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sábado, 13 de dezembro de 2014

Crimes contra a humanidade foram "sistemáticos", diz Comissão da Verdade

DITADURA


Relatório aponta 377 pessoas que teriam cometido graves violações aos direitos humanos


Comissão Nacional da Verdade determinou, em relatório final divulgado nesta quarta-feira (10), que 377 pessoas são responsáveis pelas graves violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. O trabalho do grupo incluiu dentre os culpados pelas mortes, torturas, desaparecimentos forçados, ocultações de cadáveres e prisões arbitrárias os cinco generais que presidiram o país durante o regime, ministros, além de outros militares e policiais diretamente envolvidos na repressão política.
No documento, entregue nesta manhã no Palácio do Planalto à presidente Dilma Rousseff (que foi presa e torturada pelos militares), os seis comissários afirmam que as práticas foram "crimes contra a humanidade" e fizeram parte de uma política sistemática, que funcionou durante os 21 anos de ditadura.
Pátria Armada Brasil
Leia as reportagens da série Pátria Armada Brasil - produzida pela Gazeta do Povo - , sobre os 50 anos do golpe de 1964, clicando aqui.
Dilma chora na entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade
Comissão Nacional da Verdade (CNV) entregou na manhã desta quarta-feira à presidente Dilma Rousseff o relatório fruto de dois anos e meio de trabalho. A presidente, que foi perseguida e torturada durante a ditadura militar, negou que o conhecimento da verdade sobre os fatos do período signifique revanchismo ou acerto de contas. No discurso que fez durante a cerimônia de entrega do relatório no Palácio do Planalto, com a presença dos integrantes da comissão e de vários ministros, Dilma chorou, momento em que foi bastante aplaudida.
Familiares de militantes políticos criticam declarações de Dilma
Familiares de ex-perseguidos e desaparecidos políticos presentes na solenidade de entrega do relatório da Comissão Nacional da Verdade(CNV) no Palácio do Planalto ficaram incomodados com as declarações da presidente Dilma Rousseff. Na cerimônia, ela disse que é preciso valorizar pactos políticos que assegurou a democracia — uma referência à Lei de Anistia — e fez uma defesa da reconciliação entre as partes envolvidas.
O jornalista Pedro Pomar, filho do militante político Wladimir Pomar, estava na reunião e abordou a presidente, no final da cerimônia, sobre o assunto. "Disse à presidente que nós, familiares, queremos a punição dos responsáveis e a revisão da Lei de Anistia. E que seja cumprida a determinação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que também diz isso. A Lei de Anistia foi imposta pela ditadura. Não houve um pacto. A presidente me disse que iria avaliar o assunto com o governo", disse Pedro Pomar.
Maria Eliana de Castro Pinheiro, irmã de Antônio Teodoro de Castro, o "Raul", guerrilheiro do PCdoB que é um desaparecido político, também criticou a posição da presidente. "Fiquei decepcionada. O discurso da presidente Dilma ia bem, numa linha boa. Aí, apareceram duas palavrinhas que estragaram tudo: reconciliação e pacto com os militares. Não dá", disse Maria Eliana.
