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O desempenho econômico da América Latina na primeira década do século XXI foi extraordinário (fatores decisivos: matérias primas valorizadas, câmbio estável, crescimento da China, preço alto do petróleo até 2013 e redução do desemprego). Mas o Brasil (e toda América Latina), mesmo assim, não se livrou das 5 causas da destruição da sociedade civil (quinteto diabólico), que são:
(1) corrupção endêmica (72º no ranking da Transparência Internacional; R$ 120 bilhões de prejuízos gerados apenas pelos grandes escândalos);
(2) desigualdade obscênica (índice Gini 0,51 em 2012; a média dos países com capitalismo avançado e realmente competitivo é de 0,30), que é responsável pelaescolaridade anêmica (média de 7,2 anos de estudos, igual a Zimbábue), oanalfabetismo (9% da população) e o “servilismo” acrítico;
(3) pobreza sistêmica (18% da população, em 2013; 5,9% em situação de extrema pobreza – Cepal; 79º no IDH);
(4) violência epidêmica (12º país mais violento do planeta com 29 assassinatos para cada 100 mil pessoas); e
(5) fraqueza institucional astênica, daí decorrendo, desde logo, a insegurança pública (chamada de insegurança cidadã, em praticamente toda região), sobretudo porque aqui não existe a certeza do castigo.
O caráter sistêmico desse “quinteto” requer que sua complexidade seja abordada mediante instrumentos que vêm sendo discutidos há anos. Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgados em 2015 mostram que 167 milhões de latino-americanos, ou 28,1% dos habitantes da região, estavam na condição de pobreza em 2013 – rigorosamente o mesmo índice registrado um ano antes. O número de brasileiros situados em um quadro de pobreza, no entanto, continuou diminuindo: passou de 18,6% em 2012 para 18% em 2013 (mas eram 36,4% em 2005). A situação do Brasil difere dos demais países da região. Houve, no entanto, elevação de 5,4% para 5,9% na quantidade de brasileiros que vivem em situação de extrema pobreza entre 2012 e 2013 (esse índice estava em 10,7% em 2005), segundo os critérios da Cepal. Reduzimos o nível de pobreza assim como o da desigualdade, mas isso não elevou significativamente a posição do Brasil no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que continua na posição 79.
Comparando-se a primeira década do século XXI com a última do século XX, não há dúvida que conquistamos economias melhor posicionadas, democracias eleitorais (meramente formais) mais consolidadas e mais consciência do quanto vale a pena ser mais responsável pela proteção social. Mas do quinteto mortífero diabólico (corrupção, desigualdade e analfabetismo, pobreza, violência e insegurança pública) nós não nos livramos. A rápida bonança financeira não foi acompanhada pela estruturação de políticas públicas eficientes de combate aos malefícios nefastos do quinteto referido. O medo e a sensação de impotência, que constituem a base da instabilidade social, que agrava a falta de legitimidade substancial dos representantes políticos, tendem a piorar nos próximos meses. Os roubos triplicaram nas últimas três décadas; 1 em cada 10 latino-americanos foram vítimas de violência intrafamiliar; quase 500 pessoas (maciça maioria de mulheres) são vítimas de crimes sexuais diariamente na região (veja Heraldo Muñoz, 15/1/13).
Ao medo e sensação de impotência que imobilizam as atividades das pessoas deve ser somada a desesperança com o futuro, que está nas mãos de lideranças nacionais (políticas e jurídicas) ou despreparadas para os enormes desafios ou inteiramente corrompidas pelo sistema perverso de dominação, que canaliza todos os capitais (econômicos, salariais, rendas, culturais, educacionais, emocionais, relacionais, linguísticos, eleitorais etc.) apenas para uma pequena elite (reproduzindo-se ad aeternum a desigualdade extrema). Somos menos pobres, um pouco menos desiguais e temos democracias eleitorais estáveis, porém, com índices de insegurança pública subindo absurdamente. Por quê?
Porque nunca soubemos criar no Brasil uma democracia cidadã, ou seja, não fazemos o que vem dando certo em outros países: (1) a prevenção primária (não cuidamos das raízes do crime, das suas causas), tal como se faz nos países escandinavos, por exemplo (países altamente civilizados de capitalismo distributivo: excelente escolaridade, alta renda per capita e baixa desigualdade, com forte índice de certeza do castigo), nem (2) a prevenção secundária desenvolvida nos EUA (obstáculos ao crime: mais policiais, saneamento rigoroso das polícias – exclusão dos corruptos, bons salários e boas condições para se trabalhar -, policiamento massivo nas “nas zonas quentes”, blitz generalizada e contínua, alto índice de certeza do castigo etc.) nem (3) prevenção por meio da escolarização massiva de período integral + alto índice de certeza do castigo, como conseguiram a Coreia do Sul, Cingapura, Japão, Canadá, Alemanha etc. Nem (4) a prevenção moral e ética (ética que ensina o respeito ao outro ser humano, como é o caso dos países que seguem fortes doutrinas filosóficas, como a de Confúcio, no Oriente, fundadas no princípio ético da ahimsa, que significa não ferir, não maltratar, não ofender, não matar (salvo em situações de extrema necessidade).
Nenhum desses programas exitosos fortemente redutores da criminalidade e da violência (e que são praticados em várias partes do mundo) aqui encontrou qualquer tipo de ressonância. O Brasil está na contramão do mundo! Quem planta corrupção endêmica, desigualdade e analfabetismo sistêmicos, pobreza pandêmica, violência epidêmica e segurança pública anêmica só pode colher insatisfação, indignação, revoltas, protestos, contestações, dilaceração do tecido social, esgarçamento da coesão social, sociedade civil anômica e desesperança com o futuro. Esse é o abismo profundo em que se encontra o invertebrado Brasil de 2015. As patéticas lideranças nacionais estão brincando com fogo.
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