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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Conheça a verdade que foi ocultada dos cidadãos. Relatório da Comissão da Verdade propõe mudanças em polícia, leis e prisões.

Protesto no STF em Brasília, em 2012 | Foto: José Cruz/ABr
O julgamento de torturadores foi a única recomendação que não teve unanimidade na Comissão da Verdade
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) não olhou apenas para o passado. O documento destaca a herança do regime militar (1964-1985) na continuidade da violência do Estado hoje, como por exemplo a prática de tortura em instalações policiais, e recomenda uma série de ações para mudar esse quadro.
Das 29 recomendações finais do relatório, que tem cerca de 4,4 mil páginas, 12 tratam diretamente de mudanças no funcionamento da polícia, na legislação penal ou no sistema carcerário.
Entre elas, está a reforma e desmilitarização das polícias, criação de ouvidorias externas no sistema penitenciário e a desvinculação dos institutos médicos legais e dos órgãos de perícia criminal das secretarias de segurança pública e das polícias civis.
A CNV recomenda também mudar a legislação para eliminar a possibilidade de agentes públicos registrarem mortes como "auto de resistência à prisão". Esse mecanismo criado na ditadura militar tem sido alvo de críticas por permitir que policiais registrem mortes supostamente ocorridas em conflitos, mas que muitas vezes se tratam de execuções.
Outra sugestão da comissão é a introdução da audiência de custódia – apresentação do preso detido em fragrante a uma autoridade judicial em até 24 horas – com objetivo de prevenir a tortura e a prisão ilegal.
O relatório diz que "embora não ocorra mais em um contexto de repressão política – como ocorreu na ditadura militar –, a prática de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e mesmo ocultação de cadáveres não é estranha à realidade brasileira contemporânea".
O documento atribui a continuidade desses abusos à falta de punição aos crimes cometidos durante a ditadura, como tortura e assassinatos de opositores ao regime. A CNV identifica em seu relatório 377 autores de graves violações de direitos humanos e pede que os vivos – cerca de 200 – sejam levados à julgamento.
Esta foi a única recomendação em que não houve unanimidade entre os seis membros da comissão. Ficou registrada a oposição do jurista José Paulo Cavalcanti Filho à opinião dos demais integrantes, que consideraram que a Lei da Anistia – que, em 1979, perdoou crimes cometidos por agentes da ditadura e opositores do regime – é "incompatível com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional".

STF e Congresso

Enquanto a revisão da Lei da Anistia deve ser avaliada pelo Supremo Tribunal Federal, outras recomendações dependem da aprovação pelo Congresso Nacional.
O diretor para a América Latina da Open Society Foundations, Pedro Abramovay, destaca a importância da recomendação da CNV pedindo o fim dos autos de resistência. Atualmente, há um projeto de lei pronto para ser votado pelo Congresso eliminando esse mecanismo. O PL 4471/2012 já passou pelas comissões de Constituição e Justiça e de Segurança Pública e pode ser levado a plenário.
Caso seja aprovado, lesões e mortes decorrentes das ações policiais não poderão mais serem justificadas por meio do auto de resistência. Pelo projeto, sempre que a ação resultar em lesão corporal ou morte, deverá ser instaurado um inquérito para apurar o fato, e o autor poderá ser preso em flagrante.
"Hoje o Estado brasileiro mata mais do que matava na época da ditadura. A situação atual permite que se passe uma borracha nesses casos", afirma Abramovay, que foi Secretário Nacional de Justiça em 2010, no governo Lula.
Segundo ele, aprovar o projeto de lei é fazer a ponte entre o trabalho na Comissão da Verdade, de apurar as mortes provocadas no passado, e o futuro, impedindo que o Estado continue "matando impunemente como tem feito atualmente".
Também tramita no Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional para desmilitarizar as polícias estaduais. O coordenador do Programa de Justiça da ONG Conectas, Rafael Custódio, considera que a recomendação da CNV é um fato político importante para este debate. No período em que a comissão recebeu sugestões externas para seu relatório final, a Conectas enviou sete propostas de recomendações. Todas constam no relatório final.
"Das sugestões que fizemos, a mais importante é a reforma da polícia. A ideia que está por trás das forças militares hoje é muito calcada naquela ideologia militar que via no cidadão brasileiro um potencial inimigo, um potencial subversor da ordem e que, portanto, precisa ser eliminado", ressaltou.
Protesto em São Paulo, em 2012 | Foto: ABr
CNV quer que Forças Armadas reconheçam responsabilidade por mortes durante a ditadura

Mortos

A CNV abre sua lista de recomendações pedindo também que as Forças Armadas reconheçam "sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar".
No relatório, o órgão sustenta que os crimes praticados pelo regime militar foram resultados de uma "ação generalizada e sistemática do Estado brasileiro", de conhecimento dos presidentes do período, refutando a tese de que se trataram de atos isolados.
O documento confirma 434 vítimas fatais do regime militar, sendo 191 mortos, 210 que continuam desaparecidos e 33 cujos corpos tiveram seu paradeiro posteriormente localizado. Apenas um foi encontrado durante os trabalhos da CNV.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade é resultado de dois anos e sete meses de trabalho. O órgão foi criado para investigar graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, mas o foco principal eram os delitos da ditadura militar.
A sugestão 26 do documento é que seja estabelecido um "órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV".

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