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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Marina Silva, agora é caçada pelos presidenciáveis

EDITORIAL

"A caça a Marina"

Carlos José Marques, diretor editorial

Marina Silva, a presidenciável surpresa desta eleição, passou a alvo de cobiça dos adversários Serra e Dilma. De uma hora para outra Serra virou ambientalista aguerrido.Dilma, a colega ministerial de longa data. Marina tem princípios, projetos e propostas que deixou claros durante sua campanha. Marina quer se movimentar para um lado ou para o outro de acordo com o conteúdo programático a ser apresentado a ela. Nesse aspecto, o desenho de suas propostas se distancia principalmente do esboço imaginado por Serra. Exemplo: a de uma maior intervenção sobre o Banco Central, que “deve estar em sintonia com a Fazenda”, segundo ele prega – e que vai de encontro ao BC independente desejado por Marina. Antes do segundo turno, Marina não estava na régua de Serra. “Se eu fosse usar a minha régua, eu diria que você e a Dilma têm muito mais coisas parecidas do que qualquer outro candidato aqui”, assinalou Serra no último debate global. Em um contorcionismo tortuoso, ele agora se esforça para mostrar identidade com quem antes menosprezava. Puro casuísmo. Nesse quadro, a neutralidade aventada por Marina soa estranha e não vai funcionar na prática dada a predisposição dos verdes por uma aliança com os tucanos. Marina pode não oferecer apoio aberto a ninguém, mas nada evita que Serra, caso conquiste o aval do PV, diga em palanque e no seu programa que “o partido da Marina” o apoia. Várias das cabeças do PV são egressas da linha operacional do PSDB. Muitas delas acenaram alegre e rapidamente com a adesão.
O partido também já entabulou negociações fisiológicas de troca de ministérios (seriam quatro) pelo apoio, no velho e surrado balcão de negócios eleitoreiros – que nada tem a ver com os princípios éticos pensados por Marina. A candidata repudiou, irritada, a manobra. Mas dia a dia se aperta o cerco sobre sua escolha. A opção natural deveria levá-la de volta à origem política e de plataforma na qual foi moldada e com a qual mais se identifica. Todos dizem: Marina é – ideológica e historicamente pela trajetória – o “Lula de saias”. Poderia ter sido ela mesma a candidata do presidente, dado o fervor com o qual abraça bandeiras sociais do tipo Bolsa Família, prestes a evoluir nos planos de Dilma para “Bolsa Básica da Cidadania”. Marina, acalentando essa natural sintonia com Lula, sabe que qualquer direcionamento de voto em confronto com as pregações petistas trairia sua própria natureza. Não há no seu íntimo a dúvida. O impulso de uma decisão, a ser tomada até o dia 17, segundo pretensões partidárias, não contempla de qualquer maneira a certeza de que os quase 20 milhões de votos seguirão ao pé da letra a orientação da líder. No balaio de eleitores que se uniram para ungir Marina como a melhor opção mistura-se o voto dos inconformados – cativados pela onda oportunista de denúncias e boatos –, o dos jovens engajados atrás de um estandarte sustentável para chamar de seu e o de religiosos conservadores contaminados nas últimas semanas pelo ruído de uma falsa pregação pró-aborto. Marina está na cabeça de muitos, mas deveria seguir o instinto que a embala no berço partidário no qual se criou.
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ESPECIAIS
Para onde vai Marina?
Entre a pressão de partidários do PV, que querem apoiar o PSDB em troca de cargos, e a origem de sua formação política, Marina tem ainda uma grande decisão a tomar nesta eleição

