Informe anual da Anistia Internacional criticou duramente os governos por sua falta de resposta às demandas sociais. “De Nova York e Moscou a Londres e Atenas, de Dakar e Kampala a La Paz e Cuernavaca, de Phom Penh a Toquio, as pessoas saíram às ruas. Foi patente o contraste entre a valentia dos que exigem direitos e a incapacidade dos líderes para responder com medidas concretas”, assinalou o secretário geral Salil Shetty”.
Marcelo Justo - De Londres
Londres - Em meio à crise econômica e política no mundo árabe e na União Europeia o informe anual da Anistia Internacional criticou duramente os governos por sua falta de resposta às demandas sociais. “De Nova York e Moscou a Londres e Atenas, de Dakar e Kampala a La Paz e Cuernavaca, de Phom Penh a Toquio, as pessoas saíram às ruas. Foi patente o contraste entre a valentia dos que exigem direitos e a incapacidade dos líderes para responder com medidas concretas”, assinalou o secretário geral da Anistia Internacional Salil Shetty”.
O informe global 2012 da organização de direitos humanos com sede em Londres envolve desde as rebeliões que sacudiram o mundo árabe a partir da imolação de um vendedor ambulante tunisiano no início do ano passado até as manifestações contra os programas de austeridade que sacodem o mundo desenvolvido. “A crise econômica expôs uma ruptura do pacto social entre o governo e a cidadania. No melhor dos casos, os governos se mostraram indiferentes. Muitas vezes só se preocuparam em proteger os poderosos”, destacou Shetty.
No mundo árabe esse pacto social era uma quimera que só começou a aparecer com o começo da rebelião. “A resposta dos governos à Primavera Árabe foi brutal e o Ocidente se preocupou mais em manter o status quo do que em promover a democracia, tudo agravado por uma retórica crescentemente xenófoba da União Europeia ante o considerável número de refugiados que começaram a chegar do norte da África. Hoje a Primavera Árabe está se convertendo em muitos aspectos em um inverno”, disse à Carta Maior Javier Zuñiga, assessor do secretário geral da Anistia Internacional.
O Egito é um caso paradigmático. Divulgado no mesmo dia das eleições presidenciais nesse país, o informe assinala que os ideais revolucionários estão em perigo. O Conselho Supremo das Forças Armadas, que assumiu o poder após a queda de Hosni Mubarak, com a promessa de dirigir a transição, processou ou levou aos tribunais mais de 12 mil civis, muito mais do que ocorreu durante os 30 anos do governo de Mubarak.
As mulheres foram especialmente afetadas. Em março de 2011, as forças de segurança obrigaram um grupo de detidas em uma manifestação a submeter-se a “provas de virgindade”. A Anistia Internacional destaca que um tribunal administrativo egípcio determinou que tais provas não tinham valor legal, mas quando a organização pediu aos partidos políticos que se comprometessem a proteger princípios básicos de direitos humanos, os dois partidos que obtiveram a maioria dos votos nas eleições parlamentares se negaram a fazê-lo. O Partido da Liberdade e da Justiça, da Irmandade Muçulmana, que conseguiu 235 cadeiras (47%), não respondeu à petição e o partido salafista Al Nur, que ficou em segundo lugar com 121 cadeiras (24%), negou-se a promover os direitos das mulheres ou a abolição da pena de morte.
Austeridade, multinacionais e direitos humanos
A Anistia Internacional é igualmente dura com os países desenvolvidos e sua resposta à crise econômica. Coerente com a extensão feita do conceito de direitos humanos para o campo econômico e social, em seu informe de 2009, a Anistia critica “as políticas internas que levaram à persistente crise econômica e a uma grande tolerância com a desigualdade”. Os protestos na Europa e na América do Norte mostraram que “as pessoas perderam a fé nos governos que desprezaram várias vezes a prestação de contas, a justiça e a promoção da igualdade”. Esta crescente deslegitimação teve um claro impacto político: desde o início da crise da dívida, 16 países dos 27 que formam a União Europeia mudaram de governo.
Dada a profundidade da crise, a legitimidade dos novos governos não dura muito e diminui ainda mais com a repressão policial dos protestos. “Na Grécia, a polícia utilizou reiteradamente força excessiva e fez amplo uso de produtos químicos contra pessoas que protestavam pacificamente. Na Espanha, houve um uso excessivo da força contra manifestações que pediam mudanças políticas, econômicas e de política social”, assinala o secretário geral da Anistia Internacional.
Este “singular fracasso da liderança nacional e internacional” é também evidente, segundo o informe, no crescente poder das multinacionais para evitar toda regulação e obter benefícios a custa das comunidades locais. “Desde a Shell, no delta do Níger, até a Vedanta Resources, em Orissa, Índia, os governos não garantem que, minimamente, as empresas respeitem os direitos humanos. Em muitos países, centenas de milhares de pessoas são alvo de remoção forçada quando chegam as empresas mineradoras e reclamam as terras onde há recursos naturais”, diz ainda o secretário geral Salil Shetty.
