Segundo entidades, sequestro, tortura, prisões ilegais e agressão cometidos por agentes do Estado são comuns.
Representantes de movimentos sociais que lutam contra o abuso de poder dos agentes do Estado estiveram na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir formas de inibir ações de tortura e violência. Os presentes afirmaram que o desaparecimento de pessoas depois de abordadas por policiais, como o acontecido com o pedreiro Amarildo no último ano, são recorrentes, assim como as prisões ilegais e as torturas.
Durante a reunião realizada pela Comissão de Direitos Humanos nesta segunda-feira (2/6/14), foram discutidas formas para evitar prisões ilegais, abuso de poder e violência policial durante as possíveis manifestações populares ao longo da realização da Copa do Mundo Fifa de Futebol. Os presentes denunciaram abusos e sugeriram ações para evitar novos problemas, mas salientaram que as medidas precisam ir além das manifestações populares.
“Nossa angústia é não saber como lidar com essa violência institucionalizada, sistemática e reiterada”, disse o coordenador-geral do Núcleo de Atendimento a Vítimas de Crimes Violentos (NAVC), Bruno Martins Soares. Segundo, ele, o órgão recebeu em 2013, quando só existiam sedes em Belo Horizonte, Ribeirão das Neves e Montes Claros, 319 denúncias de violência praticada por agentes do Estado.
Tortura como arma estatal - A advogada criminalista Fernanda Vieira de Oliveira, representante da Frente Antiprisional das Brigadas Populares, diz que convive com a violência policial de forma cotidiana e que não se tratam de casos isolados. Ela destacou as sessões de tortura denunciadas por pessoas presas durante manifestações realizadas no último 7 de setembro, que teriam acontecido no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional da Gameleira (Ceresp-Gameleira). “Foram sessões dignas de Hollywood, com pessoas apanhando ao som da música 'Sociedade Alternativa'”, afirmou.
Depois de expor outros casos de abuso de poder do Estado, ela apresentou uma série de sugestões que poderiam ajudar a reduzir esses problemas. Uma delas foi a de efetivar nas delegacias a presença de instituições que legalmente já teriam a prerrogativa de fiscalizar as prisões, como o Conselho da Comunidade. Outra sugestão foi um novo modelo de uniforme policial, com o nome do agente mais visível, já que atualmente os nomes são colocados em velcro e, muitas vezes, são retirados durante as ações.
Ela também salientou que é essencial criar maneiras de garantir que o fluxo legal das prisões seja cumprido – depois de autuada em flagrante, a pessoa deve ser imediatamente levada à delegacia, mas a advogada afirmou que esse “imediatamente” leva até seis horas em muitos casos. “E a pessoa ainda deve se considerar com sorte por chegar viva à delegacia”, disse.
Para Fernanda, deve ser estabelecido um tempo máximo de deslocamento para garantir o encaminhamento da pessoa presa à delegacia. O deputado Durval Ângelo (PT), que solicitou a reunião, disse que esses casos precisam ser denunciados como sequestro e cárcere privado.
Também foram sugeridos, durante a reunião, a proibição de prisões para averiguação e do uso de balas de borracha, já que, segundo os presentes, as bombas de ar lacrimogênio são suficientes para dispersar os manifestantes diante de alguma confusão. Também se pediu que o trabalho dos jornalistas seja protegido durante as manifestações.
Instituição denuncia extermínio de população de rua
Números reunidos pela Articulação Nacional do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa foram apresentados por Amanda Couto de Medeiros, membro do Comitê de Belo Horizonte. Segundo ela, grupos já marginalizados têm sofrido as maiores pressões em um processo que ela qualificou como “higienização”. Medeiros apresentou pesquisa da instituição de acordo com a qual cerca de 20% da população em situação de rua foi exterminada desde 2010.
Além disso, 250 mil pessoas no Brasil teriam sido removidas das suas casas ou sofrido despejo forçado para a construção de vias de acesso aos estádios. Ela também afirmou que 5.500 famílias teriam perdido sua principal fonte de renda ao serem proibidas de trabalhar. São pessoas que atuavam principalmente na Feira de Artesanato do Mineirinho, que perderam suas licenças já que o espaço está na área de restrição da Fifa.
A defensora pública Cleide Aparecida Nepomuceno afirmou que a Defensoria tem acompanhado a situação dos feirantes do Mineirinho e os casos de desapropriações rápidas, que foram feitas sem o devido diálogo e sem as indenizações completas. Ela disse também que o órgão já está discutindo como serão os plantões durante as manifestações, para garantir a defesa daqueles presos durante os protestos.
Violência policial ultrapassa as manifestações
O representante da Comissão da Pastoral da Terra, Bruno Cardoso, citou uma série de casos acompanhados pela instituição para salientar o abuso de poder por parte do Estado. Ele citou um adolescente, chamado Mateus, desaparecido desde 2012 e visto pela última vez em uma viatura policial. Caso similar citado por ele foi o de Luis Alberto, desaparecido já desde 2003. “São acontecimentos recorrentes e absolutamente inaceitáveis”, disse.
Outra denúncia foi feita por Marta Helena Madureira, que teve seu filho deficiente mental baleado por um policial no último dia 30 de abril. Segundo ela, seu filho estava brincando quando um policial o mandou levantar as mãos. Incapaz de seguir ordens, por causa da sua deficiência, ele não obedeceu e recebeu um tiro no peito. “Ele atirou para matar, no peito esquerdo. Meu filho teve o pulmão perfurado e perdeu os movimentos das mãos”, disse.
Representante da Polícia Militar disse que há responsabilização em casos de abuso
O Major Wedmelson Pereira da Costa, representante da Polícia Militar, afirmou que, nos casos em que são verificados abusos policiais, os responsáveis são punidos com sanções que vão de advertência à expulsão da corporação. “Tudo que chega à corregedoria, ela tem sim o zelo de apurar, tomar providências e passar as informações àquele que fez a denúncia”, afirmou.
O major também disse que o trabalho da corporação é majoritariamente preventivo e citou a atuação em programas de prevenção ao uso de drogas e o Conselho Comunitário de Segurança Pública. Segundo ele, a prisão só ocorre quando o crime acontece. Nesses casos, os presos seriam encaminhados para a Polícia Civil e o Poder Judiciário. “Nossa missão será garantir o direito de se manifestar, mas esse direito terá que ser utilizado de forma ordeira e pacífica”, ressaltou.
A responsabilidade dos Poderes Executivos e Legislativos foi destacada pelo representante do Fórum de Direitos Humanos, Robson Sávio de Souza. “São esses poderes que comandam a polícia e se até hoje não houve uma reforma estrutural no modelo de segurança pública é porque o Executivo e o Legislativo não tiveram coragem”, disse.
O deputado Durval Ângelo citou o trabalho do Ministério Público que, durante as manifestações do último ano, convidou várias instituições, inclusive a ALMG, para ajudar a garantir os direitos individuais. Segundo ele, o grupo conseguiu, por exemplo, que os manifestantes presos fossem encaminhados diretamente para a delegacia e tivessem acesso a advogados. Segundo ele, o grupo também atuará durante o evento esportivo que começará na próxima semana.
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