Ao repudiar de forma preventiva a proposta de quatro ou cinco ministérios que os tucanos ofereceram ao Partido Verde (PV), a senadora Marina Silva não só rejeitou o fisiologismo como também mostrou o caminho que vai tomar daqui para a frente. Será o caminho da coerência com tudo que ela apresentou aos eleitores durante sua campanha à Presidência. “Quem estiver oferecendo cargo não entendeu nada do que as urnas disseram”, advertiu a senadora. A sinalização poderá representar ainda mais. Se Marina decidir manter coerência também com sua trajetória política, naturalmente estará muito mais próxima do pensamento do governo Lula do que dos tucanos. Até mesmo analistas internacionais já anotaram esse possível desfecho. O jornal “Le Figaro”, por exemplo, porta-voz da direita francesa, ressaltou durante a semana que a tendência natural será a aproximação de Marina com o PT. “A maioria dos dirigentes do Partido Verde apoiaria José Serra, em nome das alianças regionais costuradas entre os dois partidos. Mas um tal gesto de Marina seria julgado como uma traição à esquerda”, ressaltou o conservador “Le Figaro”. Seria também uma traição às origens políticas da senadora.
Marina já demonstrou que não pretende ficar refém dos interesses do PV. Dentro do partido, as críticas da senadora ao voraz apetite verde por cargos provocou reações. O comando do partido, de olho em prováveis empregos, chegou a ameaçar, na quinta-feira 7, com uma rebelião. Num encontro convocado às pressas, cerca de 20 membros da cúpula do PV se declararam desrespeitados por Marina e começaram a discutir estratégias para apoiar Serra de qualquer jeito. A ação dos dirigentes do PV acaba, porém, fechando as portas da neutralidade para Marina. A partir de agora, não se posicionar no segundo turno significaria, na prática, corroborar a adesão fisiológica do partido aos tucanos. No entanto, Marina sabe que dos 20 milhões de votos que recebeu das urnas, certamente não mais de 4% são atribuídos à influência do PV, que elegeu apenas 15 deputados federais. Levando isso em conta, ela não está disposta a se submeter a uma minoria depois do enorme sucesso eleitoral conquistado.
Na contramão do PV, Marina já enumerou também suas prioridades que, não por acaso, se aproximam das que são defendidas por Dilma Rousseff. Um exemplo é a questão que envolve a independência do Banco Central (BC). Enquanto o tucano José Serra fala em subordinar o BC ao ministro da Fazenda, Marina, já na campanha, adotou uma linha mais liberal, defendendo a autonomia da instituição. Outras questões de fundo aproximam Marina das bandeiras do PT, seu antigo partido. A senadora não cansou de ressaltar, mesmo quando ainda participava do embate eleitoral, que o governo Lula foi o que mais criou políticas públicas voltadas para a erradicação da miséria e a sustentabilidade socioambiental. Reconhece ainda que à frente do Ministério do Meio Ambiente teve apoio do presidente para reduzir o desmatamento da Amazônia e aumentar as áreas de preservação ambiental. Com o apoio de Lula, Marina levou ao Conselho Monetário Nacional a resolução que vincula critérios de sustentabilidade à liberação de recursos ao agronegócio. “A Marina participou dos dois programas de governo do PT, em 2002 e 2006, e o partido conservou os núcleos de meio ambiente que ela alimentava”, disse à ISTOÉ o coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Nilo D’Ávila. “Suas ideias não são novas no PT e poderão ser mais rapidamente executadas num governo Dilma.” Assim, D’Ávila considera natural a aliança da senadora com a ex-ministra da Casa Civil.
Não faltam sinais sobre o rumo que Marina pretende tomar. No discurso em que comemorou seu sensacional desempenho nas urnas, ela se emocionou quando se referiu ao PT, partido que ajudou a fundar. Marina também sempre fez questão de deixar clara sua admiração pelo presidente. “Lula foi e ainda é inspiração para mim. Eventuais desencontros jamais irão suprimir o encontro de construção dos sonhos”, afirmou, durante a campanha. A senadora só deixou o governo Lula e o PT por desentendimentos na política ambiental, mas ninguém duvida que poderá voltar a suas raízes. “Pelo histórico do governo Lula, Dilma é que tem mais condições de adotar um projeto ambiental semelhante ao que Marina defende”, diz um dirigente da ONG WWF Brasil.
Ambientalistas amigos de Marina também são taxativos ao repelir o atrelamento da política tucana aos líderes ruralistas do DEM. Até mesmo Serra, num momento de irritação com a senadora do Acre, cometeu um ato falho, que demonstra seu distanciamento de Marina. No último debate da Rede Globo, diante da cobrança para que fizesse uma autocrítica sobre o programa Bolsa Família, deu uma resposta ríspida, sem direito a recuo: “Marina, não use sua régua para medir os outros. Se eu fosse usar minha régua, diria que você e a Dilma têm muito mais coisas parecidas do que qualquer outro candidato aqui.” Depois dessa declaração, Serra iniciou uma série de contorcionismos verbais para atrair a senadora no segundo turno. Os apelos ao cartorial PV, que cede sua legenda sem cobrar fidelidade a seus princípios, foram o ponto alto dessa tentativa. Serra não contava que Marina acusaria a proposta de indecente.
De acordo com uma das estrelas da campanha de Marina, o teólogo Leonardo Boff, há dois projetos em ação: “Um que tem como contrapartida o aumento vertiginoso das injustiças, da exclusão e da fome. José Serra representa esse ideário. O outro projeto é o da democracia social e popular do PT. Ora, o governo Lula produziu uma inclusão social de mais de 30 milhões e uma diminuição do fosso entre ricos e pobres nunca assistidas em nossa história”. Na visão de Boff, Dilma representa exatamente o aprofundamento e a continuidade deste projeto.
Apesar do alvoroço da cúpula partidária, há um movimento no PV para organizar um grupo de 80 pessoas, entre militantes e personalidades convidadas, para debater pontos programáticos para levar aos dois candidatos que disputam o segundo turno. “Não vamos fazer exigências que não possam ser negociadas. Vamos discutir uma economia verde de baixo carbono, uma abordagem realista para a educação, saúde, segurança e colocar a sustentabilidade socioambiental na mesa”, disse Alfredo Sirkis (PV-RJ) à ISTOÉ. Mais objetivo, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, adiantou-se às negociações e elaborou uma proposta a ser apresentada a Marina. Nela, o PT trata de mudanças no Código Florestal, cria mecanismos de proteção dos direitos econômicos dos povos da floresta e defende uma reforma tributária verde. “Marina aceitou sentar para conversar, mas só depois de consultar sua base e as instâncias do PV. Vamos respeitar o tempo de decisão da senadora”, afirmou Dutra.

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