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quarta-feira, 4 de junho de 2014

STF julga alcance de declaração de inconstitucionalidade a sentenças

REPERCUSSÃO GERAL




O Supremo Tribunal Federal deverá avaliar se decisões transitadas em julgado podem ser derrubadas caso o Plenário conclua, posteriormente, pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma determinada lei. Na última sexta-feira (30/5), o STF reconheceu a repercussão geral da discussão, que pode atingir casos já julgados de forma imutável, protegidos pela coisa julgada. 
O Recurso Extraordinário 730.462, aceito pelo Plenário virtual da corte e pautado como representativo da discussão, foi interposto contra acórdão que decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41/2001, que havia acrescentado o artigo 29-C na Lei 8.036/1990, quanto ao não cabimento dos honorários advocatícios em demandas sobre o FGTS. 
O caso remete a uma decisão com trânsito em julgado pelo não cabimento de condenação em sucumbência, em cumprimento à MP — enquanto que a Suprema Corte julgou tal regra inconstitucional.
O ponto central que será avaliado e definido pelo STF é a análise da viabilidade de determinado julgamento de controle de constitucionalidade retroagir para atingir situações concretas resolvidas definitivamente e sob proteção da coisa julgada.
Teori Zavascki - 06/11/2013 [Nelson Jr./SCO/STF]
Para o ministro relator, Teori Zavascki (foto), “cumpre decidir se a declaração de inconstitucionalidade tomada em ADI atinge desde logo sentenças anteriores já cobertas por trânsito em julgado, que tenham decidido em sentido contrário”.

Um dos nascedouros da dúvida é o artigo 741 do Código de Processo Civil, introduzido em 2001. "Considera-se (…) inexigível o título judicial (…) fundado em aplicação ou interpretação da lei (…) tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição", diz o dispositivo. 
Mas a celeuma não se restringe à esfera cível. Reconhecer que uma decisão em ação de controle concentrado possa retroagir para desfazer julgados transitados significaria que, se o STF decidir que uma norma é inconstitucional e está excluída do ordenamento jurídico, caso tenha sido aplicada em benefício, por exemplo, de acusado em sentença criminal transitada em julgado, haverá empecilho legal à eficácia executiva da absolvição. 
"No âmbito criminal, configura hipótese típica de modulação temporal ope legis a norma que não admite revisão criminal da sentença absolutória (art. 621 do CPP), bem como inibe o agravamento da pena, em caso de procedência da revisão (art. 626, parágrafo único, do CPP). Isso significa que, declarada inconstitucional e excluída do ordenamento jurídico uma norma que tenha sido aplicada em benefício do acusado em sentença criminal transitada em julgado, há empecilho legal à eficácia executiva ex tunc dessa declaração, por falta de instrumentação processual para tanto indispensável", posicionou-se o ministro relator. 
Teori Zavascki reconheceu a existência de repercussão geral da questão e foi contrário à relativização automática da coisa julgada. "Sobrevindo decisão em ação de controle concentrado, declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma que lhes serviu de suporte, nem por isso se opera a automática rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente", afirmou.
E foi claro em relação à sua posição no seguinte trecho do voto:
"Pode ocorrer e, no caso, isso ocorreu, que, quando do advento da decisão do STF na ação de controle concentrado, declarando a inconstitucionalidade, já tenham transcorrido mais de dois anos desde o trânsito em julgado da sentença em contrário, proferida em demanda concreta. Em tal ocorrendo, o esgotamento do prazo decadencial inviabiliza a própria ação rescisória, ficando referida sentença, consequentemente, insuscetível de ser rescindida por efeito da decisão em controle concentrado. Imunidades dessa espécie são decorrência natural da já mencionada irretroatividade do efeito vinculante (e, portanto, da eficácia executiva) das decisões em controle concentrado de constitucionalidade. Há, aqui, uma espécie de modulação temporal ope legis dessas decisões, que ocorre não apenas em relação a sentenças anteriores revestidas por trânsito em julgado há mais de dois anos, mas também em às demais situações em que o próprio ordenamento jurídico impede ou impõe restrições à revisão, qualquer que seja o motivo, de atos jurídicos ou sentenças já definitivamente consolidados no passado. São impedimentos ou restrições dessa natureza, v.g., a prescrição, a decadência e a coisa julgada. Isso significa que, embora formados com base em preceito normativo declarado inconstitucional (e, portanto, excluído do ordenamento jurídico), certos atos pretéritos sejam públicos, sejam privados não ficam sujeitos aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade porque a prescrição, a decadência ou a coisa julgada inibem a providência extrajudicial (v.g., o lançamento fiscal) ou o ajuizamento da ação própria (v.g., ação constitutiva, executiva ou rescisória) indispensável para efetivar o seu ajustamento à superveniente decisão do STF".
Mas ele, logo em seguida, já adiantou: "Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto, tema de que aqui não se cogita."
Eterna esperança
A posição é relevante para uma batalha travada há anos pelos escritórios de advocacia: a do cumprimento de decisões transitadas em julgado que autorizaram o levantamento de depósitos judiciais nas disputas sobre se as bancas deveriam ou não recolher a Cofins.

