Em petição, os advogados questionaram o método, reiterando a preocupação de se evitar “um julgamento de exceção”. Os ministros Marco Aurélio de Mello e Ricardo Lewandowski também mantiveram posicionamento contrário ao sistema. Mas o presidente da corte, ministro Ayres Britto, reiterou a decisão colegiada. Para ministro-relator, Joaquim Barbosa, as críticas se deveram à intolerância contra ele que persiste, principalmente, em setores da imprensa.
Najla Passos
Brasília - Apesar dos protestos dos advogados e mesmo de alguns ministros, o polêmico voto fatiado prevaleceu como metodologia adotada no julgamento da ação penal 470, o mensalão. Proposto pelo ministro-relator, Joaquim Barbosa, o sistema propõe a divisão do julgamento em oito blocos, conforme consta na denúncia do Ministério Público Federal (MPF), mas em ordem alterada. Após a leitura do voto do relator sobre cada um deles, o revisor e os demais ministros decidem se os réus envolvidos são culpados ou inocentes. A chamada dosimetria da pena só é feita no final de todo o processo.
“Esta metodologia viola o princípio da reserva legal. Esta maneira que está sendo conduzido o julgamento é realmente prejudicial ao direito de defesa, porque tudo está sendo feito de uma forma tumultuada. Por isso é que nós queríamos que se estabelecesse o princípio normal, que é o relator, o revisor e depois cada ministro dar a sua decisão sobre cada um dos réus”, afirmou o advogado José Carlos Dias, defensor da ex-dirigente do Banco Rural, Kátia Rabello.
“Esta é a desvantagem de um julgamento único. No julgamento normal, se algo ocorre na primeira instância, você tem a possibilidade de recorrer à seguinte. Mas neste caso, não. É por isso que nós, da defesa, estamos trabalhando para que nada possa prejudicar os réus. Mas, infelizmente, esta não parece ser a predisposição do ministro-relator”, acrescentou o advogado Marthius Lobato, que representa o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato.
As respostas às angústias dos advogados, materializadas em uma petição escrita pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, só vieram após o final da sessão. Ayres Britto indeferiu o questionamento do método, alegando que a matéria estava vencida, já que havia sido votada pelo colegiado na última quinta. Rebateu as críticas de inconstitucionalidade e citou precedentes que, segundo ele, justificam a segmentação entre o juízo de condenação e a dosimetria da pena. “Não há incongruência na cisão entre veredito e sentença. O voto do relator não é a decisão do tribunal, mas uma proposta de decisão. A unidade do julgamento se expressa é na publicação do acórdão”, justificou.
O presidente negou que o voto do relator tenha sido antecipado para o Ministério Público Federal (MPF), conforme questionamento apresentado pelos advogados, na mesma petição. E solicitou ao ministro-relator que divulgasse a ordem de apresentação dos próximos blocos de votos, para que os advogados e demais interessados tomassem ciência.
Atendendo ao pedido, Barbosa, que esgotou nesta segunda (20) a leitura do terceiro bloco, disse que, após os demais ministros votarem, passará a leitura do quinto. Só depois retornará ao quarto. Na sequência, se pronunciará sobre o sexto, o sétimo e o oitavo para, no final, abordar o primeiro e o segundo. “Há uma lógica interna nisso. Como o terceiro trata da origem do dinheiro, passarei agora para o quinto, que enfrenta o mesmo tema”, esclareceu.
O ministro Marco Aurélio de Mello, que já havia manifestado sua discordância do método, reiterou as críticas em plenário e em entrevista à imprensa. “O ministro-relator poderia começar por qualquer bloco, desde que ele esgotasse o voto. Mas a partir do momento em que ele não o esgota, em que ele aborda apenas certas imputações, apenas certos acusados, aí fica no ar qual foi o critério estabelecido. E o prejuízo maior é para a instituição”, disse.
O revisor da ação, Ricardo Lewandowski, também reiterou o entendimento de que o voto fatiado agride o regimento interno da corte. Corrigindo o presidente da corte, afirmou que a separação entre juízo de culpabilidade e dosimetria da pena é usual na casa, mas reafirmou que o foto fatiado é uma novidade com a qual não concorda. “Ao meu ver, ofende o regimento, mas é matéria vencida. Não vou me opor”, declarou.
Julgamento de exceção
Na petição apresentada, os advogados fizeram severas críticas ao tribunal. “A vingar a metodologia proposta pelo eminente relator, teremos mais um fato excepcional e inaudito em nossa história judiciária, em que juízes votam pela condenação, sem dizer a quê e a quanto”, alegaram.
Eles se referiam ao fato de que a metodologia permitirá que o ministro Cezar Peluso, com aposentadoria confirmada para 3 de setembro, vote apenas em parte do julgamento. “Estabelecida essa distinção excepcional, ad hoc, entre veredito e sentença, tudo indica – a prevalecer o “fatiamento” – haverá um juiz apto a proferir o primeiro, mas não a segunda, o que, para nossa cultura jurídica, é verdadeira aberração”, continuaram.
Os advogados encerram o documento reiterando “preocupação com a realização de um julgamento de exceção”.
Intolerância da imprensa
Joaquim Barbosa atribuiu às críticas que tem recebido à intolerância racial que persiste no país, especialmente em alguns seguimentos da imprensa. “Há muita intolerância neste Brasil, e para alguns periódicos deste país, incomoda muito a minha presença aqui neste tribunal. Especialmente para um que publicou uma reportagem bastante desairosa a meu respeito”, afirmou, referindo-se ao fato de ser o primeiro negro a fazer parte da maior corte do país.
Segundo ele, sua participação nas discussões da última quinta foi “mínima”, “marginal”. “A discussão se deu muito mais entre o revisor, o presidente e os ministros Gilmar [Mendes] e [Luiz] Fux. Eu estava há três metros de distância. Eu só participei para esclarecer que a divisão por capítulos foi feita em decorrência da minha preocupação com a clareza e com a compreensão de todos. Tem uma lógica, tanto é que o colegiado concordou”.
Para Barbosa, a discussão sobre o fatiamento é “uma grande bobagem”. “Isso é falta de assunto. Criou-se uma falsa polêmica. E eu me permiti dar boas risadas no final de semana”, continuou.
Sobre a aposentadoria de Peluso, se esquivou. “O problema não é da minha alçada. É problema do presidente. A minha atribuição aqui é proferir o meu voto claro, explícito”. Questionado se há precedentes para o caso, rebateu com outra pergunta. “Precedente? Por acaso já houve uma ação dessa magnitude?”.
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