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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Os mulas e o tráfico formiguinha na fronteira Brasil-Paraguai.

Entrevista especial com Andréa Pires Rocha

A maioria dos jovens que ingressa no tráfico de drogas não o fazem por “necessidades básicas, mas sim por necessidades determinadas pela sociedade do consumo e pelas contradições do próprio modo de produção capitalista”, constata a assistente social.

Confira a entrevista. 


Uma das engrenagens do narcotráfico, os “mulas”, como são chamados os adolescentes que transportam drogas na fronteira Brasil-Paraguai, sinalizam um problema social negligenciado pelo Estado brasileiro e pela sociedade civil. Num contexto de violência e insegurança, eles “mantém o funcionamento do ‘tráfico formiguinha’, que acontece a partir do transporte de poucas quantidades” de droga, diz a assistente social Andréa Rocha à IHU On-Line. Para ela, adolescentes que transportam aproximadamente 30 quilos de drogas são “utilizados como ‘bodes expiatórios’, pois há um grande alarde com a apreensão de alguns quilos de maconha com esses meninos e meninas, porém todos sabem que o fornecimento de maconha no país não funciona com quilos, mas sim com toneladas”. Diante desse processo, os jovens “sofrem duplamente, pois por um lado são criminalizados pelo Estado e a sociedade e, por outro, são explorados pelo narcotráfico”, salienta em entrevista concedida por e-mail.

De acordo com a pesquisadora, as cidades do norte e oeste do Paraná possuem elevado índice de apreensões de adolescentes sob acusação de tráfico de entorpecentes. Isso acontece porque o Paraná faz fronteira com o Paraguai, de onde vem “60% da maconha utilizada no Brasil”. Entre as rotas do narcotráfico transfronteiriço, Andréa destaca a “Rodovia BR-277, que liga o Porto de Paranaguá à Ponte Internacional da Amizade; a Rodovia BR-369, que tem como um dos seus polos a cidade de Cascavel, atravessando todo estado de São Paulo e chegando até parte de Minas Gerais; e a BR-163, que integra o Centro Sul e Oeste ao Centro Norte do país, ligando, portanto, o Paraná ao Mato Grosso do Sul, passando rente a fronteira Brasil-Paraguai”. 

Ao comentar as propostas de reforma do Código Penal, onde discute-se também a criminalização das drogas,Andréa enfatiza que “é o proibicionismo que faz com que a questão das drogas aconteça a partir da regulação da violência”. E dispara: “Enquanto não houver uma regulamentação que envolva uso, produção, distribuição e venda de drogas no mesmo contexto, o caminho irá sempre em direção do controle e da criminalização dos pobres”.

Andréa Pires Rocha é graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá – UEM, e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Unesp-Franca. Atualmente, é docente da Universidade de Londrina – UEL.

Confira a entrevista.

IHU On-Line  Na pesquisa que está desenvolvendo, a senhora discute a situação dos adolescentes explorados como “mulas” pelo tráfico de drogas transfronteiriço. Quem são e o que fazem os “mulas”? 


Andréa Pires Rocha – A expressão “mula” é utilizada para identificar pessoas que transportam entorpecentes de uma região (cidade/estado/país) para outra. Este transporte é, via de regra, de pouca quantidade, feito no próprio corpo ou em bagagens pequenas. A tarefa dos “mulas” é uma das funções presentes nas engrenagens do narcotráfico, e algumas vezes sua finalidade é realmente o transporte da droga, outras vezes, é a distração dos agentes de segurança para o transporte de cargas maiores a partir de outros meios.

Na situação específica da minha pesquisa, os “mulas” são adolescentes que foram apreendidos em trânsito transportando drogas provenientes da fronteira Brasil-Paraguai. Geralmente esses jovens são apreendidos em ônibus intermunicipais e interestaduais; alguns são apreendidos por transporte a pé na Ponte Internacional da Amizade, e poucos foram pegos em automóveis acompanhados de outras pessoas. Alguns deles vivem na região da fronteira e são contratados para levar drogas para outras regiões. Outros vivem em regiões distantes da fronteira e são contratados para buscar drogas na fronteira. Há ainda inúmeras constatações que serão apresentadas em minha defesa de tese, as quais só poderão ser publicadas após as formalidades do processo de conclusão do doutorado. 

