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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Um outro ponto de partida para a defesa dos direitos humanos


"Não é na lei o único nem o principal lugar de onde os direitos humanos devem procurar os seus fundamentos legitimadores. Se essa fosse a sua garantia, as/os pobres já não seriam mais vítimas de violação desses direitos, pois o que não faltam são leis prevendo proteção para eles", escreve Jacques Távora Alfonsin, advogado, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Eis o artigo.
Dois eventos recentemente programados sobre direitos humanos, por iniciativa acadêmica, voltaram a estudar e debater as medidas indispensáveis para enfrentar a permanente crise sob a qual vivem as garantias devidas aos direitos humanos, especialmente os fundamentais sociais do tipo, por exemplo, alimentação, moradia, educação  e saúde.
O primeiro reuniu-se em Belo Horizonte, na Escola Dom Helder Câmara, nos dias 27 e 28 do último agosto, inspirado no tema “Os Direitos Humanos como um projeto de sociedade” e o segundo na PUC de São Paulo, dia 26 deste novembro, propondo estudo e crítica sobre  “Organismos Universitários de Prática e Advocacia em Direitos Humanos no Brasil”.  
Nesses dois encontros, as conhecidas desculpas oferecidas pelo Poder Público sobre a falta de efetividade das garantias devidas aos direitos humanos sociais, como as relativas aos “limites do possível”, ao “contingenciamento de verbas”, as pré condições do atendimento de qualquer demanda relacionada com esses direitos impostas pelo devido processo legal, levaram alguns/as das/os presentes a questionar se o poder de aplicação das leis deve prosseguir sendo o único ponto de partida para garanti-los.
Um método de investigação da realidade vivida por maiorias pobres na América Latina - justamente as mais conhecidas vítimas da violação de direitos humanos -  proposto pelo falecido Ignacio Ellacuria, jesuíta reitor da UCA (Universidade Centro Americana), assassinado em outubro de 1989  pela ditadura de El Salvador, foi então sugerido à crítica das/os participantes desses dois eventos como, talvez, um outro ponto de partida para a identificação das causas pelas quais garantir direitos sociais constitui, hoje, um dos maiores desafios a serem enfrentados pela humanidade.
Criticando Martin Heidegger, cuja filosofia parte da identificação do ente, do ser, Ellacuria propõe se busque outro ponto de partida, aquele do não ente, da não verdade, da não justiça, ou seja, da pessoa da/o pobre, da/o miserável, justamente o ponto de encontro das vítimas da ausência de garantias devidas aos direitos humanos sociais.
Assim, além de não se correr o risco de a defesa dos direitos humanos, em vez de efetivar as suas garantias, fortalecer uma conhecida falsificação da sua legitimidade, aquela preocupada em dosar os seus efeitos de acordo com as conveniências do capital, mantendo e até ampliando desigualdades sociais - como se uma segunda natureza imposta pelo mercado justifique ser respeitada -  ela viva em companhia das vítimas dessa mistificação, unida às suas reivindicações emancipatórias da injustiça social inerente a um sistema econômico-político dotado de poder superior ao do Estado.
Junto às vítimas das ameaças e violações dos direitos humanos, as não verdades e as não justiças desse sistema são desveladas ao ponto de criar na/o “não ente” pobre que ele cria e reproduz, a consciência crítica indispensável à defesa da sua dignidade e cidadania, não como uma hipótese mas sim como um dever próprio e coletivo. Agora ela/e passa a não mais considerar o seu estado de vida uma fatalidade, mas sim o resultado de uma realidade criada com a cumplicidade anterior, inconsciente, que contou com a sua própria participação, confiando em sua ignorância e conformismo.
Sob outro enfoque, Boaventura de Sousa Santos denuncia essa realidade em seu último livro “O direito dos oprimidos” como o efeito da dominação que uma “sociedade sujeito” impõe a uma “sociedade objeto” dando como exemplo a ordenação jurídica que as comunidades tradicionais das Américas foram obrigadas a obedecer, no passado, por imposição do interesse colonizador oriundo da Europa, fazendo de um direito completamente alheio às culturas nativas  a  “adequada” forma pela quial o povo daqui deveria se comportar.
Os méritos dos eventos de Belo Horizonte e de São Paulo alcançaram avaliação muito positiva, pelas conclusões das plenárias - as de Belo Horizonte vão ser reunidas em uma coletânea -  justamente convictas da urgência de a defesa dos direitos humanos, no Brasil e em toda a América Latina desvencilhar-se dos vícios à ela impostos, por uma história de direito marcadamente europeia, estranha ao nosso continente, aqui pousada como “águias rapaces” de acordo com a dura crítica que lhe fez o jurista gaúcho Ruy Cirne Lima em seu estudo sobre as terras devolutas.
Não há necessidade de um discernimento maior, portanto, para o Poder Público, a sociedade civil, os movimentos sociais de defesa dos direitos humanos se capacitarem de que não é na lei o único nem o principal lugar de onde os direitos humanos devem procurar os seus fundamentos legitimadores. Se essa fosse a sua garantia, as/os pobres já não seriam mais vítimas de violação desses direitos, pois o que não faltam são leis prevendo proteção para eles.  
É da justa rebeldia do povo pobre com a distância mantida entre as letras das leis e a efetividade das garantias nela previstas e não asseguradas o ponto de partida, hoje, da defesa dos direitos humanos, especialmente dos sociais. Um direito plural, achado na rua, constituinte, pode e deve ser um fator importante de emancipação do não ente, de transformação da sociedade objeto em sociedade sujeito, não para a geração de novas e opressoras ordens jurídicas de pura e simples dominação, mas sim para garantir que o poder-serviço devido a tudo o que ainda não é, mas deve e necessita ser, continue impedido pelo que já é.

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