A Anistia elogia o papel das novas tecnologias na democratização, mas critica muitas de suas empresas. “Ficou demonstrado que empresas que, aparentemente, se dedicam à expressão e ao intercâmbio de opiniões (e se beneficiam disso), como Facebook, Google, Microsoft, Twitter, Vodafone e Yahoo, estão colaborando na promoção de violações de direitos humanos”, acrescenta o secretário geral.
Sobre a América Latina, a Anistia Internacional destaca que a demanda por direitos humanos foi ouvida por toda a região durante 2011: nos tribunais nacionais, no sistema interamericano e nas ruas. “As petições de justiça realizadas por cidadãos individuais, defensores e defensoras dos direitos humanos, organizações da sociedade civil e povos indígenas seguiram ganhando força e, frequentemente, foram encaminhadas por setores que realizavam enfrentamento direito com poderosos interesses econômicos e políticos”, diz Shetty.
Os contextos políticos mais dramáticos dessas mobilizações se deram com os massacres promovidos pelo narcotráfico no México (mais de 12 mil mortes no ano passado) ou pelo conflito armado na Colômbia. No caso do Brasil, o elevado índice de criminalidade violenta e as práticas das forças de segurança foram os pontos mais ressaltados pela Anistia que destacou que o atentado contra a juíza Patricia Acioli “mostra o alcance e a confiança com que operam as milícias”. A isso, soma-se a expulsão, frequentemente violenta, de grupos indígenas de suas terras tanto no Brasil, como na Colômbia, Guatemala ou México. “Às vezes multinacionais, outras vezes grupos nacionais, iniciam explorações petroleiras, mineiras ou de recursos florestais sem respeitar os direitos indígenas e das comunidades que vivem no lugar”, disse Javier Zuñiga à Carta Maior.
Uma nova oportunidade
Segundo a Anistia, os governos terão uma nova oportunidade, em julho de 2012, de reverter essa situação e mostrar uma nova liderança quando se reunirem para acordar o texto definitivo do tratado para o comércio de armas. “Um tratado sólido impediria a transferência internacional de todo tipo de armas convencionais, incluindo as armas pequenas, armas leves, munição e componentes-chave, para países onde exista um risco provável de que sejam utilizadas para cometer graves violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos. Para atingir esse objetivo, o tratado exigiria que os governos realizassem uma rigorosa avaliação do risco para os direitos humanos antes de conceder uma licença de exportação de armas”, assinala Sajil.
No informe, a Anistia é cética. Em 2010, pelo menos 70% do total das exportações importantes de armas corresponderam aos seguintes países: Estados Unidos (30%), Rússia (23%), França (8%), Reino Unido (4%) e China (3%). “ Em todo o mundo, o fluxo irresponsável de armas procedentes destes cinco países causou inúmeras mortes de civis e outras graves violações dos direitos humanos e das leis da guerra”, enfatizou o secretário geral da organização Salil Shetty.
O informe global 2012 da organização de direitos humanos com sede em Londres envolve desde as rebeliões que sacudiram o mundo árabe a partir da imolação de um vendedor ambulante tunisiano no início do ano passado até as manifestações contra os programas de austeridade que sacodem o mundo desenvolvido. “A crise econômica expôs uma ruptura do pacto social entre o governo e a cidadania. No melhor dos casos, os governos se mostraram indiferentes. Muitas vezes só se preocuparam em proteger os poderosos”, destacou Shetty.
No mundo árabe esse pacto social era uma quimera que só começou a aparecer com o começo da rebelião. “A resposta dos governos à Primavera Árabe foi brutal e o Ocidente se preocupou mais em manter o status quo do que em promover a democracia, tudo agravado por uma retórica crescentemente xenófoba da União Europeia ante o considerável número de refugiados que começaram a chegar do norte da África. Hoje a Primavera Árabe está se convertendo em muitos aspectos em um inverno”, disse à Carta Maior Javier Zuñiga, assessor do secretário geral da Anistia Internacional.
O Egito é um caso paradigmático. Divulgado no mesmo dia das eleições presidenciais nesse país, o informe assinala que os ideais revolucionários estão em perigo. O Conselho Supremo das Forças Armadas, que assumiu o poder após a queda de Hosni Mubarak, com a promessa de dirigir a transição, processou ou levou aos tribunais mais de 12 mil civis, muito mais do que ocorreu durante os 30 anos do governo de Mubarak.
As mulheres foram especialmente afetadas. Em março de 2011, as forças de segurança obrigaram um grupo de detidas em uma manifestação a submeter-se a “provas de virgindade”. A Anistia Internacional destaca que um tribunal administrativo egípcio determinou que tais provas não tinham valor legal, mas quando a organização pediu aos partidos políticos que se comprometessem a proteger princípios básicos de direitos humanos, os dois partidos que obtiveram a maioria dos votos nas eleições parlamentares se negaram a fazê-lo. O Partido da Liberdade e da Justiça, da Irmandade Muçulmana, que conseguiu 235 cadeiras (47%), não respondeu à petição e o partido salafista Al Nur, que ficou em segundo lugar com 121 cadeiras (24%), negou-se a promover os direitos das mulheres ou a abolição da pena de morte.
