O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quarta-feira (19), o Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral, no qual se discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), o qual tipifica como crime o porte de drogas para consumo pessoal. Após a leitura do relatório do ministro Gilmar Mendes, relator do recurso, se manifestaram no início da sessão os representantes das partes e da Procuradoria Geral da República (PGR).
Em nome do recorrente – um condenado à prestação de serviços à comunidade por portar três gramas de maconha para consumo próprio –, em sustentação oral da tribuna do plenário do STF, o defensor público do Estado de São Paulo Rafael Muneratti, afirmou que a política da guerra às drogas, quando levada ao seu extremo, se torna irracional. Para o defensor, não é sensato buscar a solução ou o gerenciamento dos danos causado pelas drogas por meio da incidência do Direito Penal, da proibição e da repressão. “A atuação do Direito Penal deve ser reservada para situações de efetivo potencial lesivo a bem jurídico protegido. O Direito Penal não deve jamais entrar na esfera da intimidade e da privacidade do ser humano, na esfera inviolável de suas liberdades individuais”, disse.
Segundo Muneratti, nos países em que houve a despenalização ou descriminalização do uso de entorpecentes, os índices de consumo não aumentaram. “O argumento da explosão de consumo e do tráfico não se sustenta”, afirmou. Ele destacou que o próprio sistema das Nações Unidas, em seu escritório sobre drogas, afirmou em relatório de 2014 que via como positiva todas as experiências de países que descriminalizaram o uso de entorpecentes. Todos esses países, para o defensor, têm um ponto em comum: o tratamento de uso de drogas fora do âmbito policial e repressivo. “A busca de alternativas fora do sistema repressivo é uma tendência mundial”, salientou. O tema, segundo o defensor, deve ser tratado no âmbito do sistema de saúde, educação e assistência social, no qual o usuário não seja mais visto como criminoso. “A porta de entrada do dependente no Estado não deve ser a polícia”.
Para o defensor, é preciso estabelecer critérios objetivos que norteiem as instâncias inferiores na definição do que venha a ser o uso de entorpecentes. “Cabe sim a essa Suprema Corte indicar parâmetros e apontar direcionamentos, seja através de jurisprudência, de teses ou da modulação de efeitos”, destacou. Uma vez reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, deve-se, de acordo com ele, criar critérios qualitativos e quantitativos que diferenciem o usuário do traficante. “Esses critérios são uma questão de segurança jurídica que não podem ficar no campo amplo da discricionariedade que sempre gera injustiças e abusos”, finalizou.
MP-SP
Em seguida, representando o Ministério Público paulista (MP-SP) – parte recorrida – falou o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa. Ele se manifestou pelo desprovimento do recurso. Segundo o procurador, a Lei 11.343/2006, ao idealizar um sistema nacional de politicas públicas sobre drogas, reconheceu que o uso indevido de substâncias ilícitas é fator de interferência na vida pessoal e na qualidade da vida social.
“A lei não se ocupa em recriminar o uso, mas mantém a reprovação com medidas de cunho protetivo”, disse. “Este sistema elege claramente a saúde do usuário, do dependente e a saúde pública como bens jurídicos a merecerem proteção”, afirmou. A norma instituiu também, segundo Márcio Elias Rosa, um tratamento jurídico díspar para o usuário, o dependente e para o autor do tráfico de drogas.
“A infração penal da lei não afronta a razoabilidade e a proporcionalidade, acha-se amoldada ao que admite a Constituição e denota adequação aos resultados que quer alcançar, ao prejuízo que quer evitar e sem constituir desmedida forma de intervenção estatal na esfera da intimidade e da vida privada”, concluiu.
PGR
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, destacou que não se trata de discutir o uso de drogas, mas sim o porte de entorpecentes. “No que se refere a essa imputação, o bem jurídico tutelado é, sem dúvida, a saúde pública e o impacto nela que expõe o porte de drogas”, disse.
Para Janot, a conduta do porte traz consigo a possibilidade de propagação do vício e não afeta apenas o usuário. “Se o STF entender pela inconstitucionalidade e promover a descriminalização por ofensa ao direito fundamental, interditará o Legislativo de formular política pública apta a regular a matéria”, afirmou.
SP/AD
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