Quanto mais se vive, por mais tempo se recebe o benefício, o que aumenta os gastos com a previdência social.
“Fazer um curso de inglês”, disse Margareth ao funcionário da embaixada australiana quando questionada sobre a razão do pleito por um visto de seis meses de permanência. “Tem certeza?”, retrucou o funcionário, incrédulo. A surpresa do agente, que recebe inúmeras solicitações mensais similares a essa, deve-se aos anos de vida que Margareth tem a mais do que outras pessoas que chegam até ele com o mesmo pedido.
Aos 60 anos, a recém-aposentada queria, finalmente, realizar o sonho de toda um vida e estudar no exterior. Há três meses, a ex-tradutora, que aprendeu e trabalhou com inglês durante toda a vida sem nunca ter pisado em outro país, embarcou rumo à cidade de Adelaide, na costa sul da Austrália. Tímida, conta que está na turma avançada e que na última avaliação cometeu apenas um erro. “Na primeira prova, eu tive sete erros. Já melhorei, né?”, fala, orgulhosa.
A viagem de Margareth reflete novos comportamentos de um mundo em transformação rápida. Nas últimas quatro décadas, a expectativa de vida no Brasil saltou de 53,4 para 73,4 anos – e as pessoas não apenas vivem mais, como também muitas delas chegam à velhice com mais saúde e disposição. De acordo com o último censo do IBGE, 12% da população tem, hoje, mais de 60 anos, e se as tendências forem mantidas, 30% dos brasileiros estarão nessa faixa etária em 2050.
Diante desse quadro, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) vai realizar, na próxima terça-feira (1º/10/13), o Ciclo de Debates 10 Anos do Estatuto do Idoso – avanços e desafios para o envelhecimento digno, para tratar dos marcos regulatórios e das medidas que podem ser tomadas para melhorar a qualidade de vida de um número cada vez maior de pessoas idosas. O evento é uma das iniciativas do Movimento Idade com Qualidade, lançado pela ALMG em junho deste ano.
Do ponto de vista individual, ter uma boa de rede contatos e buscar capacitação para manter-se sempre ativo é essencial. Pelo menos é o que pensa o presidente do Centro Internacional da Longevidade no Brasil, Alexandre Kalache. “Temos que lutar contra o estereótipo do 'velho gagá'. As pessoas que estão chegando aos 60 anos têm muita saúde, e ficar em casa sem realizar nenhuma atividade é quase um castigo para eles”, afirma.
Ele acredita que é essencial “se reinventar” e descobrir novos talentos e interesses depois de tantos anos dedicados ao mercado de trabalho. Essa é a sugestão de Kalache, que também é ex-diretor do Departamento de Longevidade e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), para o atual modelo de aposentadoria. Mas ele defende que esse modelo é insustentável e precisa mudar.
O destino incerto da previdência
“Primeiro precisamos analisar a aposentadoria do ponto de vista histórico: ela foi criada no século 19 por Bismarck [ex-chanceler alemão Otto Von Bismarck], quando a expectativa de vida era de 46 anos. Poucos chegavam aos 60 e, quando chegavam, tinham inúmeros problemas de saúde”, explica Kalache. Segundo ele, naquele momento, era melhor pagar um valor pequeno para que essas pessoas ficassem em casa do que mantê-las trabalhando com rendimento baixíssimo e salário integral. “Cento e trinta anos depois, continuamos fazendo a mesma coisa. Ganhamos décadas na expectativa de vida e ninguém mexeu na previdência - isso é insustentável”, diz.
O ex-diretor da OMS sabe que sua opinião é polêmica e que países que tentaram modificar a idade mínima para a aposentadoria, como a França, não tiveram sucesso. Mas ele defende que não se trata de castigar aqueles que chegaram aos 60 anos, mas que é preciso mantê-los produzindo riquezas e pagando impostos. “Não é fazer com que aqueles que nunca tiveram satisfação no trabalho continuem a fazer a mesma coisa. É dar condições para que eles se reinventem, busquem novas colocações, mesmo que trabalhando menos, talvez 20 horas semanais”, defende.
A previdência é, sem dúvida, a questão mais discutida quando o assunto é envelhecimento populacional. Discutem-se medidas que vão desde o aumento da idade mínima para se aposentar até a multiplicação das fontes de financiamento. Os especialistas se dividem sobre o tema.
"Algumas cidades inteiras no Brasil são praticamente financiadas por aposentados", diz Karla Giacomin. |
A ex-presidente do Conselho Nacional do Idoso, Karla Giacomin, por exemplo, discorda integralmente de Kalache. “Existem pesquisas que mostram que os valores gastos pela previdência retornam para o mercado. Algumas cidades inteiras no Brasil são praticamente financiadas por aposentados, muitas famílias contam com a aposentadoria como única renda estável”, diz.
De acordo com ela, seria melhor investir no combate ao trabalho informal – que deixa de gerar recursos que poderiam ser gastos com a previdência e, ainda, não garante a proteção daqueles trabalhadores quando eles também chegarem à velhice. Giacomin lembra, ainda, que a dependência financeira aumenta com o avançar da idade e, apesar disso, os reajustes da aposentadoria têm sido vetados nos últimos anos. “Com 80 anos, você precisa de mais dinheiro do que precisava com 60 – mas é quando menos se tem renda”, lamenta.
Sem dúvida, muitas famílias dependem da renda de seus aposentados, assim como muitas outras são formadas apenas por aposentados e têm somente a previdência como fonte de renda. É o caso, por exemplo, de Maria Elísia, que, aos 85 anos, divide um apartamento com as duas irmãs mais velhas, de 88 e 90 anos. “Nós não nos casamos e, na nossa época, não dava para ter filho sem ser casada”, diz, em tom de brincadeira.
Maria Elísia já anda com dificuldade, mas é ela quem cuida das irmãs. A sobrevivência financeira depende principalmente da aposentadoria da irmã mais velha, que é ex-funcionária pública. Apesar de ser difícil pensar em soluções como essa, sem dúvida é preciso resolver o rombo da previdência, que tende a aumentar. Em 2012, a previdência arrecadou R$ 275 bilhões e gastou R$ 316 bilhões, um déficit de mais de R$ 40 bilhões.
Investimento no idoso começa na infância
“O idoso de hoje é a criança e o adulto que tiveram, ontem, seus direitos desrespeitados. O problema começa muito antes dos 60 anos”, diz Karla Giacomin. Para ela, chega-se à maturidade com a saúde comprometida porque não foram oferecidos os cuidados necessários antes. Para Alexandre Kalache, o mesmo pode ser dito em relação à educação. “Se a pessoa nunca teve acesso à educação, vai chegar à velhice com poucas opções para se manter ativo”, diz.
Os especialistas concordam também que a luta pela melhoria da qualidade de vida para os idosos deve envolver toda a sociedade. “Os jovens precisam lutar pelos direitos dos idosos hoje, para garantir que terão direitos daqui 30 anos”, diz Giacomin. Para eles, o que dificulta a luta por esses direitos é o preconceito, que impede as pessoas de pensar que, um dia, também irão envelhecer e precisarão, por exemplo, de uma cidade mais acessível. “Temos que lutar contra essa fobia contra o envelhecimento, que é muito forte em um país que valoriza a figura do jovem e belo”, afirma Kalache.
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