por exemplo, não colocar o prato de refeição próximo à abertura da porta para ser recolhido.
Na Califórnia, cerca de 30 mil prisioneiros entraram em greve de fome, em 8 de julho, para protestar contra o confinamento em solitária de presos “suspeitos de pertencer a uma gangue”. Segundo os presos, as “Unidades de Residências de Segurança” não têm ar fresco, luz do sol e contato com humanos”.
Na Suprema Corte, o governo Obama não vai defender o confinamento em solitária. Ao contrário, o presidente Barack Obama pediu à procuradora-geral de Justiça, Loretta Lynch, que reveja o “uso exagerado” de confinamento em solitária nas prisões federais, uma vez que essa prática “torna o prisioneiro mais alienado, mais hostil e potencialmente mais violento”.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico
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