Em 2014, 801 pessoas foram mortas por policiais militares no estado de SP.
Dez PMs foram mortos em serviço na capital e Grande São Paulo em 2014.
Kevinho é o apelido de Krawelen Barbosa Sena. Ele tinha 19 anos, uma filha de três anos e dois empregos. Dezenas de pessoas assistiram ao crime. “Eu pedi pelo amor de Deus pra não atirar nele, porque ele tinha filho”, conta uma das testemunhas.
O crime foi dia 29 de marco de 2014, no bairro de Cidade Ademar, Zona Sul de São Paulo. O Profissão Repórter esteve no bairro um ano depois do crime.
O inquérito ainda não está concluído. A mãe de Kevinho mostra o boletim de ocorrência, que informa: “Morte decorrente de intervenção policial”. Mais de 20 moradores viram o crime acontecer, mas só um foi citado no boletim. Os demais ouvidos foram os próprios PMs.
Sem ter ouvido as principais testemunhas, o escrivão concluiu que o PM matou Kevinho em legítima defesa. No boletim de ocorrência consta: “Ao pressentir que estava em perigo atual e iminente, sacou sua pistola e desferiu sete tiros contra o hipotético agressor, que na verdade trazia consigo uma arma de brinquedo”.
“É mentira. Ele não estava armado e não tinha arma de brinquedo”, declara Roselene Barbosa, mãe de Kevinho. Ela e as testemunhas afirmam que os PMs puseram uma arma perto do corpo para incriminá-lo. Em nota, a secretaria de Segurança Pública informa que os PMs mantiverem a versão de que revidaram aos tiros disparados por Krawelen, mas no boletim de ocorrência, os próprios PMs não falam em troca de tiros, e que a arma encontrada na cena do crime era um revólver de brinquedo.
Kevinho foi uma das 801 pessoas mortas por policiais militares no estado de São Paulo em 2014. “Com certeza é uma situação alarmante que deixa qualquer cidadão preocupadíssimo”, afirma Julio Cesar Neves, ouvidor da Polícia de São Paulo.
O aumento das mortes foi de mais de 80% em relação ao ano anterior e a maior parte destes crimes, segundo o ouvidor, já está com impunidade garantida. “De 801 mortes, com certeza mais de 700 inquéritos policiais foram arquivados. O que alegam é que não existem indícios de dolo naquele homicídio e sim uma resistência ocorrida numa intervenção policial”, explica Neves.
Também aumentou o número de denúncias de uso do chamado kit flagrante para incriminar as pessoas mortas pela PM.
“Coloca-se uma arma, um revólver com numeração raspada. Dizem que no kit faz parte cápsulas de cocaína ou pedras de crack ou trouxas de maconha, que os policiais carregam em uma mochila. O senhor tem conhecimento disso?”, pergunta Caco Barcellos.
“Sim. Nós já denunciamos inclusive em um terreno de uma das delegacias de polícia da capital de São Paulo, onde foram encontradas drogas e objetos pra este suposto kit. Isso realmente pode existir, como ocorre realmente na realidade”, responde Neves.
Salvador
Cinco dias depois das mortes, movimentos negros de Salvador fizeram um protesto no bairro do Cabula, em Salvador, contra a polícia, que matou 12 jovens em uma favela. Eles tinham entre 17 e 25 anos.
A secretaria da Segurança Pública chegou a dizer que dos 12 mortos, nove tinham antecedentes criminais. Depois corrigiu a informação dizendo que eram dois.
“E a polícia invariavelmente irá justificar esses assassinatos. Ela diz que são bandidos com passagem pela polícia, como se justificasse, pessoas que têm passagem pela polícia serem mortas. Nós não temos pena capital aqui, mas parece que está instituída a pena capital”, declara Hamilton dos Santos, movimento Reaja ou Será Mortx.
“Primeiro, uma ação policial que mata 12 pessoas é uma ação desastrosa. Neste caso, há vários indícios de que houve uma execução sumária”, diz Alexandre Ciconello, assistente da Anistia Internacional.
