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sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Participação política da mulher no Brasil não merece maiores festejos

CULTURA MACHISTA


No Brasil, depois de 87 anos da eleição da primeira mulher — eleita em 1927 para a prefeitura de Lages (RS) — temos, nessa disputa presidencial, duas mulheres em destaque, estando nos primeiros lugares, conforme ultima pesquisa IBOPE. [1]
Ao total são 11 candidaturas registradas para o cargo de presidente da República, não considerada a de Eduardo Campos, falecido durante a campanha, sendo três mulheres e oito homens, repetindo-se os mesmos números para o cargo de vice-presidente, respectivamente.
Ao contrário do que pensam alguns, esse resultado é muito pequeno e não merece maiores festejos.  Em números inacreditáveis, o Brasil, conforme pesquisa da Organização das Nações Unidas (ONU), está em 120º lugar no ranking que mede o índice de mulheres nos parlamentos, perdendo para países islâmicos, cuja cultura desprestigia a mulher na vida pública.[2]
Para o mandato de 2011-2014 elegemos uma presidente; duas governadoras; 11 senadoras, 45 deputadas federais e 134 deputadas estaduais. Muito pouco ainda perto do universo masculino, pois somos apenas 13% no Senado e pouco menos de 9% na Câmara dos Deputados, a exemplo.
Na América Latina, o Brasil é o segundo país com mais baixo índice de mulheres em cargos legislativos federais.  Apenas 8,8% dos deputados federais são mulheres, a frente apenas do Panamá, que tem o percentual de 8,4%.  A média nas Américas é de 22%, sendo que a Argentina e a Costa Rica são destaques, com 38% cada.[3]
Diante desses dados, indaga-nos saber: o número reduzido de mulheres nos importantes cargos em disputa no Brasil ocorre em razão da rejeição dos eleitores ou pela represália machista dos partidos?
Os eleitores, hoje, são predominantemente do gênero feminino, o que, numa análise rasa, poderia se concluir que “mulher não vota em mulher”.  Será isso verdade?
Para ilustrar, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, na década de 70, tínhamos somente 30% do eleitorado composto por mulheres. Em 2008, tivemos 51,71%; em 2010, 51,82%; em 2012, 51,9% e, nesse ano, esse número subiu para 52,13%.
É de se notar que, os partidos e coligações, apesar de obrigados a aceitarem a imposição legal de cota de gênero de 30% do número de candidaturas a que têm direito (artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/97), não apresentam resultados proporcionais nas urnas.
É fato que a legislação tem um papel muito importante, pois somente com ações afirmativas conseguiremos transformar uma imposição legal numa regra social, possibilitando uma maior participação da mulher na política.
Constata-se, porém, que a cota de gêneros sozinha não é suficiente.  Isto porque presenciamos, na prática, os partidos buscando candidaturas de mulheres que nunca possuíram qualquer interesse em se candidatarem, somente para não ter as suas contas rejeitadas e, consequentemente, a perda do fundo partidário, bem como para possibilitar o registro de todas as suas candidaturas.
Essas candidatas, conhecidas como “laranjas”, não participam politicamente das ações do partido, não costumam ter opinião política formada, não possuem propostas políticas e sequer trabalham em prol de suas candidaturas.  Em casos mais extremos, são obrigadas a trabalhar para candidatos (homens, é claro!), não obtendo sequer o seu próprio voto.
O mais grave é quando lançam candidatas com esse propósito, cuja ocupação profissional é o serviço público, pois o artigo 1, inciso I, alínea “l”, da LC 64/90 prevê que pessoas nessas condições devem se afastar dos cargos para fazer campanha, sem prejuízo de seus rendimentos. 
Esses casos, no meu entender, da candidatura fantasma de servidora licenciada, configuram fraude eleitoral e improbidade administrativa com efetivo dano ao erário público, pois se aproveitando de uma condição legítima, burla o sistema, em prejuízo do serviço e erário públicos, já que a servidora, que deveria ser afastada para o exercício de um direito fundamental, estará recebendo os proveitos financeiros sem qualquer atividade política para a sua campanha.  Somado a isso, essa candidata estaria, ainda, a comprometer a regra eleitoral que garante maior participação política da mulher.
Tais candidaturas devem ser rechaçadas, todavia, difícil tarefa aos órgãos de fiscalização para provar tais ilicitudes.  De outro turno, deve haver incentivos para que as mulheres se conscientizem da importância de sua participação na política, não só pelo preenchimento formal da cota de gêneros, mas como uma forma de participar ativamente das políticas públicas a serem desenvolvidas.
Se todas as mulheres passarem a apoiar as candidaturas uma das outras, a legislação que assegura o acesso por cotas, bem como a que destina para as mulheres 10% do tempo de inserções anuais das legendas na rádio e na TV e determina a destinação de 5% do fundo partidário para a capacitação das lideranças femininas, terão maior eficácia.
Não basta que se tenha a participação formal de 30% a 70% de candidaturas femininas, elas devem, efetivamente, existir.  Sem esse preceito, não haverá mudanças e o Brasil continuará com uma péssima classificação mundial, permanecendo com uma cultura predominantemente machista e fincada em suas raízes patriarcais.
E esse tema não é somente importante para que tenhamos uma bela demonstração em índices de pesquisa, mas para que os direitos das mulheres sejam efetivamente representados.  Hoje, assuntos como o aborto, tema de suma importância à mulher, é debatido em bancadas conservadoras e compostas por homens.  Não seriam as mulheres as melhores representantes dos eleitores para debater tal tema? Além desse, por exemplo, temos algumas prioridades de interesse das mulheres que estão aguardando aprovação:
PEC 590/06, que garante representação proporcional de cada sexo na composição da Mesa da Câmara, do Senado e comissões;
PEC 30/07, que amplia, obrigatoriamente, para 180 dias, a licença-gestante para mulheres do campo e da cidade e para as mulheres que adotam crianças;
PL 6.653/09, que estabelece a igualdade entre mulheres e homens na corresponsabilidade da educação dos filhos e promoção profissional das mulheres.
Existe, ainda, um universo de temas importantes às mulheres que não são tratados pelo Legislativo e continuam sendo omitidos pelo Executivo, em todas as suas esferas.
Mais do que batalhar pelos direitos à igualdade em casa, com nossos companheiros e filhos, nós, mulheres, devemos lutar pelos nossos direitos sociais, e, não há momento melhor que o presente, pois temos duas candidatas à presidência da República que devem destinar atenção à pauta feminina.
O que fica para refletirmos é se essas duas mulheres tratarão de assuntos que representam nada mais do que 52,13% do eleitorado nacional.  Para conquistar esse grande público feminino não basta somente que o destinado a chefiar o Estado seja mulher, mas que os temas de interesse dessas eleitoras sejam efetivamente tratados.  Até mesmo porque valeria mais um homem feminista a uma mulher machista. As eleitoras esperam as propostas dos 11 candidatos, afinal, somos maioria e exigentes.  Assim, para os elegermos, não nos satisfaremos com pouco.