Após a solenidade, integrantes da CNV minimizaram o discurso da presidente. "Ela não tem se referido a esse problema concretamente. Ela tem dito isso de uma forma genérica. Eu acho que ela deixa essa questão conosco, com o movimento social, o Poder Judiciário, com os operadores da Justiça, que é onde essa questão deve ser decidida, e não na Presidência da República. O Executivo terá recomendações, mas que serão de outra natureza, como a democratização das Forças Armadas através da imposição de cursos de direitos humanos", afirmou a advogada Rosa Cardoso, integrante da CNV.
Essa conclusão contraria o argumento, usado pelas Forças Armadas desde os anos 1960 e refletido em parte da historiografia sobre o tema, de que os abusos eram marginais e obra de um grupo pequeno de radicais. "Na ditadura militar, a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da presidência da República e dos ministérios militares. Operacionalizada através de cadeias de comando que, partindo dessas instâncias dirigentes, alcançaram os órgãos responsáveis pelas instalações e pelos procedimentos diretamente implicados na atividade repressiva, essa política de Estado mobilizou agentes públicos para a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e tortura, que se abateu sobre milhares de brasileiros, e para o cometimento de desaparecimentos forçados, execuções e ocultação de cadáveres", diz o documento.
O trabalho da comissão também vai ampliar a lista de mortos e desaparecidos políticos para 434 vítimas, 73 nomes a mais do que o último levantamento realizado pelo Estado, em 2007. Mas a apuração que termina agora levou em conta o período que vai de 1946 a 1988, conforme o previsto na lei que criou a comissão, e não o período da última ditadura, entre 1964 e 1985.
O relatório, resultado de dois anos e sete meses de trabalho, é a maior sistematização já feita pelo Estado brasileiro de relatos e apurações sobre violações aos direitos humanos na ditadura. Com status de primeira narrativa oficial do período, as conclusões e recomendações do relatório, apesar de não terem poder executivo, podem agora levar a novas ações de responsabilização de militares, pressionar por mudanças na cultura das Forças Armadas e pautar o debate de políticas públicas de segurança (veja lista abaixo).
Para a comissão, a Lei da Anistia, instrumento crucial para a redemocratização do país e em vigor desde 1979, não deve ser um empecilho para se julgar os responsáveis pelos crimes já que alguns deles, como o desaparecimento de uma pessoa nunca encontrada, são delitos continuados, portanto fora do alcance da anistia.
O grupo evitou fazer qualquer consideração sobre a extinção da lei, dando força a um argumento já utilizado por integrantes do Ministério Público Federal, e que aos poucos vem sendo aceito por juízes de
primeiro e segundo grau: o de que a norma não é obstáculo para julgar militares acusados de crimes de lesa humanidade como tortura e execuções, segundo tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O fato de as mesmas violações perpetradas pelo regime militar continuarem ocorrendo hoje em dia no país, dizem os membros do grupo, é em grande parte resultado "do fato de que o cometimento de graves
violações de direitos humanos verificado no passado não foi adequadamente denunciado, nem seus autores responsabilizados, criando-se as condições para sua perpetuação."

