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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Da igualdade na bola à unidade na luta


As manifestações de rua no Brasil precisam sair do ativismo puro para levar adiante o vigor e energia das bandeiras organizadas de luta.

José Carlos Peliano (*)
Arquivo

Praia da Ribeira, Itacaré, Bahia, domingo, 9 de fevereiro de 2014, sol aberto, muitos banhistas, vendedores de um lado para o outro, alguns cachorros indo de lá para cá, cervejinha gelada, tapioca, peixe frito, queijo na brasa, pastel, todos em casa. Cada um sabe como se comportar, respeitar o espaço do outro, convivência densa mas pacífica, civilizada. Uns precisam dos outros para aproveitar, se divertir e passar boas horas de lazer e descanso.

À minha frente mais à esquerda, quatro rapazes, uns mais outros menos em idade, jogam bola com destreza, habilidade, toques elegantes de cabeça, pés, joelhos, ombros, peito. Acrobacias de graça, arte e equilíbrio em exíguos 4 ou 6 metros quadrados. Espaço variado que ia um pouco para à direita, um pouco para à esquerda, um tanto mais atrás, outro tanto mais à frente, mas sempre em torno do mesmo ponto central imaginário.

Os brindes eram os voleios dos pescoços, os balés das pernas, as danças dos corpos, as gingas, toques sutis, sem deixar a bola cair por 5, 10, 15 minutos, até que uma onda mais atrevida vinha e desarticulava o quarteto. Florisvaldo, John, Gabriel e Diego, baianos, brindavam os banhistas com uma apresentação de classe, de primeira classe. Na linguagem popular eram peladeiros, criados certamente em campinhos de terra ou de grama nos povoados e vilas.

O tempo em que estiveram por ali, ali ficaram, sem perturbar qualquer banhista. Faziam suas evoluções quase no mesmo espaço e não incomodaram ninguém, pelo contrário, quem gosta de futebol e de malabarismos com a bola como eu e minha mulher certamente se encantaram e se sentiram satisfeitos. Poderão alguns dizer que não foi nada demais. Digo com certeza que foi demais, especialmente o trato da bola, coisa que muitos jogadores profissionais não tem e nunca vão ter.

Conversei com eles ao final da brincadeira e lhes disse de minha satisfação em vê-los com um controle mágico da bola pelo corpo. Havia um deles, não me ative ao nome, que de repente levantava a bola e a matava atrás no pescoço. Fez isso umas boas 12 vezes e ela sempre se encaixava, sem tamborilar como fazem as bolas que não descem direto nas cestas de basquete. Era como se houvesse ali um buraco que a prendia.

Três deles já se conheciam, um entrou no quarteto ali mesmo se convidando. Lembrei-me do músico brasileiro Gaudêncio Thiago de Mello, falecido recentemente em Nova Iorque, irmão do poeta, que um dia levou minha mulher e eu para um show de jazz no Soho e lá o também quarteto chamou-o para uma palinha. Era como os cinco estivessem tocando juntos a vida inteira tal a sincronia, a leveza, a pureza de som. Espontaneidade, criatividade, liberdade e conjunto.

Essa crônica seria apenas divertida não fosse igualmente séria. Séria não no sentido de ser uma descrição que evoque dano, ameaça ou prejuízo, mas no sentido de servir como lição para ser apreciada, reverenciada e seguida por todos aqueles que prezam, defendem e lutam pela igualdade entre homens e mulheres. Igualdade de expressão, de participação, de contribuição e de frutos do trabalho. Cada um fazendo a sua parte em benefício do conjunto. Cada um recebendo seu quinhão de acordo com sua contribuição ao conjunto. Cada um sendo a linguagem legítima da vida em suas mais diversas formas de manifestação, conteúdo e experiência.

Mais tarde conversei mais detidamente com Florisvaldo, 39 anos, de Itabuna, 4 filhos, 3 criados, uma de uns 5 anos. Opera moto-táxi há 3 anos, consegue uns R$ 2,2 mil por mês. Antes trabalhava como operador de caldeira e recebia o salário mínimo. Trabalho duro ,sem cobertura de insalubridade e mal pago. Não quer parar na moto, pensa em exercer as formações de pedreiro e eletricista que aprendeu para tentar retorno financeiro melhor mas a competição é dura e o mercado volátil. Perguntei se gostava do trabalho na moto, disse que sim mas tinha medo da eventual violência do passageiro por conta dos justiciamentos dos traficantes de drogas.

Falei-lhe do poder da união em torno de cooperativas para autônomos como ele não só para terem mais poder de barganha e visão de oportunidades, mas também para produzirem mais e conseguirem retornos melhores. Cada um por si no capitalismo nem Deus por todos, Da cooperativa ao sindicato, associação é força. Lembrei-lhe do exemplo do conjunto dos 4 donos da bola na praia onde ele era um deles. Gostou da ideia, ficou feliz de eu ter me interessado espontaneamente por eles e em especial por ele informando-lhe sobre o aproveitamento de seu trabalho. Despediu-se e se foi com a família entre outros banhistas para a vida afora. Que saia vencedor!

A busca da igualdade entre os seres humanos é bandeira de anos e anos de história pelo mundo. Ninguém tem o mapa exato da mina. Todos e cada um têm algo a dizer, recomendar e fazer. Mas onde se nasce já tendo pela frente os donos do poder, salve Raimundo Faoro!, exige-se talento, estratégia e muita luta para reverter o status quo. Florisvaldo leva agora a ideia da bandeira da união, os outros três a espontaneidade, o conjunto e o talento, requisitos para outra união onde quer que trabalhem. Não que a união resolva todos os problemas da desigualdade, mas ajuda a ver melhor o mundo do trabalho e do capital, a lutar com mais segurança e cooperação e a criar bastiões de liberdade e autonomia.

 As dores do crescimento no capitalismo atingem preponderantemente os menos favorecidos, os mais já nascem grandes e donos do poder. Não é luta de Davi e Golias, mas de conhecimento e estratégia coordenada de ação. O quixotismo de Edward Snowden foi importante alerta para apontar caminho, mas sozinho é tiro no escuro. As manifestações de rua no Brasil precisam sair do ativismo puro para levar adiante o vigor e energia das bandeiras organizadas de luta. Uniões, associações, cooperativas e sindicatos estão no rumo desde que haja participação, conjunto, espontaneidade e talento todos canalizados, caso contrário vira espetáculo apenas, a bola cai ao final e a arte fica na retina, mas esvai-se na praia.

(*) Economista (Phd/Unicamp)




Créditos da foto: Arquivo

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