[1] A primeira prefeita eleita foi Alzira Soriano de Souza, em 1927, no Município de Lages/RN, perdendo seu mandato na Revolução de 30; já a primeira deputada federal, foi Carlota de Queirós, eleita em 1933; em 1989 tivemos a primeira senadora, Júnia Marise; Roseana Sarney elegeu-se primeira mulher governadora em 1994; e, em 2009, elegemos a primeira presidente da República, Dilma Rousseff. Fonte: Palavra da mulher: oito décadas do direito de voto/ organização e textos Débora Bithiah de Azevedo e Márcio Nuno Rabat. 2ª ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012. 335 p. – (Série obras comemorativas. Homenagem; n. 3) ISBN 978-85-736-5942-9.
[3] SACCHET, Teresa; SPECK , Bruno Wilhelm. Opinião Pública vol.18 nº.1 Campinas jun. 2012. ISSN 0104-6276.
 é advogada especialista em direito eleitoral e processual eleitoral. Presidente do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (Ipade). Coordenadora/coautora do livro Aspectos polêmicos e atuais no direito eleitoral, Arraes (2012) e coautora dos livros Direito Eleitoral contemporâneo, LEUD (2014) e Prismas do direito eleitoral – 80 anos do tribunal eleitoral de Pernambuco, Forum (2012).

Revista Consultor Jurídico

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