IHU On-Line  Por quais razões os jovens se envolvem com o tráfico de drogas? Qual é o perfil desses adolescentes?

Andréa Pires Rocha  A pesquisa decorreu de uma inquietação profissional, pois como Assistente Social trabalhei com adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de internação e em meio aberto. A experiência da internação foi na Febem-SP, no ano 2002, por apenas três meses, pois não dei conta de continuar atuando em um local em que a violência institucional fazia parte do cotidiano. No pouco tempo de atuação por lá, a partir do contato direto com os meninos, foi possível adquirir uma experiência imensa, colocar os “pés no chão” e iniciar a aproximação do entendimento da realidade dos adolescentes envolvidos com a criminalidade, especialmente com o tráfico de drogas. No mesmo ano fui contratada pela Prefeitura Municipal de Maringá-PR, onde pude atuar com os adolescentes em cumprimento de medida em meio aberto. Foi a partir dessa experiência que passei a amadurecer meu entendimento a respeito dos adolescentes envolvidos com o narcotráfico. 

Em Maringá me deparei com a situação dos “mulas”, pois muitos dos adolescentes atendidos relatavam ter ido para a fronteira com o Paraguai buscar maconha, e esta questão foi se tornando uma preocupação concreta. Atuei em outras áreas do serviço social e depois optei pela docência, onde me encontro até o momento. A junção da experiência profissional com a docência levou-me a construir o projeto de pesquisa do doutorado. Então as perguntas “Por quais razões os jovens se envolvem com o tráfico de drogas? Qual é o perfil desses adolescentes?” fez parte deste processo. Todavia, a intenção do momento da construção do projeto de pesquisa foi respondê-las academicamente a partir de reflexões sociológicas, porque não dizer, científicas. Para construção do projeto busquei informações oficiais sobre a apreensão de adolescentes sob a acusação de tráfico no estado do Paraná, encontrei o site do programa de repressão ao tráfico de drogas denominado “Narcodenúncia – Denuncia Traficantes de Drogas”. Ao investigar os dados e estatísticas contidas no site, observei que as cidades do norte e oeste do Paraná possuíam elevado índice de apreensões de adolescentes sob acusação de tráfico de entorpecentes. Entendi inicialmente que as apreensões se deviam ao fato de que nestas regiões existe a “importante” rota do tráfico internacional de entorpecentes, sendo, portanto, localidades em que o envolvimento de adolescentes em atividades ilegais e/ou equiparadas a crime se evidencia e a exploração da força de trabalho de adolescentes como “mulas” poderia ser recorrente. 

Tráfico 

O que posso apontar neste momento é que as razões que levam os jovens a se envolver com o narcotráfico sofrem múltiplas determinações. A literatura sobre o assunto, somada a minha pesquisa, levaram-me a entender resumidamente que os jovens entram no narcotráfico para a satisfação das necessidades materiais objetivas e subjetivas. O aspecto das necessidades materiais objetivas se mostra na busca da satisfação de desejos comuns e cotidianos, pois os adolescentes investem o dinheiro recebido pelo narcotráfico em roupas, tênis, comida, ajudam as famílias. A maioria deles não entra por necessidades básicas, mas sim por necessidades determinadas pela sociedade do consumo e pelas contradições do próprio modo de produção capitalista. Entre necessidades materiais subjetivas está o investimento em diversão, onde se inclui o uso de drogas. Nesse aspecto estão também as satisfações emocionais, haja vista que os adolescentes envolvidos ganham respeito, autoestima e adquirem responsabilidade. Sim, responsabilidade. A atuação no narcotráfico exige muita responsabilidade dos participantes e os adolescentes trabalhadores do tráfico vivem sob pressão, pois, se alguma coisa não der certo, poderão pagar com a vida ou construir uma dívida para toda vida.

