FUNÇÃO SOCIAL
A INTERNET tem se tornado cada vez mais popular. Pesquisas revelam o aumento expressivo do uso de redes sociais, do consumo pelo comércio eletrônico, dentre inúmeras outras atividades possíveis na rede.
Paralelamente, também se observa o elevado número de condutas ilegais no mundo virtual. Os ilícitos mais comuns na rede são aqueles relacionados à disseminação de conteúdo ofensivo à honra, uso não autorizado da imagem de terceiros, vazamento de vídeos ou fotografias com conteúdo íntimo, criação de perfis falsos em redes sociais, violação de direitos autorais e reprodução não autorizada de marcas, sendo certo que a maioria desses ilícitos é cometida anonimamente.
Neste contexto, considerando que grande parte da população está conectada e que questões indevidas que chegam a INTERNET podem ganhar grande repercussão em fração de segundos, ganha ainda mais relevância a discussão quanto ao dever de remoção de conteúdos ilícitos na Internet por parte dos provedores de aplicação, especialmente aqueles que hospedam páginas na Internet ou são responsáveis por serviços com interação entre os usuários, como as redes sociais.
Quanto ao assunto, a jurisprudência estava se sedimentando no sentido de que o provedor de aplicação, ao tomar conhecimento de que um determinado conteúdo ilícito estava sendo veiculado nas páginas sob sua responsabilidade, tinha o dever de removê-lo após ser notificado extrajudicialmente pelo usuário, sob pena de ser responsabilizado civilmente pelos danos causados. Nesse sentido, confira-se os seguintes precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“(...) a partir do momento em que o provedor toma conhecimento da existência do conteúdo ilegal, deve promover a sua remoção imediata; do contrário, será responsabilizado pelos danos daí decorrentes. Nesse contexto, frisou que o provedor deve possuir meios que permitam a identificação dos seus usuários de forma a coibir o anonimato, sob pena de responder subjetivamente por culpa in omittendo.” (REsp 1.193.764-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/12/2010).
“(...) os provedores de conteúdo, como o recorrente — que disponibilizam, na rede, informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores, sendo esses que produzem as informações divulgadas na Internet —, não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo das informações prestadas no site por seus usuários, devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco da existência de dados ilegais no site, removê-los imediatamente, sob pena de responder pelos danos respectivos, devendo manter, ainda, um sistema minimamente eficaz de identificação de seus usuários, cuja efetividade será analisada caso a caso.” (STJ - REsp 1.186.616-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/8/2011).
Com o advento da Lei 12.965/14, a qual ficou popularmente conhecida como "Marco Civil", ficou estabelecido que o provedor de aplicação somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para tornar indisponível o conteúdo indevido, ressalvadas as disposições legais em contrário, como é o caso de divulgação de pornografia infantil, por exemplo, nos moldes do caput do artigo 19 do aludido diploma.
Fora a ressalva quanto às disposições legais em contrário, a única exceção trazida pela Lei 12.965/14 está prevista no caput do artigo 21, que assim dispõe:
“O provedor de aplicações de INTERNET que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.”
Assim, o legislador assegurou somente às vítimas de divulgação de conteúdo relacionado a nudez ou a atos sexuais na rede o direito de buscar a remoção extrajudicial, o que se não for observado pelo provedor de aplicação lhe ensejará responsabilidade pelos prejuízos causados a tais vítimas.
Embora esse tipo de situação seja extremamente grave e mereça ser contida com rapidez, por violar o princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal), não parece adequado ter sido desconsideradas pelo legislador as demais vítimas de conteúdos impróprios na Internet, as quais, se não lograrem a remoção extrajudicial, deverão arcar com os ônus de um processo para ter seus direitos assegurados.
A isenção de responsabilidade dos provedores de aplicação, no tocante à remoção de conteúdos na INTERNET, tem por finalidade assegurar a liberdade de expressão que foi eleita como fundamento da disciplina do uso da internet no Brasil, nos moldes do artigo 2º da Lei 12.965/2014.
Contudo, não há que se falar em liberdade de expressão quando há anonimato, nos moldes em que está disciplinado no artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal, o qual é corroborado pelo artigo 3º, inciso I, da Lei 12.965, verbis: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Além disso, o artigo 2º da Lei 12.965 também traz os direitos humanos (inciso II) e a finalidade social da rede (inciso VI) como fundamentos da disciplina do uso da Internet no Brasil.
Diante disso, nada impede que o provedor de aplicação continue procedendo à remoção extrajudicial de conteúdos que estejam desassociados do exercício regular do direito à liberdade de expressão, principalmente quando o anonimato é utilizado como manto para ofender direitos de terceiros.
Noutras palavras, considerando que diversas condutas que acontecem na rede não se enquadram na garantia da liberdade expressão, os provedores de aplicação não só podem como devem agir, diligentemente, na remoção de conteúdos que violem direitos de terceiros, ainda mais quando preveem em suas políticas condutas que podem autorizar tal remoção extrajudicial, não só para evitarem a propositura de ações judiciais desnecessárias, mas principalmente para que atendam e respeitem a função social de suas atividades, nos moldes da nova lei e da própria Constituição Federal.
Rubia Maria Ferrão é sócia do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados, especialista em Direito Constitucional pela PUC/SP, professora da Faculdade de Direito da Universidade São Francisco e do curso de Especialização em Computação Forense do Mackenzie.
Revista Consultor Jurídico
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