O trabalho deve ser usado pelo Ministério Público Federal em novas ações judiciais contra acusados de crimes na ditadura. Atualmente, dez ações tramitam na Justiça contra 24 réus.
O trabalho
Marcada por desentendimentos internos e resistência e críticas de militares, a Comissão Nacional da Verdade considera o seu maior feito a sistematização da cadeia de comando da ditadura. Além dessa sistematização, ela conseguiu uma série de feitos específicos, como elucidar as circunstâncias da morte do ex-deputado Rubens Paiva, um dos episódios mais emblemáticos do período.
Mas falhou no que era a maior prioridade dos comissários no início dos trabalhos, em maio de 2012: a busca pelos mortos e desaparecidos da ditadura. Desde o início dos trabalhos, apenas um militante, que estava enterrado como indigente num cemitério de Brasília, fora identificado.
Uma das recomendações do relatório é justamente para que o governo crie um órgão permanente, que possa continuar as apurações e negociar a execução das recomendações.
Para generais, Comissão da Verdade cometeu 'injustiça'
Generais da ativa e da reserva consultados nesta quarta-feira (10) foram unânimes em repudiar o trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional da Verdade. O principal argumento é o de que o grupo cometeu uma imensa injustiça. A avaliação é a de que as conclusões do trabalho foram duras e desproporcionais, contaminadas pelo viés ideológico e em que se acusam injustamente mortos que não podem se defender. Para essas fontes, os estragos ainda estão sendo contabilizados e o momento é de controle dos danos. A ideia é, primeiro, fazer avaliação do que aconteceu e uma leitura atenta do relatório para depois começar a articular ações judiciais de indenização moral por acusações, segundo eles, sem provas.
Um dos generais da ativa ironizou a conclusão do relatório da Comissão da Verdade que considerou "até certo ponto, muito positivo", no ponto em que a CNV responsabiliza a cadeia de comando pelos crimes cometidos durante o regime militar, e o Palácio do Planalto endossa a tese. No relatório, lembrou o general, a Comissão acaba por defender a tese do "domínio do fato", defendida pelo então relator do mensalão, no Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que foi tão criticada pelo governo, que sempre disse desconhecer que qualquer irregularidade estivesse sendo cometida. Para ele, isso significa, então, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff podem ser responsabilizados pelo mensalão e pelos desvios da Petrobras, seguindo o mesmo raciocínio usado para acusar os comandantes militares.
O ex-ministro do Exército general Leonidas Pires Gonçalves, 93 anos, que foi responsabilizado por ter sido chefe do Estado-Maior do I Exército de 1974 a 1976, a quem era vinculada a chefia do Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), classificou como "hipocrisia" e uma "injustiça" a inclusão do seu nome nesta lista. "Eu já desafiei e desafio de novo que alguém tenha sido torturado neste período em que o DOI CODI estava sob minha responsabilidade. Este comportamento não é ético", declarou o general Leonidas. "O problema é que quem está no poder cria a sua verdade, que normalmente não é a verdade verdadeira e se nós fôssemos criar uma Comissão da Verdade, com certeza a história seria outra", comentou.
"Não se trata de defender quem violou direitos humanos. Também não aceitamos isso. Mas a comissão precisava tratar os dois lados de forma imparcial porque, do nosso lado, também houve mortos e direitos humanos é para todo mundo", disse o presidente do Clube Militar, general da reserva Gilberto Pimentel, que fala em nome do pessoal da ativa, que não pode dar declarações. "Ao enumerar 400 pessoas na lista, eles perdem a credibilidade porque conheço muita gente que está lista e não tem nada com isso", desabafou ele. O general Pimentel repudiou ainda a proposta de revogar a lei de anistia. "Isso é inaceitável", declarou.
O relatório também serviu para acirrar os ânimos nas Forças Armadas. Houve muitas críticas ao atual comandante do Exército, general Enzo Peri, que, segundo militares, deveria ter assumido a postura de líder e se posicionado antes da publicação do relatório, condenando o que já se apresentava. A postura serviria como uma resposta para o público interno, que está se sentindo "aviltado" com as acusações. Agora, acreditam que perdeu-se a oportunidade e que qualquer manifestação posterior não terá mesmo efeito, já que teria uma postura defensiva e de reação a uma ação. Esta decepção não significa que poderá ocorrer qualquer tipo de quebra de hierarquia. Neste momento, a unidade em torno do comandante é considerada fundamental. Há apenas uma avaliação de que se perdeu a oportunidade de responder aos "ataques inverídicos", sob a alegação de que cada militar está se sentindo atingido.
Chefe da ONU elogia trabalho da Comissão Nacional da Verdade
O secretário-geral da Organização das Nações UnidasBan Ki-moon, elogiou o trabalho desenvolvido pelos membros da Comissão Nacional da Verdade no Brasil nesta quarta-feira, quando foi apresentado o relatório final das investigações sobre as violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, principalmente durante a ditadura militar.
"As Nações Unidas encorajam e apoiam esforços em todo o mundo para desvendar os fatos que envolvem grandes violações dos direitos humanos", afirmou Ban em mensagem aos membros da Comissão Nacional da Verdade, de acordo com a página da ONU Brasil na Internet. "Informar a sociedade e estimular o diálogo sobre as liberdades fundamentais, e como estas foram violadas, é uma salvaguarda vital contra a recorrência de abusos... todas as vítimas têm o direito de saber a verdade sobre as violações que sofreram." Na cerimônia de entrega do relatório de três volumes nesta quarta-feira em Brasília, a presidente Dilma Rousseff, ex-prisioneira política, se emocionou e disse que o país devia isso às gerações que sofreram as terríveis consequências da ditadura militar.
Na mensagem, Ban manifestou solidariedade àqueles que sofreram como resultado das "brutais e sistemáticas violações dos direitos humanos" e convocou a todos os envolvidos a divulgar as descobertas e as recomendações do relatório da forma mais extensa possível."As Nações Unidas estão ao lado de todos os brasileiros na lembrança de suas perdas, nos seus esforços para fortalecer a proteção dos direitos humanos e na promoção da reconciliação nacional", acrescentou Ban.

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