A polícia diz que a perícia já foi feita, mas os moradores encontraram a cápsula de uma bala e as roupas dos jovens mortos. “Eles renderam os meninos, pegou um por um, trouxe pra cá e depois matou na frente da viatura e jogaram no mato e tiraram as roupas e trocaram de roupa”, conta um morador.
No hospital, policiais fotografaram os corpos dos 12 jovens, os mortos aparecem vestidos com fardas do exército. Segundo a polícia é um indicio de que se tratava de um grupo criminoso, organizado e bem equipado.
No depoimento, os nove PMs envolvidos nas mortes dizem que foram recebidos a tiros pelo grupo que planejava explodir um caixa eletrônico.
“É preciso que estas pessoas que testemunharam o fato compareçam a unidade para que a gente também consiga ampliar as alegações de ambas as partes. Até que nos provem o contrário nós ficamos com as palavras dos nossos policiais. A investigação está aberta e nós temos 30 dias para verificar se estas palavras que foram colocadas, se a forma como os policiais contaram esta história procede ou não”, afirma Maurício Barbosa, secretário de Segurança Pública da Bahia.
O secretário conta a versão dos policiais. “Eles receberam o informe de movimentação suspeita naquele local. Ao chegarem no local, se depararam com uma grande quantidade de criminosos armados, fardados com roupas do exército, que vieram já atirando contra a guarnição da Polícia Militar”.
Um PM foi ferido de raspão. Um dos policias disse que eles enfrentaram 40 homens armados e que “só estão vivos graças a um milagre de deus”. A polícia mostrou armas, drogas e outros objetos que diz ter apreendido com os jovens. Nas redes sociais também foram mostradas imagens dos corpos que estão muito machucados.
“Nós estamos apurando quem foram as pessoas que tiraram fotos e distribuíram pelas redes sociais, pra que estas pessoas sejam punidas. Isso é crime”, declara o secretário.
São José Rio Preto – São Paulo
Nesta quarta-feira (25) completa um ano da morte de um morador de rua. O caso envolve um policial militar acusado pelo assassinato e fraude na investigação.
Uma jovem repórter da rádio CBN, Josiane Teixeira, esteve na cena do crime e fotografou o policial que teria atirado no morador de rua. As fotos tiradas pela repórter mostram que o PM que matou Bruno estava de folga. O soldado Alexandre Mendes diz que o morador de rua o atacou com uma faca e que por isso atirou em legitima defesa.
Dias depois, Josiane teve acesso às imagens da perícia e levantou suspeitas sobre o caso ao ver uma faca na cena do crime. Nas fotos tiradas por Josiane, duas horas antes da chegada da polícia técnica não há faca na cena do crime.
A persistência da repórter mudou o rumo das investigações. “As provas materiais, principalmente o local do crime, incluindo até a fotografia, as imagens apresentadas pela repórter, serviram pra gente requisitar novas perícias e confrontar a versão apresentada pelo policial militar. E esse conjunto probatório nos serviu de base pra entender que não houve a legítima defesa. Foi um caso de execução e procedemos o formal indiciamento por este crime”, explica Laercio Ceneviva Filho, delegado.
O soldado Alexandre Mendes continua trabalhando normalmente na cidade de Rio Preto. Ele mora em uma casa que fica bem perto do local do crime. O Profissão Repórter tentou contato com ele em casa e no quartel onde ele trabalha.
Guarda do Embaú – Santa Catarina
O Profissão Repórter esteve na Guarda do Embaú uma semana depois do surfista Ricardo dos Santos ser morto a tiros por um policial militar de folga. A comunidade ainda estava em choque.
Ricardinho era especialista em ondas grandes e conheceu o mundo disputando campeonatos, mas sempre voltava para a Guarda do Embaú.
