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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Domador da Cavalaria da PM se dedica há 31 anos aos animais que cuidam da segurança

O encantador de cavalos, domador do Regimento de Cavalaria Alferes Tiradentes da PM, mostra os cuidados com os bichos
Arnaldo Viana - Estado de Minas
Apaixonado pelo que faz, militar conhece pelo nome os 350 equinos que integram o grupamento  (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Apaixonado pelo que faz, militar conhece pelo nome os 350 equinos que integram o grupamento
O homem caminha rente às cercas de dois pequenos currais, conversando com as visitas, e não percebe um focinho roçando levemente as suas costas. Alertado, ele se vira e se aproxima de Vênia, uma potra cor de caramelo, de 3 anos. Ela, agradecida pela atenção, pousa o pescoço suavemente sobre o ombro direito dele e é recompensada com afagos e beijos. No curral ao lado, Unção, uma potra cinza, de 4 anos, se aproxima da cerca visivelmente enciumada. O homem volta-se para ela e a potra, em vez de recebê-lo, se afasta um pouco, o olha de soslaio e recusa qualquer proposta de afeto. Como uma caprichosa adolescente, parecia dizer: "Agora, não quero mais". A cena se passa às 10h de quinta-feira, no Regimento de Cavalaria Alferes Tiradentes da Polícia Militar, na Rua Platina, Bairro Prado, Região Oeste de BH. O personagem central da curta demonstração de amor e carinho pode ser chamado de encantador de cavalos.

O nosso encantador não é o Tom Booker, personagem do romance de Nicholas Evans levado ao cinema com Robert Redford no papel e na direção. Não tem o apelo físico do ator norte-americano. Mede 1,62m, sua rígida musculatura isenta de gordura pesa apenas 56 quilos, mas tem a mesma competência de Booker no trato com os cavalos. Nosso encantador de cavalos é o sargento José Afonso Alves da Costa, de 55 anos, domador, treinador e adestrador da corporação. Aqueles cavalos e éguas vistosos, montados por homens fardados, trotando levemente pelas ruas da cidade, é ele quem cria e prepara para o serviço. Outros, garbosos, presentes em solenidades cívicas, também. Assim como os dóceis parceiros de crianças e adultos necessitados de terapias especiais no Centro de Equoterapia do regimento. É possível que os animais sejam os mesmos, pois são treinados para exercer múltiplas funções.

"Deus me mandou a este mundo para gostar de cavalos. Há os que apenas montam, os que os comercializam e os que os usam para trabalhar. Eu, não. Eu amo cavalos." Se alguém se arrisca e pergunta se José Afonso gosta mais de cavalos que de gente, ele pode até dizer sim. Mas é um apelo emocional, puxando para o lado dos animais, porque de gente o sargento também gosta. E não é pouco. "Tenho três filhos de meu casamento e criei outros dois que peguei na rua. Agora, estou criando outro." Os animais agradecem pelo privilégio da aparente preferência. Mas os meninos que vagavam sem rumo e sem família, e hoje se alimentam de dignidade e cidadania, também.

José Afonso chegou ao regimento no início dos anos 1980. Naquela época, a PM buscava os animais no Rio Grande do Sul. Eram da raça crioula, introduzida no continente pelos espanhóis e levada ao Sul do Brasil por padres jesuítas. Não era ainda a ideal para as necessidades da corporação, que resolveu apostar no cruzamento do cavalo hanoveriano, de origem alemã e bem aproveitado pelos ingleses, com a égua chucra brasileira e conseguiu um animal mais propício ao adestramento para exercer diversas tarefas. Desde então, o hoje sargento trabalha com esses animais na fazenda de reprodução da PM em Florestal, município da Grande BH.

"Nesse período, foram 600 animais reproduzidos e apenas cinco ou seis não são filhos meus, pois os considero meus filhos." Uma das histórias que mais emocionam José Afonso ocorreu ainda nos tempos da raça crioula. Na viagem do Sul do país para BH, o motorista do caminhão fez uma manobra brusca. A égua empinou, caiu de costas e bateu com a cabeça na madeira da carroceria. O golpe a deixou cega dos dois olhos. "Mas não a perdi. Ficou um ano na baia. Tratei-a com cuidado, ela se refez do trauma e consegui treiná-la. Chamava-se Kit. Durante bom tempo ela trabalhou no policiamento do Centro de BH. Nunca errou caminho, tropeçou ou atropelou alguém. Mas só eu podia montá-la". Kit morreu de velhice.

