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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Conceito de cidadania evolui, mas ainda precisa avançar

ESTANTE LEGAL


Caricatura: Robson Pereira - Colunista [Spacca]
Os conceitos atribuídos às expressões "cidadão" e "cidadania" passam por uma evolução saudável e necessária, mas ainda persistem na ciência política e no próprio Direito enfoques que se mostram confusos não apenas para leigos, como também para estudiosos do tema, afirma Richard Pae Kim, doutor em Direito pela USP e professor dos cursos de graduação e de mestrado da UNIMEP-SP e de pós-graduação da Escola Paulista da Magistratura. Ele considera importante uma conceituação adequada, que reflita tal evolução, principalmente em função da inter-relação cada vez mais acentuada entre cidadania e direitos fundamentais e humanos.

Pae Kim é um dos autores de Cidadania  O novo conceito jurídico e a sua relação com os direitos fundamentais individuais e coletivos, livro que reúne 15 textos de especialistas, quase todos professores de cursos de mestrado nas principais escolas de ensino jurídico do país. No conjunto, os textos traduzem o que há de mais relevante e atual sobre o tema, tanto sob o ponto de vista constitucional, quanto na legislação ordinária e no direito comparado. "É um debate coletivo, que trata de alguns temas fundamentais e atuais sobre a nova cidadania", resume Alexandre de Moraes, professor e chefe do Departamento de Direito do Estado da USP, outro entre os 18 autores presentes no livro.
Ao analisar o conteúdo jurídico de cidadania na Constituição Brasileira, Richard Kim observa que alguns dispositivos vinculam a noção de cidadão aos direitos políticos, por situarem a qualidade de eleitor como requisito de legitimidade processual, e cita como exemplos, o inciso LXXIII, do artigo 5º, no caso de proposição de ação popular, e o artigo 61, para apresentação de projeto de lei de iniciativa popular. Em outros dispositivos, no entanto, o termo "cidadão" tem sentido mais amplo, alcançando não apenas o eleitor, mas também a todos os residentes no país, como, por exemplo, no caput do artigo 58 e nos artigos 64 e 74, todos da Constituição.
Esse tratamento não uniforme, segundo ele, ocorre também com a expressão "cidadania", apresentada ora como a qualificação do eleitor ou do titular do direito político de eleger ou de ser eleito, em sentido mais estrito, ora como a qualidade daquele que é titular de direitos fundamentais, vinculados à dignidade da pessoa humana. Para Kim, é esse sentido mais amplo que caracteriza a ideia-mestra da "nova cidadania", que permeia a Constituição, mas que precisa, "no futuro", ser aperfeiçoado. "O uso de terminologias com sentidos diversos não contribui para a adequada compreensão dos textos legais, tampouco para a segurança jurídica", afirma.
No livro, ele sugere substituir a expressão "cidadão" por "eleitor" nos casos que ficar clara a referência à "cidadania política", mantendo-se a designação apenas nos artigos constitucionais em que a condição refere-se ao indivíduo titular de direitos fundamentais. "Cidadania não implica em um direito específico", justifica o autor. "Cidadania é qualidade da pessoa, que deve ser tratada com respeito aos princípios democráticos e aos direitos humanos e não mais com um status que antes se situava apenas no campo político", acrescenta.
Também participante do debate, Elísio Augusto Velloso Bastos, doutor em Direito do Estado pela USP e procurador do Estado do Pará, analisa a importância da cidadania na definição e na implantação de políticas públicas, chamando a atenção para os mecanismos disponibilizados pela Constituição aos cidadãos para o efetivo exercício da cidadania. Bastos lamenta que as discussões sobre políticas públicas fiquem limitadas à polêmica sobre a qual poder político deverá ser resguardada a predominância ou mesmo a exclusividade na fixação ou controle de tais políticas.
Para ele, a melhor forma de otimizar a eficiência dos gastos sociais não é conferir competência ao Poder Executivo, tampouco ao Legislativo, nem, ainda ao Poder Judiciário. "O instrumento mais adequado para implementação de políticas públicas ainda é a pressão da sociedade civil organizada", afirma, lembrando que os instrumentos que possibilitam tal participação estão presentes na própria Constituição. "É certo que tais mecanismos ainda são exercidos de modo bastante tímido pelo cidadão brasileiro", reconhece.
Mestre em Direito, professor e Procurador Federal em São Paulo, Eduardo Fortunato Bim, também acrescenta uma visão oportuna sobre o tema. Ele lembra que direito de petição, legitimidade para ação popular, plebiscito, referendo, direito de acesso à informação, cogestão, iniciativa popular de lei, audiências e consultas públicas, e amicus curiae no controle de constitucionalidade são frequentemente citados como instrumentos de participação, normalmente classificados como pertencentes à democracia participativa. "Ocorre que tais instrumentos apresentam graus variados de influência nas decisões estatais e alguns têm sido distorcidos pela ausência de compreensão, não apenas da democracia, mas da própria cidadania perante o Estado", ressalta.
No texto, prévia de um livro que está escrevendo e que será lançado em breve pela Revista dos Tribunais, Eduardo Bim critica o fato de as audiências públicas, notadamente na área ambiental, terem se transformado, na prática, em mecanismos de declaração de nulidade de ações governamentais, "pela má compreensão do seu significado, alcance e finalidade dentro do ordenamento jurídico". Para ele, não obstante tratar-se de um importante mecanismo que visa operacionalizar a democracia, a audiência pública não tem eficácia vinculatória de seu resultado. "O que existe é o dever da administração pública de considerar o que foi debatido na audiência pública, e isso está longe de se traduzir em vinculação", afirma. "Audiência pública não é plebiscito e nem funciona de forma parecida com o veto. Esse aspecto é fundamental porque essa é uma das causas que geram maiores equívocos na matéria", complementa.
Serviço:
Autores: Alexandre de Moraes e Richard Pae Kim (organizadores)
Editora: Atlas
Edição: 1ª Edição — 2013
Número de páginas: 296

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