Ato infracional como narcotráfico

As pressões decorrem das relações estabelecidas no narcotráfico assim como do sistema de “segurança e justiça”.  Com relação ao perfil dos adolescentes, posso me pautar na pesquisa documental que desenvolvi na primeira parte da pesquisa de campo, pois fiz um levantamento nos Centros de Socioeducação – CENSEs dos municípios deLondrinaFoz do IguaçuCascavel Toledo, com a intenção de traçar um perfil dos adolescentes apreendidos e conhecer os argumentos colocados nos Boletins de Ocorrência (delegacias de polícia) e nos procedimentos (Tribunal de Justiça e Ministério Público) a respeito da caracterização do ato infracional como narcotráfico. 

Para isso levantamos as pastas técnicas dos adolescentes que foram apreendidos por tráfico em trânsito, ou seja, transportando drogas de uma região para outra no período de novembro de 2009 a novembro de 2010. Nesse sentido, só podemos falar dos adolescentes envolvidos com o narcotráfico que foram apreendidos, o que não traduz a realidade por completo, pois, como bem sabemos, adolescentes e jovens das classes médias e altas não são apreendidos por tráfico, pois, quando são pegos, a caracterização do sistema de justiça leva ao entendimento de que são apenas usuários. Aqui está um ponto muito importante, pois os menino apreendidos por tráfico são geralmente jovens pobres, pertencentes às classes populares, que vivem em territórios de pobreza, excluídos dos direitos sociais desde a infância. A maioria dos adolescentes do levantamento não passou da quinta série do Ensino Fundamental. 

Enfim, são dados que confirmam que a maioria dos adolescentes apreendidos por tráfico são pobres e que tiveram seus direitos negados. Todavia, essa informação deve ser utilizada com cuidado, pois não podemos correr o risco de criminalizar a pobreza. O que tento dizer é que não podemos, a partir de tais dados, dizer que todos os jovens envolvidos com o tráfico são pobres, mas sim que a grande maioria dos jovens apreendidos por tráfico são pobres. E, infelizmente, são tidos como inimigos sociais sendo tratados como traficantes e com o estigma que essa expressão carrega. 

IHU On-Line  Qual é o mapa da rota de tráfico internacional delineado por sua pesquisa? 

Andréa Pires Rocha  Estudos comprovam que 60% da maconha utilizada no Brasil vem do Paraguai, e há indícios de que os grandes produtores da droga no Paraguai são brasileiros. Digo indícios, pois não há comprovações acerca desta informação, e nossa pesquisa não teve este objetivo. O fato de o Paraná fazer fronteira com o Paraguai torna o estado território possível para o narcotráfico terrestre, mas este fenômeno acontece também com o estado do Mato Grosso do Sul. 

Rota do tráfico 

No caso do Paraná temos três rodovias importantes para a compreensão da questão do narcotráfico transfronteiriço, sendo: Rodovia BR-277, que liga o Porto de Paranaguá à Ponte Internacional da Amizade; a Rodovia BR-369, que tem como um dos seus polos a cidade de Cascavel, atravessando todo estado de São Paulo e chegando até parte de Minas Gerais; e a BR-163, que integra o Centro Sul e Oeste ao Centro Norte do país, ligando, portanto, o Paraná ao Mato Grosso do Sul, passando rente a fronteira Brasil-Paraguai. É em torno dessas rodovias que a rota internacional de tráfico de drogas se materializa, especialmente no que diz respeito à maconha proveniente do Paraguai.

Todavia, esta não foi a temática direta da minha pesquisa, portanto, o que posso falar é sobre as trajetórias que observei no estudo documental e nas entrevistas feitas com adolescentes que eram e são explorados como “mulas” do narcotráfico. Na pesquisa documental levantamos que a grande maioria residia na região da fronteira com o Paraguai, especialmente Foz do IguaçuGuaíra e municípios do entorno. Muitos foram contratados para levar drogas para regiões do próprio estado, outros para os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, havendo também situações em que jovens levariam drogas até para o Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os adolescentes prestam serviços para diversos intermediários, ou seja, relatam ter diversos “patrões e patroas”, o que nos leva a supor que estes jovens trabalham para médios traficantes e não aos grandes produtores. 

