AÇÃO NAUFRAGADA
O primeiro parágrafo da lei que define o crime de organização criminosa (Lei 12.850/2013) é claro: trata-se da associação de quatro ou mais pessoas para cometer infrações penais. No entanto, o Ministério Público Federal, em uma das ações penais decorrentes da chamada operação oversea, decidiu denunciar um grupo de três réus pelo crime de organização criminosa. Esse foi um dos erros que fez naufragar a ação. Por fragilidade de provas e falta de correspondência entre os fatos atribuídos aos réus e o delito apontado, a 5ª Vara Federal de Santos absolveu o trio.
Deflagrada no último dia 31 de março, a operação da Polícia Federal pretende repreender o narcotráfico internacional, resultou em diversas apreensões de cocaína, no Brasil e no exterior, que totalizaram 3,7 toneladas.
Segundo a PF, a quadrilha enviava cocaína boliviana para Cuba e países europeus e africanos, utilizando-se do Porto de Santos. Para isso, a droga era colocada em contêineres com os mais variados tipos de carga, que depois eram embarcados em navios.
A complexidade da investigação e o elevado número de réus motivou o MPF a dividir a rede criminosa em núcleos, conforme a participação dos acusados. No caso específico de A.R.B., J.A.C. e J.C.C, eles integravam a “Célula B” e foram denunciados por organização criminosa.
Com prisão preventiva decretada e sujeitos a pena de três a oito anos de reclusão, se fossem condenados, estes réus, conforme o MPF, fariam parte de uma “rede internacional voltada à narcotraficância, tráfico de armas e à lavagem de dinheiro”, que atuaria como grande distribuidora de cocaína, principalmente para a Europa.
Porém, o juiz federal Roberto Lemos dos Santos Filho acolheu a tese da defesa e absolveu o trio por não se constituir crime o fato narrado pelo MPF. Ele assinalou que eventual condenação, além da comprovação do alegado pela acusação, também exigiria o amoldamento da conduta dos réus à “descrição abstrata da lei penal”. Segundo o juiz federal, além de a denúncia do MPF não preencher o requisito numérico, não foi produzida prova das atividades que cada réu exerceria no contexto do suposto bando.
Mesmo assim, MPF requereu a condenação do trio, sustentando que ele atuaria com réus de outros processos relacionados à Operação Oversea. No entanto, Roberto Lemos observou que não houve a indicação nominal de tais pessoas, deixando de se comprovar os requisitos relativos à ordenação estrutural e à divisão de tarefas.
Acusações rebatidas
O advogado João Manoel Armôa, que defende J.C.C., e rebateu a denúncia dos procuradores da República Thiago Lacerda Nobre, Antonio Morimoto Júnior, Thaméa Danelon Valiengo e Anamara Osório Silva, segundo os quais o réu foi até a Espanha monitorar uma remessa de 140 kg de cocaína.
Autoridades espanholas apreenderam a droga no Porto de Las Palmas, em 9 de dezembro de 2013, escondida dentro de um carregamento de açúcar. A PF vinculou J.C.C. ao entorpecente por meio de cinco mensagens de texto enviadas por celular que ele teria trocado com outro acusado. Uma das mensagens apontadas pela polícia fala de um depósito de R$ 500 pela remessa da droga. “Ora, tal valor não cobre nem mesmo as despesas de deslocamento. O acusado estaria em prejuízo financeiro”, afirma Armôa.
O advogado salientou que não ficou demonstrada qualquer movimentação financeira incompatível na conta do cliente, que teve a casa vistoriada quando foi preso e nela nada de ilícito foi achado. Quanto aos aspectos jurídicos, Armôa frisou que a denúncia não preencheu os requisitos previstos no delito de organização criminosa.
A falta de relação entre a suposta conduta dos réus com o crime que lhes foi atribuído motivou Armôa a citar decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ao trancar uma ação penal: “Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Direito”.
Eduardo Velozo Fuccia é jornalista.
Revista Consultor Jurídico
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