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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Limites éticos na persuasão dos jurados




O ponto culminante do procedimento dos delitos dolosos contra a vida é, sem dúvida, o julgamento pelo Tribunal do Júri.
 
Para seus defensores, o júri é a garantia democrática do indivíduo, em determinados crimes, ser julgado por seus concidadãos, acima das normas inflexíveis da lei. Entendem que a sociedade é representada por membros de ilibada idoneidade, que procura restabelecer o equilíbrio quebrado pela ofensa ao direito. Afirmam que o júri, julgando o criminoso e não o crime, não está adstrito ao critério legal e às prevenções profissionais, é capaz de humanizar a lei e melhor discernir sobre os réus merecedores de pena. Por fim, sustentam que a verdade proclamada por sete cidadãos é mais segura que a proclamada por apenas um. A este respeito Canelutti formulou a seguinte metáfora: “O juízo colegiado é comparado a uma visão binocular: se a natureza nos dotou de dois olhos, em lugar de um só, é porque uma única imagem não basta para que seja visto o que deve ser completamente visto e o que devemos ver”.
 
Para outros, certo é que o Júri, nos seus primórdios, foi um respiradouro às reinvindicações populares, suprimindo o julgamento dos acusados pelos juízes togados, integrantes da nobreza que desapareceram depois que os ditos juízes passaram a vir do povo. Afirmam, no entanto, que a justiça contemporânea assumiu feições que está a exigir pessoas especializadas e de alto espírito crítico, deixando-se os juízes leigos demasiadamente a julgar pelo sentimentalismo, para deixarem impunes os mais graves crimes. Acrescentam que, a julgar pelos resultados alcançados em outros países, o júri somente aprova quando existem condições favoráveis para uma democracia direta, o que não existe no Brasil devido à condição geográfica, ao baixo nível cultural, à baixa moralidade, à falta de educação cívica e ao desinteresse pela coisa pública.
 
Essa corrente foi capitaneada por Nelson Hungria, para o qual “O famigerado Tribunal do Júri, osso de megatério que persiste em ligar repressão penal e regime democrático, redundou pela sua incompetência e frouxidão, em favor indireto da criminalidade”.
 
Para opositores ou defensores dessa instituição, no entanto, é certo que nela os debates provocam as mais desencontradas paixões.
 
A cumulação na instrução em Plenário e nos debates, dos sistemas da concentração, oralidade e imediatidade oferecem condições especiais de expressividade às provas produzidas durante o processo. 
 
Na dialética desse momento, o debatedor vale-se de duas contingências que, mesmo separáveis, no mais das vezes são apresentadas juntas:
 
a) O discurso, como manifestação oral persuasiva, utilização da retórica, da “conversa amiga, macia”, da contundência ordinatória, do apelo emocional, etc.
 
b) A interpretação cênica, mímica, teatral, irreverente, gesticular.
 
A importância deste desempenho está em alcançar os limites da verdade possível, extraída dos elementos autuados ou, do plano sociológico, filosófico, antropológico de elementos não necessariamente contidos no processo. É a interpretação oral ou cênica de tudo que pudesse ter animado o fato e tem a finalidade maior de ampliar imaginariamente os detalhes da hipótese defendida.
 
E é justamente essa representação em plenário, feita pelo Promotor de Justiça e pelo Advogado de defesa, com seus poderes informativos, que possui poder persuasivo sobre os jurados, induzindo-os a projetarem-se mentalmente à situação de violência do caso concreto para que possam avaliar a conduta do agente nas circunstâncias em que agiu.
 
O importante é identificar no ato violento contra a vida a censura ou aprovação da conduta do agente, com a mais ampla visão fática, pois o Júri não está adstrito ao alegado e provado nos autos, nem à estreiteza dos textos, e não seria Júri se deixasse de sentir o conjunto das realidades individuais e sociais atinente ao caso concreto. Por todas essas razões, necessário é que se imponham limites éticos à atuação em plenário por parte dos debatedores, de forma a não afastar os princípios constitucionais e legais atinente ao processo criminal.
 