"Embora a origem do caso concreto seja divergente da questão da Cofins das sociedades civis, o ponto central que será avaliado e definido pelo STF é a análise da viabilidade de determinado julgamento de controle de constitucionalidade retroagir para atingir situações concretas resolvidas definitivamente e sob proteção da coisa julgada", lembra o advogado ​Fernando Gomes de Souza e Silva, do escritório Bichara Advogados. 
A Lei Complementar 70/1991, que instituiu a contribuição, isentou as sociedades civis de profissões regulamentadas da obrigação de pagá-la. Em 1996, veio a Lei 9.430, revogou a isenção e instituiu a cobrança, mas essa norma foi considerada ilegal pela Justiça durante anos, a ponto de o Superior Tribunal de Justiça sumular a questão, dizendo que uma lei ordinária não poderia revogar uma lei complementar. Mais tarde, no entanto, o Supremo reconheceu a constitucionalidade da lei, mas não modulou sua decisão, o que pegou os prestadores de serviço de surpresa. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional passou a cobrar os valores não pagos retroativamente e entrar com embargos nas execuções de decisões favoráveis aos contribuintes.  
Em 2013, a questão voltou a levantar polêmica. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve sentença que impediu o Fisco de cobrar Cofins de um escritório de advocacia com base em norma da PGFN. Para a corte, o Parecer 492 do órgão, que orienta a atuação dos procuradores nos casos que discutem tributos já declarados constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, sujeita a coisa julgada ao ato administrativo e, dessa forma, viola o princípio da separação de Poderes e atenta contra a segurança jurídica do país.
Fim de papo
Apesar de ter reconhecido a repercussão geral da discussão sobre a relativização da coisa julgada, na decisão da última sexta, quanto ao mérito do recurso extraordinário, o ministro Teori votou por rejeitar o recurso com base na jurisprudência do próprio Supremo, como destacou: "Malgrado o Supremo Tribunal Federal tenha se manifestado, por duas vezes, quanto à inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizam o pagamento das benfeitorias úteis e necessárias fora da regra do precatório (ADIn 1.187-MC, 09.02.1995, Ilmar; RE 247.866, Ilmar, RTJ 176/976), a decisão recorrida, exarada em processo de execução, tem por fundamento a fidelidade devida à sentença proferida na ação de desapropriação, que está protegida pela coisa julgada a respeito. (RE 431.014-AgR, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJe de 25-05-2007)".  

Debate aberto
Em 2012, em entrevista concedida à ConJur logo após tomar posse como ministro do Supremo, Teori esclareceu que a relativização da coisa julgada só é admitida em caso de execução de sentença transitada em julgado para efeitos futuros. "Só faz sentido se falar em relativização nesta fase. Há um mito em torno disso. A discussão começou na época da inflação galopante. Algumas ações demoravam tanto a terminar que, quando o cidadão executava a sentença, o valor da indenização que teria de receber era pífio. Nesses casos, o princípio da coisa julgada comprometia a justa indenização, que é outro princípio constitucional importante. É com base no choque destes que o Supremo decidiu, há tempos, que se deveria privilegiar a justa indenização. O entendimento milita também em favor da Fazenda Nacional. Já julguei casos de desapropriação de imóvel rural para reforma agrária cujo hectare valia 15 vezes menos do que havia sido avaliado na decisão. É justo pagar essa indenização superfaturada em nome da coisa julgada? Não acredito. Mas toda a discussão seria resolvida com uma relativização do prazo de dois anos para propor ação rescisória em casos especiais", opinou. 

