Não há como não ter muita pena do leitor que lê os editoriais dos jornais brasileiros sem ter a desconfiança prudente ou a isenção cidadã ou mesmo as informações necessárias para valorá-los.
Artigos do prof. LFG
Não há como não ter muita pena do leitor que lê os editoriais dos jornais brasileiros sem ter a desconfiança prudente ou a isenção cidadã ou mesmo as informações necessárias para valorá-los. Pobre do leitor narcisista que somente procura ler aquilo que reflete seu posicionamento (ele vive em busca de reforço das suas convicções). A forma mais equilibrada de ver o mundo complexo que nos circunda, no entanto, consiste em ser pluralista e supraideológico, o que permite ser crítico ou elogioso (conforme cada situação). O PT, por sua Executiva Nacional (dia 26/5/14), com muitos anos de atraso, reivindicou a punição dos crimes praticados por agentes do Estado durante a ditadura militar. Isso foi suficiente para o Editorial do Estadão (1/7/14: A3), que tem posicionamento ideológico diametralmente oposto ao partido vermelho, “partidarizar e eleitoralizar a questão”, como se ela fosse uma bandeira exclusiva do PT (“que, com sua retórica, apela irresponsavelmente à cizânia, à divisão da sociedade brasileira entre nós e eles, os bons e os maus; maus são os criminalizam os movimentos sociais e discriminam as camadas populares”). Em vários momentos da vida política nacional fica difícil saber quem é mais retórico e mais sofista.
O PT, diz o editorial do Estadão, “encarna um espírito diametralmente oposto ao da conciliação nacional que permitiu, 35 anos atrás, a transição pacífica do regime ditatorial para o democrático que viria a possibilitar, quase um quarto de século depois, a eleição de um ex-metalúrgico à Presidência da República; a lei de anistia é fruto de uma conciliação e foi proposta no segundo semestre de 1979, pelo último presidente-general; o PT não se satisfaz com a verdade dos fatos, quer castigar aqueles que não foram punidos porque a sociedade brasileira decidiu anistiá-los num pacto que permitiu a reconquista pacífica do regime democrático”.
A visão tosca e desequilibrada daqueles que se prendem às ideologias (esquerda ou direita) ou aos partidos políticos (PT, PSDB etc.) não consegue ver nem a verdade nem a racionalidade. Agem sob pura emoção (adrelina na veia). O editorialista certamente não ignora, mas nada informa sobre um detalhe muito relevante: a lei de anistia brasileira foi considerada uma autoanistia e, portanto, inválida, porque inconvencional (violadora das convenções internacionais), pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. O STF, em abril de 2010, julgou constitucionalmente válida a lei. A Corte, em 24/11/10, reputou internacionalmente inválida a mesma lei e decidiu que o Brasil tem que investigar e, eventualmente, punir os crimes da ditadura, por serem crimes contra a humanidade, que não prescrevem.
A questão, como se vê, não é partidária (como sugere o editorial), sim, constitucional e internacional. Está na ordem do dia. O Brasil é livre para firmar tratados internacionais. Era também livre para aceitar ou não a jurisdição da Corte. Na medida em que aceitou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992 e a referida jurisdição em 1998, no mandato de FHC, agora é obrigado a cumprir suas decisões, sob pena de ser, in extremis, expulso da OEA (Organiza ção dos Estados Americanos). Recorde-se: sempre que um país firma um tratado internacional ele abre mão de parte de sua soberania (ver art. 4º da Convenção de Viena).
A questão da punição dos crimes da ditadura cometidos por agentes do Estado, por serem crimes contra a humanidade, como se nota, não tem nada a ver com os partidos políticos. Argentina, Chile, Uruguai etc., civilizadamente, estão seguindo as decisões da CIDH e condenando os militares torturadores pelos crimes contra a humanidade. Todos eles também tinham leis de anistia (que foram consideradas inválidas). Por que a Corte mandou processar e punir apenas dos agentes que atuaram em nome do Estado? Porque os que lutaram contra os ditadores e torturadores foram processados e punidos pelos seus crimes (muitos passaram anos e anos na cadeia – um chegou a ficar 16 anos encarcerado -, por esses crimes, incluindo-se a presidenta Dilma). O gigante Brasil não vai nunca se levantar (continuará deitado em “berço esplêndido”) enquanto prosseguir invertebrado, sem um projeto nacional comum, em razão de visões partidárias e ideológicas. A partidarização somente é útil para a democracia até um certo nível. A partir daí, por falta de projetos nacionais comuns, suprapartidários e supraideológicos, tendemos sempre à mesmice de um país feito pela metade (estamos falando do Brasil meia-boca, que se distanciou da africanização, mas tende a nunca chegar à escandinavização).
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