O dom de José Afonso para lidar com a índole de cavalos é natural, mas aprimorou-se em cursos na Federação Mineira de Hipismo. Tem em casa cerca de 200 estatuetas conquistadas em competições. Sua principal técnica é a paciência. "Insistência gera estresse. É preciso calma, saber esperar o momento certo de abordar o cavalo." Ele aprendeu muito observando hábitos e reações dos animais. Uma das lições veio de uma égua chamada Orquestra, no centro de reprodução da fazenda da PM, num período em que havia 30 potras prenhes, entre elas Passarela, a primeira a dar cria.

As demais avançaram sobre o recém-nascido para afastá-lo da mãe. "É um comportamento natural, de competição. E se a cria pega o cheiro das outras potras, passa a ser rejeitada pela mãe. O tumulto chamou a atenção de Orquestra, que considerávamos veterana, pois havia passado por dois partos. Ela interveio e impediu, com coices e relinchos, que levassem a cria da acuada Passarela. Uma demonstração de solidariedade."

Forjado na natureza A interatividade de José Afonso com os cavalos começou cedo, em Teófilo Otoni, Vale do Mucuri. Ele nasceu na pequena fazenda do pai e aos 3 anos já cavalgava. Gostava tanto que começou a estudar os hábitos dos animais e a decodificar jeitos e trejeitos. Quando ganhou corpo, começou a domá-los e a adestrá-los, comunicando-se apenas com gestos, olhares e palavras, numa época em que os peões do sertão mineiro ainda "amansavam" cavalos na ponta do chicote e espetando-os com as pontas das esporas.

José Afonso levava uma feliz vida no campo até a chegada de um cabo da PM, que havia se casado com uma prima dele. O militar o convenceu a deixar a fazenda e a "sentar praça", termo usado antigamente nos vales do Jequitinhonha e Mucuri para se referir a quem se engajava nas forças armadas ou em corporações policiais fardadas. O vaqueiro relutou. Gostava de viver entre cavalos.

A insistência foi tanta que ele, aos 21 anos, se inscreveu e ganhou um posto de soldado no 6º Batalhão da PM em Governador Valadares, Vale do Rio Doce. Mas havia cavalos em seu caminho. Quando José Afonso soube de um regimento de cavalaria em Belo Horizonte, pediu ao marido da prima ajuda para conseguir transferência. E deu certo. Chegou e tomou conta da tropa montada.

Ele treina cavalos e cavaleiros. Sabe de cor o nome de cada um dos cerca de 350 animais a serviço da corporação no estado (mais da metade na Grande BH) e daqueles ainda em treinamento para o serviço. Uma das estrelas da companhia é Orfeu, alazão de 15 anos, exímio saltador, eficiente no policiamento e melhor ainda quando atua na dispersão de distúrbios, como os violentos confrontos entre torcedores de futebol.

"Cavalo, para atuar em distúrbio, tem que ser corajoso." Essa característica não faz de Orfeu um animal violento. Pelo contrário. É tão dócil que, quando não está nas ruas, ajuda os pacientes, a maioria crianças, do Centro de Equoterapia do regimento, nas mãos do cabo Jorge Lourenço. O conhecimento do poder do cavalo em terapias diversas alimenta um sonho de José Afonso: abrir um centro de equitação para menores e jovens em situação de risco. "Estaríamos tirando muitos deles das drogas e do crime. Se aquele rapaz que atirou e matou colegas em um escola de Realengo, no Rio, tivesse passado por terapia com cavalos não teria feito aquilo."

Tratamento sobre a sela

Desde agosto de 2005, o Centro de Equoterapia do Regimento de Cavalaria Alferes Tiradentes (Cercat) atende pacientes com necessidades especiais. São pessoas que o auxiliar de coordenação da unidade, sargento José Nunes, de 40 anos, prefere chamar de praticantes. São 35 patologias, oferecidas por meio de um convênio com a Secretaria de Estado de Saúde (SES) e a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). A SES repassa recursos à Fhemig para a contratação, por concurso, de profissionais como psicólogos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos. "Mas a base do tratamento é o cavalo", diz Nunes. E são animais treinados pelo sargento José Afonso. O Cercat atende 115 praticantes por vez, a maioria crianças, em sessões de 40 minutos, e há 700 na fila de espera. "Já vi criança chegar aqui praticamente imóvel para, em dois meses, sentar-se sobre a sela. É o cavalo transformando vidas", diz José Afonso. E a esperança brilha nos olhos da dona de casa Joana Paula Evangelista, de 29, ao ver a filha, Júlia, de 6, que nasceu com paralisia cerebral, deitada sobre o dorso de uma égua, curtindo o trote sutil do animal, acompanhada da fisioterapeuta Camila Nunes. "Ela já evoluiu muito", diz a mãe da garota.

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