Bodes expiatórios

As cargas são consideradas pequenas, pois a maconha é uma substância psicoativa de grande volume. Portanto, a média de 30 quilos por transporte pode ser considerada quantidade ínfima perto das toneladas que entram no país em carros, caminhões e contêineres. Embora tenha focado mais na questão da maconha, encontrei situações de transporte de cocaína, crack e haxixe, mas isso foi na minoria dos casos. O que vi, ao finalizar a pesquisa de campo, é que os adolescentes são utilizados como “bodes expiatórios”, pois há um grande alarde com a apreensão de alguns quilos de maconha com esses meninos e meninas, porém todos sabem que o fornecimento de maconha no país não funciona com quilos, mas sim com toneladas. 

Enfim, posso dizer que a participação dos adolescentes mantém o funcionamento do “tráfico formiguinha”, que acontece a partir do transporte de poucas quantidades e, neste contexto, os adolescentes sofrem duplamente, pois, por um lado, são criminalizados pelo Estado e a sociedade e, por outro, são explorados pelo narcotráfico. 

IHU On-Line  Como o Estado, de um modo geral, lida concretamente com os adolescentes que possuem ligação com criminalidade?

Andréa Pires Rocha – Historicamente, o Estado desenvolve políticas punitivas, encarcerando jovens e adolescentes pobres. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescentes – ECA exista há 22 anos e determine medidas socioeducativas como possibilidade de inserir os adolescentes em processos educativos e sociais, o que acontece na prática é a privação de liberdade destes adolescentes em nome da “segurança” da sociedade. As medidas socioeducativas em meio aberto  Liberdade AssistidaReparação de Danos e Prestação de Serviços à Comunidade  poderiam ser melhor aplicadas e executadas. Porém, aplica-se medidas restritivas de Liberdade, como internação e semiliberdade. O estatuto é bem claro quando determina que a internação só pode ser aplicada em situações de grave ameaça à pessoa ou de reincidência reiterada, mas não é bem isso o que vemos. Pesquisas mostram que a maioria dos adolescentes são apreendidos por crimes contra a propriedade privada, sem violência e sem ameaça. Nesses casos, caberiam outras medidas. Outra questão essencial diz respeito ao investimento do poder Executivo para a aplicação das medidas. Sem investimento, não há trabalho que surte resultado. 

IHU On-Line  Que avaliação faz das políticas voltadas aos adolescentes autores de atos infracionais?

Andréa Pires Rocha – Para uma avaliação das políticas voltadas aos adolescentes autores de atos infracionais são necessários estudos de cada estado, pois a gestão da execução das medidas socioeducativas é de responsabilidade estadual. Todavia, como mencionei acima, vejo que a proposta das medidas socioeducativas estabelecidas no ECA é bem interessante, principalmente agora, depois da promulgação do Sistema Nacional de Socioeducação – Sinase. Há avanços imensos no que se refere a determinações de como a política voltada a estes adolescentes deveria acontecer. Porém, a efetivação deixa muito a desejar. Recentemente o programa Fantástico (Rede Globo) mostrou a situação dos Centros de Socioeducação de alguns estados do país. Situação deplorável. Vejo, portanto, que a internação de meninos e meninas no sistema socioeducativo não tem como foco a socioeducação, mas sim a intenção de dar “resposta” à sociedade que entende que o encarceramento poderia resolver a questão da violência urbana, sendo este um “engano histórico” que é realimentado cotidianamente.

IHU On-Line  Em sua opinião, como a sociedade reage diante da generalizada percepção da violência como sendo a grande ameaça para a vida nas cidades? 

Andréa Pires Rocha – Que a violência urbana cresce, não podemos negar. Mas há uma indústria que se movimenta por trás da violência. Indústria que promete a venda da “segurança” para as pessoas, movimentando um grande mercado. Há também a utilização da violência urbana como mote para campanhas políticas, pois o “medo” é construído e utilizado como forma de angariar votos. Todos os candidatos, em todas as instâncias de governo, prometem investimento em segurança pública. Que tipo de investimento? Construção de cadeias, aumento dos contingentes policiais etc. E, infelizmente, a população não percebe que essas políticas não trazem resultados específicos; não percebem que apenas são utilizadas para o controle dos pobres, que são os que mais sofrem com tudo isso. 

IHU On-Line  Em que medida as políticas neoliberais e a criminalização da pobreza se relacionam?