Ministro Gilmar Mendes em sessão plenária 29/02/2012 [Carlos Humberto/SCO/STF]
Demais ministros do Supremo também já demonstraram suas posições a respeito. Gilmar Mendes (foto) e Ricardo Lewandowski estão entre os que aprovam a tese. "No Direito alemão existe uma previsão, que nós incorporamos de certa forma, de que, na execução, se possa alegar que o juiz se baseou em uma lei inconstitucional para lavrar a sentença", explicou Gilmar Mendes em entrevista ao Anuário da Justiça, em 2011.  "Se já havia uma declaração de inconstitucionalidade da lei ou ela veio a ser declarada inconstitucional, por que esperar uma Ação Rescisória?", questionou.

Ricardo Lewandowski - 24/1/2014 [Fellipe Sampaio/SCO/STF]
"A coisa julgada não pode ser encarada como um valor absoluto, pois às vezes deriva de decisões teratológicas ou encontra fundamento em falhas ou fraudes grosseiras, podendo sua implementação gerar graves prejuízos ao erário público ou ao patrimônio jurídico de particulares", alertou o ministro Ricardo Lewandowski (foto) também ao Anuário

Ministro Luiz Fux no julgamento de Battisti - 8/6/2011 [Foto: Carlos Humberto - SCO/STF]
Opiniões diametralmente opostas têm os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio e Luiz Fux (foto). "A coisa julgada não tem compromisso nem com a justiça, nem com a verdade. Seu compromisso é com a pacificação, estabilidade e segurança sociais, em um dado momento em que é preciso ter a palavra definitiva", afirmou Fux ao Anuário, na época recém-engresso da corte que decidira pela isenção da Cofins para os escritórios, o STJ. Além disso, segundo ele, não há fundamento científico para a relativização. "A tese é absurda se aplicada no sentido da definição de direitos."

Celso de Mello - 19/09/2013 [Nelson Jr./SCO/STF]
Celso de Mello (foto) considerou a coisa julgada garantia do direito fundamental à segurança jurídica. "Sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impungação, que é a Ação Rescisória", lembrou, "ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional".

Porém, o ministro seguiu o entedimento contrário da maioria da corte ao decidir pela relativização em um caso envolvendo o reconhecimento de paternidade por meio de teste de DNA. Em 2011, como noticiou a ConJur, o Supremo admitiu a reabertura de uma ação na qual não se conseguiu provar a paternidade de uma criança porque a mãe não tinha dinheiro para custear o teste . A decisão foi tomada por sete votos a dois. O relator do processo, ministro Dias Toffoli, decidiu que a chamada coisa julgada não pode prevalecer sobre o direito de uma pessoa de conhecer suas origens. De acordo com o relator, a Justiça deve privilegiar “o direito indisponível à busca da verdade real, no contexto de se conferir preeminência ao direito geral da personalidade”.
Celso de Mello, apesar de discordar da tese, adotou o entendimento da maioria no julgamento do Recurso Extraordinário 649.154, em respeito ao princípio da colegialidade. “A desconsideração da autoridade da coisa julgada mostra-se apta a provocar consequências altamente lesivas à estabilidade das relações intersubjetivas, à exigência de certeza e de segurança jurídicas e à preservação do equilíbrio social”, ressalvou.
Ministro Marco Aurélio vota a favor do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - 26/10/2011 [Fellipe Sampaio/SCO/STF]
Para o ministro Marco Aurélio (foto), é preciso lembrar que é a Constituição Federal quem dá maior valor à segurança jurídica. "Se formos ao rol de garantias constitucionais, veremos que a lei não pode menosprezar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", disse ao Anuário

No entanto, na opinião do ministro Luiz Fux, possíveis erros numéricos da decisão não entram na imutabilidade dos julgados. "Se há um erro de cálculo que leva uma indenização a um valor absurdo, é preciso corrigi-lo, e isso não é relativizar a coisa julgada. É corrigir um equívoco", avisa.
Luís Inácio Adams, advogado-geral da União, discorda. “[A relativização] é um instrumento que, se bem aplicado, evita situações absurdas.” Ele citou o exemplo de uma decisão judicial que declara a isenção ou imunidade fiscal de uma empresa. O Supremo, após julgar uma ação em que foi reconhecida a repercussão geral, emite uma Súmula Vinculante, dizendo que as empresas do setor não têm imunidade. Na opinião de Adams, manter a isenção para a empresa que tem uma decisão favorável transitada em julgado vai fazer com que ela esteja em uma situação privilegiada em relação às concorrentes no que diz respeito à matéria tributária.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico

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