Em debate, Baltazar Garzón avaliou que práticas ilegais se consolidaram nos governos durante processo de abertura para democracia
O Jurista espanhol Baltazar Garzón (à esq.) participou de debate da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça - Givaldo Barbosa / Agência O Globo
BRASÍLIA - Em evento da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça que reuniu nesta sexta-feira advogados e ativistas dos direitos humanos para debater a herança dos regimes militares na América Latina, o jurista espanhol Baltazar Gárzon associou a corrupção à ditadura militar. O especialista, que foi um dos responsáveis pela prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, considerou que as marcas da ditadura vão além das mortes e torturas de opositores ao regime e se refletem também em casos de irregularidades dos governantes.
Para ele, esse legado pode ser observado em práticas ilegais como superfaturamento de contratos em obras estatais e sistema de financiamento dos partidos políticos, tanto em 1970 como agora.
— A relação que vejo entre ditadura e impunidade é que os mecanismos de corrupção que eram usados na ditadura não foram combatidos durante o período de transição para a democracia, porque não se percebia isso como algo necessário, e por isso eles se consolidaram. Mas em muitos países, como no Brasil, estamos vivendo momentos de mudanças importantes (no combate à corrupção).
O representante da Organização dos Estados Americanos (OEA), Paulo Vannuchi, também considerou que ainda há resquícios da ditadura no país que não se resumem à tortura. Para ele, um "clima de ódio" alimenta movimentos como as manifestações que pedem a intervenção militar no governo e o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Vanucchi também criticou o ataque à bomba ao Instituto Lula na semana passada, do qual é um dos diretores.
— (O ataque) é grave como um sintoma de um clima que o Brasil não via há muito tempo. É preciso pesquisar o problema da continuidade da ditadura nesse momento de retrocesso que o Brasil vive.
O ministro Pepe Vargas, da Secretaria de Direitos Humanos também esteve no encontro. Ele ressaltou que militarização da polícia também é outra consequência do regime ditatorial que reforçar a prerrogativa da corporação de punir as pessoas. No entendimento do ministro, essa situação favorece a violação dos direitos humanos nas prisões e abordagens policiais.
Durante o evento, o Ministério da Justiça lançou ainda um banco de dados que reúne 74 mil processos que foram digitalizados pela Comissão de Anistia. Segundo o presidente da comissão, Paulo Abrão, foi aproveitada a tecnologia já utilizada para análises de crimes envolvendo lavagem de dinheiro nessa nova ferramenta.
— É uma forma inovadora de usar a tecnologia também para finalidades de promoção de defesa e da memória de direitos humanos. É a mais moderna aparelhagem de apuração de informações e pesquisas de organização e cruzamento de dados.
Os documentos são os pedidos de anistia das pessoas que sofreram torturas durante a ditadura. Esses registros são sigilosos pois descrevem as acusações de violência cometidas pelos militares.
Por isso, apenas instituições, pesquisadores e universidades poderão ter acesso às informações se cumprirem os requisitos do edital que será lançado pelo Ministério da Justiça. A Comissão de Anistia, que organizou os dados, foi criada há 14 anos. Nesse período, em 58,1% dos casos analisados foram confirmadas as violações aos direitos humanos. (*Estagiária sob supervisão de Francisco Leali)
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