Andréa Pires Rocha  Dando continuidade à resposta da questão acima, é essencial a compreensão de que o neoliberalismo, além de desmontar a garantia dos direitos sociais, investe no encarceramento em massa. Como explica Löic Wacquant, há o fim do Estado Social e o crescimento do Estado Penal. Os EUA foi o primeiro país a implantar essas mudanças, sendo acompanhado por toda Europa e América Latina. Enfim, o mundo todo segue a “cartilha” neoliberal ditada pelo centro do capitalismo. A “opção” pelo encarceramento em massa é uma tentativa de tirar a visibilidade das consequências decorrentes da ausência dos direitos sociais, transferindo a responsabilidade de todo “caos” urbano aos grupos estigmatizados. Ou seja, dentro do contexto extremo de disparidades econômicas e sociais, o investimento em “segurança” ganha visibilidade na sociedade da “in-segurança”. 

IHU On-Line  Entre as propostas de reforma do Código Penal, discute-se a possibilidade de legalizar o uso das drogas. Quais as implicações sociais da legalização para o tráfico de drogas e o cenário do seu estudo atual?

Andréa Pires Rocha – Não há uma proposta de legalização do uso de drogas, pois a reforma do Código Penal (como de qualquer outra legislação) acontece a partir de processos complexos, onde se tem o posicionamento de grupos que representam os polos sociais muitas vezes contraditórios. É nas relações de poder que são estabelecidas no processo que os rumos das propostas de alteração do Código tomarão corpo. Todavia, é importante lembrarmos que a maioria dos protagonistas destes processos representam as classes hegemonicamente dominantes, havendo pouco espaço para posicionamentos verdadeiramente democráticos e populares.

Na situação específica da reforma do Código Penal, há sim alguns grupos que defendem a “legalização do uso de drogas”. Todavia, falar em legalização do uso, é falar em legalização da produção, venda e distribuição, e não somente do uso. A legislação vigente, lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, também está sendo revista, e constitui oSistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad, que “prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências”. Esta lei é conhecida como a “Nova Lei Antidrogas” e já demonstra um pouco do que seria a descriminalização do uso, pois abranda as sanções para os usuários de drogas (tratamento, prestação de serviço comunitário) e torna mais rígidas as penas direcionadas aos traficantes (reclusão de 5 a 15 anos).

Entretanto, a lei deixa para os juízes identificarem, com base na denúncia e nas provas contidas nos processos, se a quantidade apreendida pode ser considerada para o consumo ou tráfico. Ou seja, fica estabelecida uma grande contradição, pois, ao mesmo tempo em que abranda as sanções para o uso de substâncias psicoativas proibidas, aumenta a penalização da venda. Para quem serve essa lei? Serve para não prender “usuários” das classes médias e altas e para penalizar pessoas pobres envolvidas com o narcotráfico, que estão apenas na ponta do iceberg, como falamos acima.

A proibição das drogas é histórica e também foi ditada na década de 1920 pelos EUA. Até então as pessoas tinham o direito de se entorpecer, porém inúmeras questões levaram à proibição. É o proibicionismo que faz com que a questão das drogas aconteça a partir da regulação da violência. A abolicionista Maria Lúcia Karam demonstra que a produção de drogas não é violenta ao trazer como exemplo a produção do álcool. Em minha opinião, enquanto não houver uma regulamentação que envolva uso, produção, distribuição e venda de drogas no mesmo contexto, o caminho irá sempre em direção do controle e da criminalização dos pobres. 

IHU On-Line  Deseja acrescentar algo?

Andréa Pires Rocha – Gostaria de sugerir algumas leituras que poderão auxiliar os interessados no tema. Sobre a questão do neoliberalismo, Estado Penal, criminalização da pobreza e encarceramento em massa sugiro Löic Wacquant e Mike Davis. E, para a compreensão da materialização destes fenômenos no Brasil, sugiro a leitura deNilo BatistaVera Malagutti Batista, Maria Lúcia KaramJulio DelmantoTiago Rodrigues, Marisa Feffermann, entre outros. Há também filmes importantes para a reflexão do tema: “Bicho de Sete Cabeças”, “Cidade de Deus”, “Notícias de uma guerra particular”, “Falcão: meninos do tráfico”, “Juízo”, “Justiça” e “O contador de Histórias”.


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