FERIDAS ANTIGAS
A prisão de Henrique Pizzolato abre caminho para a Itália levar adiante investigações que, há muito, incomodam italianos e brasileiros: as enormes quantias “não contabilizadas” da Telecom Italia que desaguaram no Brasil. A empresa italiana, que já foi estatal, conduziu a compra superfaturada da CRT (Companhia Riograndense de Telefonia), vendida a um preço US$ 250 milhões maior do que o valor de sua avaliação, o que, segundo as denúncias, foi combinado entre a Telecom e a espanhola Telefónica, então controladora da CRT.
A CRT foi vendida em 2000 para o grupo Brasil Telecom, do qual faziam parte a própria Telecom Itália, o fundo Opportunity — de Daniel Dantas —, o CitiGroup e fundos de pensão de estatais brasileiras tendo à frente a Previ, fundo previdenciário dos funcionários do Banco do Brasil. O Conselho da Previ era presidido por Pizzolato (foto) que, em depoimentos colhidos à época, disse ter sofrido fortes pressões, da Telecom Italia e do governo brasileiro, para fechar o negócio o mais rápido possível, mesmo com o sobrepreço. Dantas contratou a Kroll para descobrir quem ficou com o dinheiro, hoje reclamado pelos acionistas da Telecom Itália — o que gerou as famigeradas operações batizadas de “chacal”, contra os investigadores, e “satiagraha”.
À época, deputados italianos denunciaram que o esquema era muito semelhante ao utilizado pela Telecom Italia na Sérvia. O parlamento do país já havia, inclusive, feito uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Telekom Serbia, onde se demonstraram negociações escusas entre os negociadores dos dois países.
A importância de Pizzolato para resolver o caso de corrupção italiano explica, em parte, o fato de o governo do país ter ordenado, desde que a imprensa brasileira noticiou a ida de Pizzolato para a Itália, que seus ministérios ficassem em silêncio sobre a situação. A ideia, disseram autoridades italianas em reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo em novembro, é evitar uma crise diplomática entre Itália e Brasil. Engana-se quem pensa que essa crise seria motivada apenas pela questão da extradição ou não do ex-diretor do Banco do Brasil por conta de sua condenação no caso do mensalão.
A atual ministra do Exterior da Italia, Emma Bonino (foto), do Partido Radical da Itália, participou, inclusive, da CPI da Telekom Serbia, conhecendo de perto o esquema utilizado pela companhia para alimentar a corrupção em outros países. Ela tem poder para pedir que Pizzolato deponha, para contar os detalhes da operação no Brasil. A pressão para abafar o caso, porém, pode reabrir velhas feridas ainda não cicatrizadas.
O secretário-geral do ministério de Relações Exteriores da Itália, Michele Valensise, é alvo de duras críticas da comunidade italiana no Brasil por ter pedido, em 2006, quando era embaixador no Brasil, que o Judiciário brasileiro arquivasse um caso. O pedido, feito em uma nota enviada ao Ministério de Relações Exteriores Brasileiro, foi encarado como uma tentativa de silenciar caso de corrupção envolvendo Itália e Brasil. Sem assinatura, a nota verbal transcrita pela embaixada e autenticada, pede a extinção do processo que envolvia o antigo cônsul-adjunto da Itália em São Paulo, Luigi Estero. O foco principal da ação era o sumiço de uma representação criminal entregue ao cônsul Gianluca Bertinetto, que foi removido do cargo e da carreira pelo Parlamento italiano logo após o episódio, denunciado pelo então deputado Piero Marini Garavini.
Na nota, a Embaixada afirma que Luiz Estero havia sido retirado do cargo e, por isso, não caberia mais a ação na Justiça Federal brasileira. O processo dizia respeito à eleição para o Comitê para os Italianos no Exterior. O comitê, chefiado por Estero, foi acusado de dificultar a candidatura de Francesco Scavolini e Carmelo Distante no Brasil, depois de eles auxiliarem na apuração de denúncias sobre corrupção envolvendo o repasse de verbas públicas da Europa para o Brasil.
Repasse milionário
Carmelo, que foi conselheiro do comitê de 1994 a 2003, contribuiu, em seu último ano no cargo, com uma denúncia que envolve fraudes milionárias com repasses da União Europeia para o Brasil. O documento que ele assina indica a criação de empresas de fachada no Brasil que receberiam valores milionários em financiamentos da União Europeia a fundo perdido. As fraudes teriam movimentado milhões de euros, segundo denúncias que estão em processos na Justiça brasileira.
Com a abertura das empresas com “laranjas”, funcionários públicos italianos aprovavam os financiamentos de milhões — ilegais, uma vez que o limite máximo para tal verba, à época, era de 250 mil euros —, mas as empresas nunca saíram do papel.
Pessoas envolvidas no processo ouvidas pela ConJur acreditam que a questão está intimamente ligada ao envio de dinheiro pela Telecom Italia ao Brasil. O expediente é semelhante ao de empresas ligadas à companhia italiana no Brasil, que surgiam, ganhavam aportes milionários, e entravam em falência. É um quebra-cabeça envolvendo a corrupção em dois países, no qual Henrique Pizzolato, agora preso na Itália, é peça-chave.
*Texto alterado às 14:40 do dia 10 de fevereiro de 2014 para acréscimos e correção de informação.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico
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