O Tribunal do Júri não pode ser apresentado como um espetáculo burlesco, de guerra entre o bem e o mal, como se o Promotor de Justiça personificasse um acusador intransigente, que quer prender o réu, tira-lo do convívio de sua família e transferi-lo para o Presídio; e o Advogado de Defesa caricaturado como figura do bem e do perdão, sempre pugnando pela liberdade de todos os acusados.
 
O plenário do Júri não é local para gritos, choros, simulação de desmaios, piadas ou xingamentos, pois desvirtuam a função de socialização e democratização de Justiça atribuída ao Conselho Popular, que deve se aproximar ao máximo da verdade dos fatos para que possa aprovar ou reprovar a conduta ilícita que lhes é posta para exame e deliberação, pois julgam segundo a sua consciência e os ditames da justiça, fazendo a lei para cada caso.
 
Assim, dentro de uma representação destinada a informar o jurado, pode-se fazer apelo tanto à sugestão afetiva quanto à persuasão puramente racional, mas sempre dentro de determinados limites éticos, tanto da parte acusatória, como da defensora. É que um julgamento feito pelo Tribunal do Júri, ao contrário do que muitos pensam, não é loteria. Depende, sim, de algumas peripécias, mas deve ser o seguro resultado de uma conduta bem planejada e executada com rigor, desde a fase do inquérito policial até o plenário do Júri.
 
O Júri não é uma aventura a que se atrevam os que se distinguem somente pela audácia e sede de fama, é tarefa destinada aos mais aptos, aos mais preparados e conscientes, que tenham as qualidades mínimas necessárias à magnitude da atividade, e que não ponham em risco a liberdade do réu ou a segurança da sociedade tão-somente para a satisfação de vaidades mal disfarçadas.
 
A advertência se impõe: acusadores e defensores só terão a perder com divagações impertinentes, hipérboles vazias ou embustes patéticos.
 
O acusador, por decoro próprio e, sobretudo, por obrigação estrita, jamais deverá injuriar o réu, ou por qualquer forma olvidar-se do respeito devido ao Tribunal. Pelo contrário, refletido e moderado, embora enérgico em sua argumentação, deve produzir a acusação sem cólera, sem arrebatamento, sem exageração. Jamais deve o acusador dirigir-se ao acusado, e sim ao Júri, expondo os fatos e as circunstâncias, estes sim, com toda pujança e eloquência.
 
O defensor, exímio tribuno de defesa, do mesmo modo, deve apresentar seus argumentos dentro de um plano previamente traçado, de acordo com uma linguagem fluente e clara, sem rodeios e tiradas literárias, ferindo os pontos em debate. O discurso do causídico há de ser simples, objetivo, convincente. Isso não quer dizer vulgaridade, que seria o contrário do preciosismo.
 
Na esteira dessas afirmações, não se quer criticar a instituição, que deve persistir, mas tão-só alertar que a atividade do debatedor em plenário, por envolver interpretação informativa, persuasiva, indutora, perfeitamente adequada e necessária ao Tribunal do Júri, deve pautar-se pela obediência aos princípios éticos e as provas colhidas durante a instrução criminal.
 
O orador deve empenhar-se em persuadir de que está certo e de que sua tese deve ser vencedora, usando linguagem inteligível para que, efetivamente, a “transformação” do jurado seja “consequência de sua fala”, mas usando de seu poder de persuasão deve ter cuidados com a teatralização, para que não decaia ao nível de um espetáculo burlesco, nem à linguagem deficiente ou vulgar a ponto de prejudicar a substância do bom senso.
 
Conjugada a arte de persuadir com a ética, manter-se-á a dignidade do Tribunal do Júri, o respeito aos cidadãos-jurados e a justiça ao réu.
 
Ganha, pois, a sociedade.
 

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