É claro que as declarações da apresentadora do Jornal do SBT na última Terça feira (04/02) a respeito do “justiciamento” e agressão contra um jovem preto e pobre, acorrentado pelo pescoço a um poste numa movimentada avenida da orla carioca são de causar espanto. Porém, a tal apresentadora ficou famosa nacionalmente, muito mais por suas declarações polêmicas e preconceituosas, por sua visão mesquinha e simplista do mundo que a rodeia do que, necessariamente, por seu talento e competência como jornalista e apresentadora. Em seu comentário, Sheherazade enxergou como positiva a atitude de um bando de marginais que agrediram e acorrentaram em um poste um adolescente que supostamente havia cometido alguns pequenos delitos.
Lógico que teria sido muito mais positivo se a comentarista tivesse usado de seu espaço em rede nacional de TV para explicar a seu público que a população civil também pode contribuir com a polícia por meio da Ordem de Prisão por Cidadão. Bastava que os garotos justiceiros, depois de ter imobilizado o garoto, entrassem em contato com a autoridade e aguardassem a presença da polícia.
Os “Justiceiros” são criminosos muito mais perigos que o jovem acorrentado, mas para a comentarista do SBT isso é irrelevante. O importante para ela é polêmica, o discurso panfletário ideológico contrário as normas do Estado de Direito a que todos nós estamos submetidos.
Mais um comentário preconceituoso, ruim e desnecessário, como tantos outros que a fizeram famosa.
Um comentário péssimo em uma rede nacional de TV reconhecida por sua programação de baixíssima qualidade, onde o único programa que vale a sintonia são as reprises do seriado mexicano Chaves. O Jornal do SBT é um jornal televisivo muito ruim e depois da invenção do controle remoto, da popularização da TV por assinatura, só assiste programa ruim quem não tem outra opção ou tem um tremando mau gosto.
TVs abertas sobrevivem graças à venda de espaços publicitários, os comerciais. Estas verbas de publicidade são distribuídas conforme a audiência de cada canal ou cada programa. Se os comentários de Rachel Sheherazade não rendessem audiência, ela não estaria lá, vomitando suas verborragias proto-fascistas em horário nobre.
Por mais que os diretores do SBT afirmem que as declarações da apresentadora não correspondam com as opiniões da emissora, a moça fala em nome da emissora, seus comentários resultam em audiência e, como conseqüência, estes comentários se transformam verbas de publicidade para o SBT.
É aqui que mora o perigo.
Essa audiência não é pouca, nas redes sociais digitais o número de pessoas que concordam com a opinião da jornalista é talvez até maior do que o número de pessoas que discordam desta opinião.
Esta divisão de opiniões radicais não se limita a este caso específico tão pouco corresponde as diversas divisões dentro da sociedade brasileira. Brancos e pretos, ricos e pobres, crentes e descrentes dividem-se internamente também a respeito dos mais variados temas. Seja os direitos humanos, seja em questões de gênero, raça ou sexualidade, seja em questões econômicas, políticas ou de distribuição de renda. Tudo, absolutamente tudo, virou questão de ordem, não existe mais o meio termo o consenso o respeito mútuo.
Hoje qualquer manifestação de opinião é marcada por radicalismos extremos, qualquer divergência pode custar anos de amizade, rompimentos absurdos e não poucas vezes, até agressões mutuas.
Sinceramente, não sei o que levou nossa sociedade contemporânea a este tipo de divisão radical, mas tenho cá minhas suspeitas.
De alguns anos para cá com o aumento real na renda dos trabalhadores assalariados, a diminuição do número de miseráveis e famintos, a sociedade brasileira sofreu um choque. De um lado, os menos favorecidos agora podem nutrir a esperança de participar ativamente da sociedade marcada pelo consumo. De outro, aqueles historicamente abastados, sentem-se ameaçados pela participação ativa na sociedade daqueles que historicamente sempre foram excluídos.
É esse conflito de interesses que gera esta divisão na visão de mundo dos mais variados indivíduos.
Correndo o risco de estar redondamente enganado, arrisco traçar um paralelo da atual situação Brasileira, com o que acontecia no hoje poderoso grande irmão do norte, às vésperas da Guerra de Secessão.
Nos “Estates”, por volta de 1860, o país deu inicio a uma guerra civil que vitimou mais de 600 mil pessoas e destruiu boa parte da infra-estrutura dos estados envolvidos, só porque o governo, então comandado por Abraham Lincoln, decidiu tomar algumas medidas que impediam a expansão da escravidão.
É lógico que os escravagistas não toparam a idéia e decidiram romper com o governo estabelecido. Um tipo de movimento “O Sul é meu país” só que muito melhor organizado.
De modo bem resumido, estes escravagistas eram os grandes latifundiários e seus agregados, pelegos ou simpatizantes. Eles interpretavam a liberdade como um sinônimo do direito divino de concentrar renda, o direito de defender suas propriedades (escravos eram nada mais que propriedade privada de alguém) e do livre comércio completamente desregulado e isento de impostos.
Este tipo de pensamento conservador não te faz lembrar alguém?
Qualquer semelhança com os comentários de Sheherazade e com todo o povo que compactua com este tipo de visão de mundo, não é apenas simples coincidência.
Como já dizia Vinicius de Morais: Hoje, muito mais do que em qualquer outro tempo…
“Estamos sentados num paiol de pólvora”
Polaco Doido
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