Apesar de ser o terceiro crime mais rentável do mundo, a prática não é facilmente identificada.
O que há de mais pernicioso no tráfico de pessoas é o fato de ser um crime “invisível”. O alerta foi feito nesta terça-feira (18/2/14), em audiência pública da Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião foi requerida pelo presidente da comissão, deputado Paulo Lamac (PT).
Para o coordenador de Prevenção à Criminalidade da Secretaria de Estado de Defesa Social, Talles Andrade de Souza, o tráfico humano é invisível e não respeita fronteiras. Segundo ele, a prática criminosa é a terceira mais rentável do mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e de armas. No entanto, de acordo com Souza, diferentemente dos dois últimos, o tráfico de pessoas não é facilmente identificado, apesar de ser aquele em que mais direitos são violados.
“Por trás de crimes correlatos como o trabalho escravo é que se chega eventualmente ao tráfico humano. Sua identificação e caracterização são difíceis”, ressaltou o coordenador. Ele acrescentou ainda que traficar pessoas implica diversas violações à integridade física e moral e aos direitos trabalhistas. Além disso, as vítimas geralmente são alvo de exploração sexual e venda de órgãos.
Ele afirmou que o Executivo está empenhado em construir redes de proteção para refrear as ações dos traficantes em Minas, mas já se sabe que, nos períodos de grandes eventos como a Copa do Mundo, o número de pessoas traficadas tende a aumentar. O deputado Paulo Lamac disse que tanto o poder público como a sociedade civil devem se antecipar ao problema e criar estratégias para coibir a prática durante os jogos realizados em todo o País, em especial em Belo Horizonte.
Estado tem programa para enfrentar o tráfico humano
Ariane Gontijo, diretora do Programa Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, disse que as ações de prevenção e combate a esse crime estão sendo desenvolvidas em Minas Gerais desde o segundo semestre de 2012. Ela afirmou que o programa foi pensado para se tornar uma política de Estado, extrapolando assim o período da Copa do Mundo.
A diretora explicou que os serviços articulados pelo programa são organizados em três eixos: o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, o Comitê Internacional de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas e o Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante. Segundo Ariane Gontijo, o comitê internacional tem acompanhado, até o momento, 40 casos. “O número de pessoas envolvidas em ocorrências em que não há indício de tráfico humano totaliza 128; já as situações em que há indícios da prática do crime envolvem 244 pessoas. Ao todo temos 372 pessoas em situação de violação de direitos”, enfatizou.
A servidora chamou atenção ainda para as ações específicas voltadas ao período de realização dos jogos da Copa. Ela explicou que, por meio de emenda popular da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa, será implantado posto de atendimento no Aeroporto Internacional de Confins, a fim de incentivar as ações do comitê na execução de campanhas sobre o fenômeno e dar início a uma série de pesquisas, em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), para desenvolver metodologias mais eficazes na identificação do tráfico de pessoas.
Vulnerabilidade social impulsiona tráfico de pessoas
Falsas promessas de ascensão social a pessoas em situação de vulnerabilidade costumam seduzir as vítimas do tráfico de pessoas, prática que talvez mais degrade a condição de dignidade humana. A percepção é da delegada da Polícia Civil Cristina Coelli Cicarelli Masson. Para ela, a pessoa traficada é reduzida à condição de “mercadoria reutilizada”. “No caso das drogas e armas o traficante se desvincula do produto, o que não acontece com a pessoa vítima do tráfico humano, que reiteradamente é lesada".
Cristina Masson contou que, em função do engodo, a pessoa que está sendo traficada não oferece resistência, por isso a atividade é considerada de baixo risco e extremamente lucrativa. Para coibir o crime durante a Copa do Mundo, a delegada afirmou que serão percorridos todos os departamentos da Polícia Civil, inclusive aqueles localizados no interior do Estado. “Vamos promover palestras e oficinas a fim de orientar os agentes locais. O policial precisa se conscientizar para o enfrentamento do problema. Crimes de tortura, homicídio e estelionato podem revelar a prática do tráfico humano. Precisamos saber identificar as situações específicas”.
A delegada teceu críticas à lei de registros públicos. Ela mencionou um caso em que a criança, após ter sido aliciada, já estaria registrada em nome de outra mulher, apenas três dias após a ocorrência. De acordo com Cristina Masson, a melhor forma de evitar a realização de registros fraudulentos seria obrigar que o recém-nascido fosse identificado ainda na maternidade.
Já Márcia Alves, assessora da Prefeitura de Belo Horizonte, assegurou que serão feitas abordagens itinerantes para identificar violações contra adolescentes e crianças durante todo o período da Copa. Segundo ela, também será disponibilizado um espaço para receber crianças que se perderam dos pais ou adolescentes que tenham sofrido qualquer ameaça ou violações. “É necessário repetir essa experiência em outros eventos, porque a vigilância deve ser permanente”, defendeu a assessora.
Coração azul – Márcia Alves ainda fez um apelo à sociedade no sentido de denunciar sobretudo a exploração sexual, por meio de canais como o Disque 100 e o Disque 180. “Essa proteção social depende também da sociedade civil”, alertou. Ela também salientou o lançamento, a ser realizado em março, da campanha Coração Azul, uma iniciativa de conscientização para lutar contra o tráfico de pessoas e seu impacto na sociedade, promovida, dentre outras entidades, pela Organização das Nações Unidas (ONU). O deputado Paulo Lamac se comprometeu a apoiar a campanha e a levar a discussão para todos os parlamentares.
Imigração ilegal, prostituição e tráfico
Também destacou o envolvimento de toda a sociedade no enfrentamento do tráfico de pessoas o cônsul de Portugal em Belo Horizonte, André Sopas de Melo Bandeira. Ele ressaltou a dimensão internacional do problema e a necessidade de convidar outros consulados para participarem dos trabalhos de prevenção.
Ele contextualizou o fenômeno do ponto de vista histórico, lembrando que o modelo do tráfico humano ainda é a escravatura negreira. “Como lá atrás, as motivações do tráfico têm razões econômicas”, comentou o cônsul, que acrescentou que a imigração ilegal deve ser diferenciada do tráfico. No entanto, para ele, a imigração também está arraigada à questão econômica. “Movimentos racistas estão sendo fomentados em países europeus também por disputas de ordem financeira”.
Já a presidente do Sindicato das Prostitutas de Minas Gerais, Maria Aparecida Menezes Vieira, disse que a atividade de prostituição não pode ser encarada como exploração sexual. “É necessário separar as coisas. Não queremos ser alvo do tráfico de pessoas, mas também não queremos ser vitimizadas. Estamos nessa profissão por escolha”, afirmou. Segundo Maria Aparecida, há 500 mil profissionais do sexo em Minas.
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