Mitigação de valores morais em prol da satisfação das vaidades
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Inegavelmente, a Constituição Federal de 1988 representa uma das maiores conquistas da democracia do século XX, em especial, seu artigo 5º que define a igualdade de forma material e formal a partir do conceito de ser humano, proporcionando assim o reconhecimento da importância e do valor da dignidade e integridade do cidadão, o que garantiu a proteção estatal aos seus direitos materiais e morais.
Ao determinar a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, talvez o constituinte não imaginasse que um dia os próprios cidadãos abririam mão voluntariamente de tais direitos, permitindo sua mitigação espontaneamente por meio de reality shows e redes sociais que se apresentam quase vazios de propósitos distintos do fomento à vaidade humana da autopromoção da imagem.
Racionalmente, não se poderia compreender a razão pela qual se permitira a mitigação de direitos individuais desta ordem em nome da vaidade, a despeito de já ter sido inclusa no rol dos sete pecados capitais, como derivado da luxúria, popularizando-a e misturando-a com a cultura mundana, distanciando o ser humano de ideais morais mais elevados e aproximando-o da futilidade de Narciso.
Sim, de fato, todos somos iguais. Mas, iguais a quê? A despeito de quaisquer ponderações religiosas ou morais propriamente ditas, é comum verificar pelos Tribunais do país condenações por danos morais praticados por atos antissociais em redes sociais. Neste sentido, lê-se:
RESPONSABILIDADE CIVIL. PUBLICAÇÃO EM REDE SOCIAL. DANO MORAL. A manifestação do pensamento é livre, bem como a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. A liberdade de expressão é fundamento essencial da sociedade democrática. As regras da responsabilidade civil têm aplicação, com a finalidade de garantir a indenização do dano, porventura, provocado. Na hipótese dos autos houve a publicação de dado inverídico, pois o autor tivera suas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas. A violação do direito da personalidade motiva a reparação do dano moral. O dano moral deve ser estabelecido com razoabilidade, de modo a servir de lenitivo ao sofrimento da vítima. Valor fixado na sentença deve ser mantido. Apelações não providas. (Apelação Cível Nº 70058618398, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 24/04/2014)
Tecnicamente pode-se asseverar que danos morais representam perdas sofridas através de um ataque à moral e à dignidade da pessoa humana, identificados como ofensa a sua reputação.
Mas, cumpre questionar: como se define a moral e a extensão da dignidade de um ser humano? E a sua reputação? Tais elementos são deveras subjetivos, logo, definíveis a partir de nossas ações pregressas, sobre tudo a reputação, nossa postura ante a sociedade com a qual interagimos, que se encontra intimamente ligada a fama que cada um constrói sobre si, a partir das ações cotidianas.
Por certo não se pode condenar um indivíduo por ações desconexas ao fato, tampouco negar-lhe proteção por erros, equívocos ou lapsos distintos da questão que se apresentar como fundamento ao requerimento de ressarcimento moral; não se pode, igualmente defender apologias à segregação entre os iguais, uma vez que, igualados somos pela Carta Política, logo, sim, merece ser ressarcido todo aquele que sofre efeitos de desgostos, aflições ou humilhações que lhe interrompe o equilíbrio psíquico e constitui mal-estar, independente da forma como a lesão foi praticada.
Mas, cabe verificar se a vitima da lesão se colocou em situação de risco, e estimular o cidadão a se auto preservar como ser humano.
Não se justificam lesões e estas devem ser ressarcidas sempre. Mas, pessoas honradas, tendo por honra um dos atributos mais valiosos do ser humano, tanto que aLex Mater a prevê como direito garantido individualmente precisam preservar sua intimidade, robustecer sua reputação com registros pregressos de boa índole, sendo respeitado pelo respeito que se auto atribui, evitando ou reduzindo o risco de ações lesivas praticadas por outrem contra sua moral e viabilizando melhores formas de atribuir contornos rígidos à condenação de eventuais agressores.