O avo de Ricardinho conta que o policial de folga havia estacionado o carro sobre um cano que precisava de reparos. “Aí a gente pediu pra ele chegar pra frente um pouco. Ele já respondeu e os três tiros começou, foi um atrás do outro, foi assim de repente”, conta.
Luis Paulo Mota Brentano foi preso em flagrante. O soldado tem 25 anos e um histórico de violência. Entrou para a Polícia Militar em 2008, em 2010 agrediu um rapaz que não queria pagar a conta em uma boate. Em 2012, de folga, se envolveu em outra briga e deu uma coronhada na vítima, na época o comando da PM declarou que ele era uma pessoa agressiva que deveria ser retirada das ruas e que não tivesse porte de arma.
Em Joinville, a equipe do Profissão Repórter foi abordada por policiais militares de Santa Catarina, no momento em que tentava falar com familiares do soldado Luis Paulo Mota.
Nossa equipe também tentou entrevistar o comandante do 8º batalhão, onde trabalhava o soldado Mota. A resposta veio por uma mensagem de celular: “O comando só vai se pronunciar quando o caso estiver encerrado”.
Em janeiro, a Polícia Militar de SP formou o 921 novos sargentos. A palavra guerra apareceu duas vezes na formatura.
O tenente coronel Adilson Paes de Souza é autor de um livro que reúne o relato de quatro policiais militares condenados por homicídio. Adilson foi da Polícia Militar de São Paulo por 30 anos e se aposentou em 2012.
“Não é de hoje que nós estamos assistindo um discurso dos próprios policiais se referindo a uma guerra. Esse discurso pode levar a alguns determinados policiais militares, que pertencem a determinados efetivos, a se acharem efetivamente numa guerra. E na lógica da guerra operasse aquela dualidade amigo e inimigo. Tenho que eliminar ou serei eliminado”, diz.
A turma de formandos em janeiro foi batizada com o nome do sargento Alexandre Hiath de Lima, morto em setembro do ano passado.
O sargento foi baleado no rosto por assaltantes que tinham acabado de assaltar um comerciante no bairro do Ipiranga. “Ele amava a profissão. A farda era a segunda pele dele”, declara a viúva de Alexandre.
Em julho do ano passado o sargento Swamy Welder Weigert participava de operação da força tática da PM em Embu das Artes, região metropolitana de SP. “Ele tomou um tiro no olho esquerdo e morreu na hora”, conta a viúva do sargento.
Wagner de Souza Ribeiro foi a última vítima da Polícia Militar em 2014. O caso começou com a explosão de um caixa eletrônico do Banco do Brasil no réveillon. Depois do assalto, Wagner teria fugido por uma rua e entrado em uma casa.
Três policiais foram presos depois que um dos PMs confessou ter executado um bandido desarmado.
Antes da confissão do sargento Marcos Akira, o inquérito falava em ação de legitima defesa dos PMs. “O padrão do boletim de ocorrência, a descrição, são todas iguais, são todas idênticas. Quando existe a confissão de um policial, como houve do sargento Akira, aqueles outros boletins de ocorrência semelhantes ficam sob suspensão, com certeza”, declara Julio Cesar Neves, ouvidor da Polícia de São Paulo.
O sargento confessou que os PMs deram tiros na parede e puseram uma arma na mão dele para forjar uma cena de tiroteio contra bandido.
O caso de tiroteio forjado de maior repercussão, teve como vítima dois pichadores. Os parentes de Alex Dalla Vecchia Costa e Ailton dos Santos se envolveram na investigação para provar que eles não eram assaltante se que não estavam armados como disseram os policiais.
Os PMs acusados foram afastados do patrulhamento e serão indiciados por duplo homicídio. Alex deixou cinco filhos e uma mulher grávida de oito meses. O secretário de Segurança Pública de São Paulo não quis gravar entrevista.
Em nota, afirma que o aumento de número de pessoas mortas pela polícia é uma decorrência do crescimento de 52% no confronto com criminosos e que a redução das mortes é prioridade da secretaria
.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada