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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-futuro-do-direito-penal,48177.html

INTRODUÇÃO


A futurologia do Direito Penal é um tema sempre presente nas cadeiras acadêmicas, especialmente, por conta do sensível crescimento da criminalidade e sua respectiva repercussão na mídia e, consequentemente, na sociedade. Esta, por sua vez, acredita que a solução residiria na maior quantidade de pena a ser aplicada ao sentenciado ou ainda um maior encaminhamento de pessoas ao cárcere.
No entanto, não há muita produção científica acerca do futuro do direito penal, de forma que a presente pesquisa se norteou, basicamente, por quatro notáveis obras, quais sejam: “O Futuro do Direito Penal” de Enrique Gimbernat Ordeig, “A Expansão do Direito Penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais” de Jesús-María Silva Sánchez,”Estudos de Direito Penal” de Claus Roxin e, por fim, “Direito Penal supra-individual: interesses difusos”, de Renato de Mello Jorge Silveira.
Importa dizer que, dentre vários assuntos, as quatro obras aqui mencionadas também convergem para uma preocupação comum, a saber: Tem futuro do Direito Penal? Neste sentido, tentaremos com base nos elementos presentes e atuais abordar a evolução de certos tópicos do direito penal, no intuito de responder tal questionamento.
Para tanto, esse trabalho pinça temas relevantes abordados nas pesquisas dos citados autores e, comedidamente, apresenta algumas conclusões e expectativas diante do ordenamento brasileiro. 
1. DO FUTURO DO SISTEMA DE PENAS
Ordeig inicia sua argumentação com a proposição da possibilidade de uma pena desprovida de culpabilidade. Antes de tudo, convém destacar que se entende por culpabilidade a reprovação que se faz ao autor do delito porque, por sua livre e consciente vontade, decidiu em agir ilicitamente, apesar da possibilidade de eleger o caminho lícito. Neste sentido, os atuais críticos do Direito Penal estão de acordo com a maioria dos que se ocupam da dogmática penal na questão de que o Direito Penal somente encontra justificações a partir da fundamentação do livre-arbítrio[1].
Vale lembrar que um Direito Penal não fundado no livre-arbítrio seria um Direito Penal no qual não teria vigência o princípio da culpabilidade. Isto porque a pena, como não teria por base a culpabilidade, seria aplicada por conta da periculosidade do agente, ou seja, migraríamos do Direito Penal do Fato para o Direito Penal do Autor. Neste, todavia, admitir-se-iam os mais severos castigos por delitos de pouca importância, executados por um agente com tendência de delinqüir e que poderiam permanecer impunes crimes de maior gravidade, contanto que estes tivessem sido cometidos por delinqüentes com uma prognose favorável[2]. De fato,
(...) seria, enfim, um Direito Penal fundado numa idéia que, definitivamente, apenas pode ser realizada por um Estado autoritário e que em seu desenvolvimento conseqüente leva ao ilimitado Direito de prevenção do Estado autoritário e ao desprezo da dignidade humana[3].
Segundo Ordeig, a ciência do Direito Penal reconhece a argumentação de que poderia se conceber a idéia de pena sem culpabilidade e de que este reconhecimento poderia, na chamada “teoria do dominó”, levar ao desmoronamento em cadeia, que leva finalmente à derrubada da própria ciência do Direito Penal, visto que a dogmática penal sempre sublinhou que a culpabilidade é pressuposto indispensável da pena.
 Entretanto, cumpre observar que se fundar na idéia de livre-arbítrio, é tentar provar o impossível, porquanto indemonstrável se determinada pessoa, em uma especifica situação, teria cometido livremente ou não um delito.
Ordeig sugere a seguinte questão: tendo em vista que uma psicanalista, com a devida colaboração do paciente, no sentido de fazer com este supere suas inibições e, depois de vários anos de tratamento psicoterapêutico, não tem condições de categoricamente afirmar e constatar com absoluta precisão quais foram ou seriam os fatores que determinaram um comportamento anormal e criminoso, como poderá conseguir um não-especialista (um juiz) no tempo muitíssimo mais limitado de que dispõe?  Logo, para Ordeig, haja vista que a conduta se reveste de uma multiplicidade de elementos, os quais extrapolam as possibilidades humanas de abarcá-los e de averiguá-los como atuaram no caso concreto, pode-se concluir que um “homem – com seus sempre limitados conhecimentos – não pode julgar outro homem”.  
Diante de tais informações, é forçoso admitir que fundamentar o Direito Penal no indemonstrável livre-arbítrio, ao menos no que toca ao caso concreto e relativamente a cada delinqüente, é, pois, batalha perdida de antemão[4].
Na mesma esteira, Jescheck leciona que “é inimaginável uma sentença judicial capaz de ter em conta até o último de todos os elementos que influíram na formação da vontade do autor.”[5]Mais adiante, o citado autor conclui que:
“Por isso, a reprovação da culpabilidade contra o individuo apenas é possível de ser formulada assim: o autor, na situação em que se encontrava, podia agir de outro modo, no sentido de que, segundo nossa experiência com as pessoas, outro em seu lugar, aplicando a força de vontade que possivelmente tenha faltado ao autor, teria agido de outro modo na situação concreta. Mas a questão de se o acusado podia contribuir com a necessária força de vontade e de que modo prevaleceu na relação espiritual de forças que foi aplicada tem de ficar sem resposta.”[6] 
Aqui se faz necessário registrar que, com todo respeito aos argumentos de Jescheck, não concordamos com a idéia de que outra pessoa faria de forma diferente e ainda lícita. Parece-nos que tal concepção caminha para a falida justificativa do homem médio. Explicamos.
Pensamos que o direito como um todo não deve se ocupar da idéia de homem médio, diante da instabilidade do próprio critério, uma vez que todos nós somos direta e continuamente influenciados por diversos culturais, temporais, sociais, e, por tal razão, estabelecer um homem médio em abstrato é outra tarefa perdida de antemão.
Quanto à finalidade da pena, Claus Roxin, que também não acolhe a justificativa do livre arbítrio, registra que:
“A imposição da pena está justificada se se consegue harmonizar sua necessidade para a comunidade jurídica com a autonomia da personalidade do delinqüente que deve ser assim mesmo garantida pelo Direito. De nenhum modo excluem-se entre si estes dois pontos de vista, como com freqüência se supõe. Pois se o Estado deve assegurar ao cidadão seus bens jurídicos, o reverso é que todo membro da comunidade deve fazer, por sua vez, o que seja necessário para cumprir esta tarefa comum, isto é: para a manutenção, da ordem, deve suportar sobre si mesmo a pena necessária, do mesmo modo que, por exemplo, deve suportar o dever do serviço militar ou de pagar impostos, sem que por isso seja atingido em sua dignidade humana.”[7]
É cediço que a concepção funcionalista capitaneada por Roxin, no sentido de que a finalidade precípua da pena é a proteção de bens jurídicos e harmonia do sistema jurídico, nos parece ser melhor opção que a justificação volitiva do agente que optou pelo mal. Contudo, precisamos reconhecer as chamadas teses psicanalíticas, as quais, ao colocarem em dúvida a culpabilidade do sujeito, trariam consigo a supressão da pena e, em geral, do Direito Penal.
Dessa forma, Ordeig justifica que psicanálise não priva o Direito Penal de suas bases; ao contrário, ela oferece uma explicação do Direito Penal. Para citado autor, do mesmo modo que a consciência, o superego da criança forma-se reagindo com a privação de afeto (pela punição), diante do comportamento desejado[8], expressando mais corretamente, forma-se mediante a introjeção pela criança dessas exigências e desejos que lhe são dirigidos, assim também a sociedade tem de recorrer à ameaça com uma pena pra conseguir – criando medos reais que logo são introjetados de geração em geração mediante o processo educativo – que se respeitem, no possível, as normas elementares e imprescindíveis de convivência humana.
Mitscherlich, citado por Ordeig, chama a atenção de que:
“O homem apenas mediante renúncias aos impulsos pode adaptar-se a qualquer sociedadeimaginável. Apenas pode converter-se num membro suportável da sociedade mediante a aquisição do controle de suas necessidades impulsivas, um controle sempre relativo que obriga à postergação e, sob determinadas condições, à renúncia a um desejo.”[9]
Dessa forma, nota-se que a finalidade da pena, para a concepção psicanalítica, cumpre uma função diferente daquela que se fundamenta na autodeterminação do agente, por meio do livre arbítrio, de modo que a pena já não mais serve então para retribuir uma culpabilidade inexistente ou, pelo menos, indemonstrável no caso concreto.
Para fins didáticos, da mesma maneira que o pai pune o filho pequeno – evidentemente desprovido de culpabilidade – quando se comporta mal, com o fim de, mediante a privação de afeto, forçar-lhe a reprimir aqueles impulsos cuja satisfação prejudicam a criança ou aos demais, assim também a sociedade, ainda que não se possa constatar se o comportamento proibido tem sua origem numa livre decisão de vontade, o Estado tem de acudir à pena para reforçar àquelas proibições cuja observância é absolutamente necessária, para evitar, na maior medida possível, a execução de ações que atacam as bases da convivência social, para conferir enfim a tais proibições – com a ameaça e com a execução da pena quando não sejam respeitadas – um especial vigor que eleve na instância do efeito inibidor.
Portanto, num direito penal assim concebido, a pena é algo racional e razoável, visto que permite que o Estado garanta a expectativa de convivência entre homens, porquanto as penas sejam eficazes para reintegrar o condenado na sociedade, pelo menor dano possível. E mais, um direito penal não baseado no livre-arbítrio leva em conta a gradação da violação do bem jurídico protegido pelo âmbito da norma e difere as infrações culposas das dolosas.
Nesse sentido, verifica-se uma grande diferença entre pensar que a pena pode impor-se com a boa consciência, porque é justa retribuição pelo dano livremente causado, e conceber a pena como uma amarga necessidade dentro da comunidade de seres imperfeitos, que são os homens.
Um direito penal que respeita os valores do Estado Democrático e Humanista de Direito positivados ou não pela nossa Constituição deve se orienta pela culpabilidade aferida caso-a-caso, isto é, no plano concreto e isoladamente considerado, em prestígio e reconhecimento à dignidade da pessoa humana.
Por fim, a concepção psicanalítica parece-nos se aproxima de uma justificação utilitarista da pena, isto é, a pena é um mal necessário. Acreditamos que tal proposição é, de certa forma, admitida pelas teses funcionalistas, para as quais, em última análise, a pena busca apenas a inocuização/neutralização do autor de um delito, ou seja, a função de prevenção negativa que busca a segregação do delinqüente, com o fim de neutralizar a possível nova ação delitiva. É a chamada Inocuização que Von Listz apresentou em seu Programa de Marburgo em 1882. Dizia o renomado autor que
“[...] a luta pela delinqüência habitual pressupõe um exato conhecimento da mesma. Esse conhecimento ainda hoje nos falta. Trata-se, com efeito, somente de um elo dessa corrente, frise-se, o mais perigoso e significativo, de manifestações patológicas da sociedade que nós comumente agrupamos sob a denominação de proletariado. Mendigos e vagabundos, indivíduos alcoolizados e dados a prostituição, sujeitos de vida errante e desonestos, degenerados física e espiritualmente, que concorrem todos os dias para a formação do exército dos inimigos capitais da ordem social, exército cujo Estado maior parece formado por delinqüentes habituais”.[10] 

Infelizmente, a nosso ver, tudo indica para um direito penal do futuro que submeta um grande número de pessoas a penas desproporcionais, que marginalizam socialmente os condenados e que se divorcia dos objetivos de integração e ressocialização da pena, que se justifica apenas e tão-somente pela necessidade de punir, pela neutralização, em especial, porque a sociedade tem aceitado arcar com os elevados custos da manutenção de sistemas carcerários, desde que o delinquente seja excluído e mantido distante dos centros populacionais...

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