A despeito do art. 186 do Código Civil Brasileiro, definir como ato ilícito a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que viole direito e cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral; é preciso que não haja razões para que as lesões se verifiquem como fruto de mal entendido, afinal o que representa ofensas para uns, pode não passar de picardias para outros que creem não estar proferindo mais do que anedotas.
Tanto que, no parecer “Dano moral nas redes sociais”, publicado por Veloso de Melo Advogados em http://velosodemelo.jusbrasil.com.br/noticias/100556009/dano-moral-nas-redes-sociais, destaca-se que “para haver a responsabilização em sede de danos morais devem ser analisados certos requisitos, dentre eles: a ação do agente resultado lesivo nexo de causalidade, caracterizando assim a meu ver, o dever de indenizar.”
Tal verificação é deveras complexa, pois considerando as particularidades do subjetivismo da moral de cada um, pode ser difícil reconhecer o limite que separa a sátira aceitável da ofensa repudiada. Assim, se as pessoas se colocam espontaneamente em posição de zombarias, como requerer, a posterioriressarcimentos por danos que assumiram o risco de sofrer? E, mesmo que seja possível, a quantificação do ressarcimento se dará em proporção equivalente daquele que optou por se preservar enquanto titular de dignidade e integridade moral comuns aos cidadãos, seres humanos?
A reflexão sobre esta questão contribui para distinguir danos de meros aborrecimentos, comumente mencionados em decisões judiciais a exemplo do que segue.
APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO - OFENSA EM REDE SOCIAL DA INTERNET – COMENTÁRIOS NO FACEBOOK – DANO MORAL – NÃO CONFIGURADO - SENTENÇA MANTIDA- RECURSO NÃO PROVIDO. – Se não houve menção ao nome do autor, tampouco ofensa direta a ele nos comentários realizados em rede social e, além disso, não foi demonstrada a intenção do réu de atingir a honra subjetiva do autor, violando a integridade emocional, a imagem ou a reputação deste, não há que se falar em abalo de ordem moral. – Meros aborrecimentos não ensejam indenização a título de dano moral. (Processo: AC 10194120074498001 MG, Relator (a): Amorim Siqueira, Julgamento: 08/10/2014, Órgão Julgador: Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Publicação: 16/10/2014)
O referido parecer prossegue exemplificando e explicando que: “atualmente é muito comum haver desentendimentos nas redes sociais, entretanto, devemos ter em mente que a reparação por danos morais somente deve ser pleiteada, desde que atenda os requisitos acima elencados.” A proposta é evitar a banalização do dano moral, mas também estimular a autopreservação por parte do cidadão, ser humano, resgatando valores que vaidades difundidas diuturnamente nas redes sociais vem mitigando, fomentando a inversão de valores morais e a degradação de estruturas sociais básicas, imprescindíveis para a boa convivência social.
A questão ora proposta passa pelo direito a indenização por danos morais, sendo este reconhecido e inconteste; o que se propõe é que em redes sociais as ações não sejam antissociais, verificando as redes sociais como ambientes de convívio público, um espaço comum à difusão e o debate sobre ideias, ideologias e teorias, fato que exige respeito mútuo, coletivo, mas, sobretudo, o autorrespeito, como elemento pressuposto à exigência do respeito alheio.
É comum que se espere e exija dos Tribunais razoabilidade e proporcionalidade nas condenações por danos morais, mas deve-se, igualmente exigir a presença de tais princípios nas condutas sociais dos seres humanos.
Sendo a proporcionalidade uma estrutura racionalmente definida, traduzida pela adequação e necessidade de proporcionalidade em sentido estrito, ao passo que a razoabilidade pode ser um elemento do qual os Tribunais podem se servir para delimitar as decisões proferidas analisando a compatibilidade entre meios e fins; tais princípios devem ser igualmente considerados pelos homens nas suas ações cotidianas.
Devemos nos precaver para que tenhamos menos razões de demandar por ressarcimento, e respeitar o próximo, antes de exigir dele o respeito que almejamos, considerando a todo instante nossa igualdade material e formal.
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