“Fingi de morto, conta jovem que sobreviveu a ataque de PMs no Rio; M., 15 anos, levou tiros de fuzil e pistola e foi socorrido numa igreja; outro garoto, de 14 anos, não resistiu e morreu; dois cabos da PM foram presos; fatos ocorreram em 11/6/14, num matagal do morro do Sumaré (RJ), para onde os menores foram levados; os meninos foram baleados 4 vezes; os comerciantes da região disseram que o local é ponto de desova (ocultação de cadáveres produzidos pela PM); Aline dos Santos, tia do garoto morto, já perdera o marido e um tio assassinados; o pai reconheceu o garoto abandonado no matagal e disse: “se tivesse feito algo errado, deveria ser levado para a delegacia, não assassinado”; M. disse que estava tranquilo nas mãos dos policiais, até chegar ao morro do Sumaré; “ali vimos que iam fazer maldade” (Folha 21/6/14: C4). No Brasil a polícia executa sumariamente os jovens negros, pardos ou brancos pobres (sobretudo da periferia) e isso é feito cotidianamente.
Também diariamente um ou mais de um policial é assassinado. Faz parte do pacote genocida a morte de policiais. Como não são fatos isolados, sim, corriqueiros, frequentes, parece não haver nenhuma dúvida de que as execuções sumárias dos agentes do Estado fazem parte de uma política pública genocida.
A tese que estamos desenvolvendo é esta: o Estado brasileiro é genocida e faz isso por ação e omissão. Um dia tem que ser responsabilizado por esse genocídio massivo nos tribunais internacionais. Espera-se pela mobilização das entidades de defesa dos direitos humanos de todos (das vítimas dos policiais bem como dos policiais-vítimas). Basta que se compreenda o verdadeiro conceito de genocídio (que é um crime contra a humanidade e imprescritível).
Morrison, com seu livro Criminología, civilización y nuevo orden mundial (Barcelona: Anthropos, 2012), não apenas reivindica uma nova criminologia, de natureza global, como sustenta a necessidade de um novo conceito de genocídio (tendo estudado no livro incontáveis massacres humanos, desde 1885).
De minha parte acredito que o melhor caminho epistemológico seria reconhecer como genocídio todos os massacres massivos contra qualquer agrupamento humano por razões de raça (assassinatos massivos dos afrodescendentes, por exemplo), cor (massacre dos jovens negros e pardos pobres), etnia (massacre dos índios), religião, sexo (massacre dos homossexuais), origem, socioeconômicas(massacre dos pobres), machistas (massacre das mulheres em razão do gênero) etc. Zaffaroni (na apresentação do livro citado, p. XV e ss.) sublinha que deveríamos (pelo menos) prestar mais atenção e tentar estancar os massacres (genocidas) provocados pelo Estado.
Particular interesse científico apresenta, nesse novo contexto epistemológico, o genocídio no Estado brasileiro. Não somente por razões históricas (ele se formou dessa maneira, massacrando massivamente os índios e os negros). Entendido de forma ampla, o novo conceito de genocídio permite o seu reconhecimento no seio da política pública de segurança instituída no nosso país (desde 1822). Trucida-se diariamente não apenas os jovens negros, pardos e brancos pobres (das periferias), como também os próprios policiais (em 2012, somente no Estado de São Paulo, mais de 100 deles foram mortos em razão das suas atividades). Anualmente, milhares são as vítimas dos policiais e centenas são os policiais-vítimas.
São incontáveis as implicações jurídicas desse novo enfoque, visto que o crime de genocídio, repita-se, é crime contra a humanidade e imprescritível. Mais ainda: se se trata de crime contra a humanidade, o Brasil poderá ser demandado nas Cortes Internacionais por esses crimes jushumanitários. Ademais: se o crime é imprescritível, também o seria a reparação desses danos (consoante a doutrina de Zaffaroni, na apresentação do livro acima citado, p. XV).
Uma das maiores novidades criminológicas deste novo século consiste na solidificação da tentativa de se ampliar (criminologicamente) o conceito de genocídio, classicamente tido como um ataque a um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, com o escopo primordial de dizimá-lo. Dessa tarefa se encarregou o neozelandês (Wayne Morrison), professor da Escola de Direito Queen Mary (Universidade de Londres), que já desponta como um dos criminólogos mais importantes do século XXI, em razão da sua criteriosa e histórica pesquisa sobre os incontáveis genocídios (milhões de cadáveres) praticados desde o final do século XIX. Um detalhe sumamente relevante: de todos esses horrendos genocídios não cuidou a criminologia desenvolvida nos países centrais (Europa, EUA etc.). Que faziam a criminologia e o direito penal durante todos esses massacres? Nenhuma linha sobre eles. É hora de a criminologia (burocrática) deixar de cuidar exclusivamente dos homicídios comuns e roubos (Zaffaroni). O mundo dos genocídios massivos deve gozar de absoluta prioridade científica e política frente ao ladrão de galinha!
Do já famoso livro de Morrison não constam detalhes do genocídio brasileiro, mas ele existe. Mais de um milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil, de 1980 a 2012.
Uma muito relevante parcela dessas mortes tem como responsável direto o Estado brasileiro, que protagoniza (por meio dos seus agentes) uma das políticas racistas e genocidas mais cruéis do planeta. Por exemplo: em julho de 1993 alguns PMs mataram oito crianças que dormiam em marquises próximas da Igreja da Candelária, no RJ. Fatos como esse se tornaram diários, o que comprova que é uma política de Estado, que atua para matar e, normalmente, se omite no apurar e punir os executores sumários.
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