Ao longo desta semana, Carta Maior conta o lado oculto na votação que livrou o deputado-presidiário Natan Donadon da cassação. Informações de assessores de gabinetes e consultores da Câmara revelam que o que pesou mais na decisão dos que ajudaram o parlamentar foi o medo de terem o mesmo destino. É que mais de uma centena de deputados é acusada de crimes similares aos de Donadon. Por Antonio Lassance*, de Brasília
Antonio Lassance*
Brasília – Foi mais do que simples corporativismo. Muitos parlamentares ficaram aterrorizados com a situação de Natan Donadon (Sem partido-RO) porque viram a si próprios em sua pele. Ela tinha as marcas das algemas. É como se, em seus ouvidos, tivesse soado a frase celebrizada por uma antiga propaganda de vodca (Orloff) em que um clone diz ao seu original: "eu sou você amanhã".
A avaliação do caso é feita por assessores da Câmara dos Deputados, que trabalham em gabinetes de diferentes partidos, e consultores legislativos, que são servidores do quadro da Câmara, ouvidos sobre a votação possível e inimaginável da última quarta-feira, 28 de agosto.
Todos são assessores ou consultores com, pelo menos, mais de uma década na casa. Conhecem como ninguém o que pensam e como agem os parlamentares. Muitos lidam com os assuntos escabrosos que tiram o sono de seus deputados e, vez por outra, confidenciam seus dramas.
Dentre as várias razões decisivas para evitara a cassação de Natan Donadon, a mais importante de todas, sem sombra de dúvida, foi o medo da carceragem da Polícia Federal. Ela contribuiu para a maior parte dos 131 votos pró-Donadon.
Coincidentemente, mais de uma centena de deputados tem processos na Justiça, alguns já em fase avançada, e temem algum dia sofrer condenações do mesmo tipo da que se abateu sobre Donadon, acusado de ter praticado um desvio da ordem de R$ 8 milhões, da Assembleia Legislativa de Rondônia.
Eram necessários pelo menos 257 votos para a perda de mandato. Houve apenas 233. Entre os 131 dados em defesa do parlamentar, um deles foi do próprio Donadon.
Time pró-Donadon chega a 1/3 da Câmara
O primeiro número (131) impressiona. Os que votaram contra a cassação do deputado correspondem a um quarto dos membros da Câmara. É mais da metade dos votos favoráveis à cassação (233). É maior do que o número dos que estiveram ausentes (108), que inclui os que faltaram à sessão e os que haviam registrado presença, mas não foram ao plenário votar.
Na verdade, o time de defensores de Donadon é ainda maior. Dada a situação do deputado-presidiário, deve-se incluir na conta os 41 que se abstiveram. A abstenção é uma das opções de voto dos parlamentares, que inclui também "sim", "não" e "obstrução".
Perguntados, assessores e consultores concordam que os deputados quiseram maquiar seu voto. Esconderam-se no anonimato do voto secreto e, até o momento, estão mais do que confortáveis com o foco negativo que grande parte da imprensa tem conferido aos ausentes. Os que não compareceram para votar têm sido tratados de forma até mais dura do que os que votaram favoravelmente a Donadon, que estão protegidos pelo sigilo da votação.
Os que se abstiveram queriam e têm, pelo menos por agora, conseguido ficar totalmente invisíveis no processo. Preservaram Donadon e evitaram ser listados como "gazeteiros" ou omissos, pechas aplicadas aos que não foram votar.
A abstenção foi ainda uma precaução para a possibilidade de que fossem flagrados, na hora do aperto dos botões, ou por fotógrafos posicionados nas galerias, ou por colegas vizinhos de cadeira, que poderiam dedurá-los.
Fora isso, há uma hipótese remota, mas não impossível: pesa até hoje uma desconfiança sobre o sigilo do voto, sobre o qual os parlamentares confiam desconfiando, desde o episódio da fraude da votação secreta do Senado, em 2000. Os, à época, presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (do extinto PFL) e o líder do governo FHC no Senado, José Roberto Arruda, do PSDB, disseram que tinham em mãos a lista dos parlamentares que votaram contra e a favor da cassação de Luiz Estevão.
Portanto, o time de Donadon é composto por 131 titulares e 41 reservas. Temos um em cada três deputados. É muito. O suficiente para explicar as dificuldades eternas em se aprovar uma reforma política que mexa, por exemplo, com as regras atuais de financiamento de campanha.
*Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do instituto.
Fotos: EBC
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