Austeridade, multinacionais e direitos humanos
A Anistia Internacional é igualmente dura com os países desenvolvidos e sua resposta à crise econômica. Coerente com a extensão feita do conceito de direitos humanos para o campo econômico e social, em seu informe de 2009, a Anistia critica “as políticas internas que levaram à persistente crise econômica e a uma grande tolerância com a desigualdade”. Os protestos na Europa e na América do Norte mostraram que “as pessoas perderam a fé nos governos que desprezaram várias vezes a prestação de contas, a justiça e a promoção da igualdade”. Esta crescente deslegitimação teve um claro impacto político: desde o início da crise da dívida, 16 países dos 27 que formam a União Europeia mudaram de governo.
Dada a profundidade da crise, a legitimidade dos novos governos não dura muito e diminui ainda mais com a repressão policial dos protestos. “Na Grécia, a polícia utilizou reiteradamente força excessiva e fez amplo uso de produtos químicos contra pessoas que protestavam pacificamente. Na Espanha, houve um uso excessivo da força contra manifestações que pediam mudanças políticas, econômicas e de política social”, assinala o secretário geral da Anistia Internacional.
Este “singular fracasso da liderança nacional e internacional” é também evidente, segundo o informe, no crescente poder das multinacionais para evitar toda regulação e obter benefícios a custa das comunidades locais. “Desde a Shell, no delta do Níger, até a Vedanta Resources, em Orissa, Índia, os governos não garantem que, minimamente, as empresas respeitem os direitos humanos. Em muitos países, centenas de milhares de pessoas são alvo de remoção forçada quando chegam as empresas mineradoras e reclamam as terras onde há recursos naturais”, diz ainda o secretário geral Salil Shetty.
A Anistia elogia o papel das novas tecnologias na democratização, mas critica muitas de suas empresas. “Ficou demonstrado que empresas que, aparentemente, se dedicam à expressão e ao intercâmbio de opiniões (e se beneficiam disso), como Facebook, Google, Microsoft, Twitter, Vodafone e Yahoo, estão colaborando na promoção de violações de direitos humanos”, acrescenta o secretário geral.
Sobre a América Latina, a Anistia Internacional destaca que a demanda por direitos humanos foi ouvida por toda a região durante 2011: nos tribunais nacionais, no sistema interamericano e nas ruas. “As petições de justiça realizadas por cidadãos individuais, defensores e defensoras dos direitos humanos, organizações da sociedade civil e povos indígenas seguiram ganhando força e, frequentemente, foram encaminhadas por setores que realizavam enfrentamento direito com poderosos interesses econômicos e políticos”, diz Shetty.
Os contextos políticos mais dramáticos dessas mobilizações se deram com os massacres promovidos pelo narcotráfico no México (mais de 12 mil mortes no ano passado) ou pelo conflito armado na Colômbia. No caso do Brasil, o elevado índice de criminalidade violenta e as práticas das forças de segurança foram os pontos mais ressaltados pela Anistia que destacou que o atentado contra a juíza Patricia Acioli “mostra o alcance e a confiança com que operam as milícias”. A isso, soma-se a expulsão, frequentemente violenta, de grupos indígenas de suas terras tanto no Brasil, como na Colômbia, Guatemala ou México. “Às vezes multinacionais, outras vezes grupos nacionais, iniciam explorações petroleiras, mineiras ou de recursos florestais sem respeitar os direitos indígenas e das comunidades que vivem no lugar”, disse Javier Zuñiga à Carta Maior.
Uma nova oportunidade
Segundo a Anistia, os governos terão uma nova oportunidade, em julho de 2012, de reverter essa situação e mostrar uma nova liderança quando se reunirem para acordar o texto definitivo do tratado para o comércio de armas. “Um tratado sólido impediria a transferência internacional de todo tipo de armas convencionais, incluindo as armas pequenas, armas leves, munição e componentes-chave, para países onde exista um risco provável de que sejam utilizadas para cometer graves violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos. Para atingir esse objetivo, o tratado exigiria que os governos realizassem uma rigorosa avaliação do risco para os direitos humanos antes de conceder uma licença de exportação de armas”, assinala Sajil.
No informe, a Anistia é cética. Em 2010, pelo menos 70% do total das exportações importantes de armas corresponderam aos seguintes países: Estados Unidos (30%), Rússia (23%), França (8%), Reino Unido (4%) e China (3%). “ Em todo o mundo, o fluxo irresponsável de armas procedentes destes cinco países causou inúmeras mortes de civis e outras graves violações dos direitos humanos e das leis da guerra”, enfatizou o secretário geral da organização Salil Shetty.
Tradução: Katarina Peixoto
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