Em Ferraz de Vasconcelos (SP) mãe e quatro filhos aparecem mortos no apartamento. Suicídio coletivo? A mãe matou os filhos e depois se matou? O suco foi envenenado? Foi um bolo envenenado que teria matado todos? Quem é o culpado? O namorado da mãe (um boliviano)?
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e coeditor do portal atualidades do direito.com.br. Estou no facebook.com/blogdolfg
Em Ferraz de Vasconcelos (SP) mãe e quatro filhos aparecem mortos no apartamento. Suicídio coletivo? A mãe matou os filhos e depois se matou? (é a onda do momento). O suco foi envenenado? Foi um bolo envenenado que teria matado todos? Quem é o culpado? O namorado da mãe (um boliviano)? Sem nenhuma prova concreta, prisão imediata para ele, no dia seguinte (como prendem com facilidade os miseráveis) e pelourinho midiático (com exceções honrosas)! O laudo pericial foi rápido (coisa rara; a polícia está sucateada): não houve envenenamento nenhum! Muito provavelmente (provavelmente!) foi um vazamento de gás no aquecimento do chuveiro. O apartamento estava fechado. Pode ter sido a causa das mortes. A investigação não acabou (releiam: não acabou). Mas o Judiciário liberou o rapaz (que quase foi trucidado dentro do presídio). A rapidez com que massacram os pobres diabos é impressionante. Incluindo-se os inocentes! Porque primeiro prendem e fazem o escândalo midiático (humilhação pública). Depois é que vem a investigação. A indenização, nesses casos, deveria ser altíssima (a ser paga pelo poder público, pelos agentes públicos responsáveis pela barbaridade e pela mídia irresponsável). O banco da infâmia (contra inocentes) aumenta a cada dia. O boliviano pode ser mais um caso. Os criminosos incrementam a violência. Um absurdo! A reação é o poder punitivo dos horrores! Selvageria (dos criminosos e do poder punitivo) em marcha contínua! É o país que construímos (nessa área) depois de 513 anos! Não existe regra metafísica que diz que tem que ser assim!
Na tragédia de Ferraz de Vasconcelos (SP), uma mãe e quatro filhos apareceram mortos no apartamento. Prontamente um boliviano (namorada da mãe) foi para a cadeia, onde quase foi assassinado. Os laudos estão afirmando, até aqui, que as mortes decorreram de um gás altamente tóxico saído do aquecedor do chuveiro. Solução para essas injustiças? Primeiro deve ser mantida (embora inócua na prática) a proibição da autoridade ou agente policial falar, antes do “indiciamento” (quando então se forma a convicção sobre o crime e a autoria, com base em provas). A proibição legal já existe. Mas o que representa a lei (em geral) para a cultura e os costumes brasileiros? (pausa para o leitor pensar). Em segundo lugar, a mídia jamais deveria usar em suas matérias o nome de qualquer pessoa antes do indiciamento. Pode noticiar os fatos, as vítimas, não o nome de um mero suspeito. Assim como se faz com os menores. Deveria sempre aguardar o momento do indiciamento. Porque o indiciamento exige provas concretas e, agora, fundamentação jurídica inequívoca (por força da Lei 12.830/13). Provas das circunstâncias do fato, da autoria e da existência do crime (materialidade). Aliás, esse também seria um bom caminho para as prisões cautelares (cada vez mais arbitrárias e mais sensacionalistas que a própria mídia). Por que arbitrárias? Porque cabe a temporária (prisão primeiro, para se investigar depois). Inversão total. Lei equivocada. Sempre que necessário, inclusive para a situação de destruição de provas, cabe a prisão preventiva. A sociedade não pode ficar desprotegida. Mas isso não autoriza arbitrariedades contra o cidadão. Incontáveis as injustiças do sistema. Porque a pressa, que é típica da mídia peçonhenta (a que comete barbaridades escandalosas), invadiu o dia-a-dia do juiz. Sempre contra os pobres miseráveis, claro. Porque rico entra com habeas corpus um minuto depois da decretação da medida, mesmo antes da prisão se consumar. Uso de poderes selvagens (diria Ferrajoli). O boliviano (ao que tudo indica) foi preso pelo que é (agente reputado perigoso), não pelo que fez. Direito penal de autor. Delinquente (neste caso) que não existe. Esse é o título do livro de Juan Pablo Mollo (no prelo, Saraiva), que traduzimos e fizemos anotações. Um dos capítulos cuida precisamente da periculosidade como base de atuação do poder punitivo atual, não mais a culpabilidade. Ferrajoli diz que o sangue jorrado pelas penas e pelo poder punitivo (das Inquisições e dos Estados) é muito maior que o gerado pelos crimes. Parece fazer bastante sentido.
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