Gigantesca cratera separa um governo democrático de seu antagônico regime ditatorial. Porém, similitudes aproximam muito o mundo árabe do ocidente. A onda que invade fronteiras e tem levado milhares de cidadãos às ruas contra autocracias ribomba por aqui. Os motivos da eclosão revolucionária no norte da África e parte da Ásia não nos são estranhos. O que há por trás dessa grande indignação popular? A “teoria da conspiração” atribui à CIA, ao Mossad ou até mesmo ao Irã a condição de maestro oculto dos insurretos. Outros vêem nos minaretes islâmicos o punctum saliens do levante.
Contudo, recordemo-nos de que as grandes potências (França, Inglaterra e Estados Unidos) sempre atuaram como artífices do mapa geopolítico da região, sobretudo, na designação de mandatários para as glebas ali forjadas. Desde o Tratado de Sèvres, pós-derrocada do Império Otamano, o sistema de tutelagem e suas nuances políticas tem promovido tipos exóticos de ditadores, cruentos, mas servis aos interesses colonialistas. A estes, especialmente para Israel, que tem em seus pupilos o fator de segurança para a região, além de garantias para espoliar vastas riquezas naturais, não interessam mudanças abruptas de comando.
O desgaste de velhas engrenagens, todavia, precipitou revoltas e é hoje o pomo da discórdia no mundo árabe. A corrosão causada pela corrupção endêmica, o privilégio de castas de funcionários e a impunidade promotora de injustiças atingiram níveis intoleráveis. Soberanos com bilhões de dólares escondidos em paraísos fiscais não soam novidade.
Com o arranjo da indignação popular obtido através da internet colocou-se em xeque antigos déspotas, acarretou a queda de alguns, e continua-se avançando contra renitentes assassinos que hoje bombardeiam populações civis. Constroem, quiçá, o próprio cárcere onde, espera-se, sejam lançados pelos crimes contra os direitos humanos a que estarão sujeitos.
E, as mazelas existentes do outro lado do oceano também esgarçam nossas democracias. Os mesmos problemas. Aqui, as mudanças repousam na esperança do voto. Lá, virão com o sacrifício de vidas. Estranham alguns as vozes de liberdade que agora ecoam do deserto oriental. Somos todos iguais, independente de credo, origem ou raça. Reivindicamos liberdade e dignidade.
Portanto, em plena democracia e com alguns séculos nos separando do ultrapassado modelo patrimonialista de Estado, velhas práticas continuam em voga. No Judiciário, que deveria pautar-se pela seriedade e modéstia, o uso desenfreado de veículos oficiais de representação simboliza apenas prestígio e poder, desservindo a causa da justiça; malfeitos em processos licitatórios ainda são a tônico pelo país afora; disputas por cargos altamente rentáveis encimam o interesse público; denúncias de desvios, corrupção e fortunas construídas da noite para o dia no setor público fazem parte do cotidiano. Até quando? A onda das mudanças avança.
Há de se tornar efetiva a República; concretizemos princípios da Constituição Federal que impõem a moralidade administrativa, a probidade e a legalidade como fundamentos do Estado de Direito. Oxalá as revoluções engendradas pela população árabe sirvam de alerta neste lado do planeta, pois até mesmo nas democracias a paciência tem limites.
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