Decreto recente regulamenta acesso aos documentos remanescentes da repressão política. CPI da ALMG iniciou o processo.
A história da ditadura militar no Brasil foi permeada pelo silêncio, sob a alegação dos governos autoritários de que se estava garantido a segurança nacional. O período de exceção (1964 a 1985) contabilizou cerca de 50 mil brasileiros detidos apenas nos primeiros meses do regime, 10 mil exilados, 130 banidos do País, 4.862 tiveram cassados os seus mandatos e direitos políticos, centenas foram mortos e outros considerados desaparecidos, segundo o livro-relatório Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Desde a redemocratização, movimentos sociais lutam para que as informações sobre a ditadura se tornem, de fato, públicas. O Decreto Estadual 46.143, editado no dia 30 de janeiro de 2013, vem justamente regulamentar a Lei 13.450, de 2000, que dispõe sobre a transferência da documentação remanescente do extinto Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (Dops-MG) para o Arquivo Público Mineiro (APM). A norma é um dos desdobramentos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) instaurada em 1998 para apurar denúncias sobre a incineração dos arquivos originais.
De acordo com o decreto, os documentos a serem tombados foram produzidos entre 1964 e 1985, e encontram-se sob a guarda da Polícia Civil. A documentação proveniente do Dops é a que mais tem chamado a atenção. O departamento foi responsável por investigar e reprimir as atividades políticas consideradas “subversivas” ao longo dos “anos de chumbo”. Também há arquivos relativos à Coordenação de Segurança Pública (Coseg), então vinculada à também extinta Secretaria de Estado de Segurança Pública. Desde 2003, a Polícia Civil integra a estrutura da Secretaria de Estado de Defesa Social.
Quase 13 anos depois, os documentos a serem encaminhados pela Polícia Civil irão se juntar aos 98 rolos de microfilmagem, às 56 fotos avulsas e às 924 fichas de identificação policial entregues ao Arquivo Público Mineiro em 1998, conforme recomendação da CPI. Um único rolo de microfilme possui cerca de 4 mil fotogramas, sendo que cada um deles constitui um documento diferente. O material é composto de relatórios e fichas policiais, mandados de prisão, atestados de antecedentes político-sociais, depoimentos, materiais de propagandas, recortes de jornais, dentre outros. O acervo foi totalmente digitalizado e pode ser consultado no site da instituição desde 2012.
A documentação remanescente não será imediatamente aberta ao público. Segundo o servidor do Arquivo Público Mineiro Denis Soares da Silva, os arquivos devem ser conferidos, inventariados e catalogados antes de serem disponibilizados para consulta. Contudo, o acervo já se encontra franqueado para a Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada para apurar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. A CNV deve examinar os documentos do Dops assim que o processo de transferência for concluído, é o que informou sua assessoria. Se forem encontrados arquivos que interessam aos grupos de trabalho da comissão, os dados serão cruzados com as informações já existentes e poderão ser incluídos no relatório final dos trabalhos, que deve ser finalizado em 2014, ano de encerramento das atividades da CNV, conforme previsão da Lei Federal 12.528, de 2011.
Parcela do acervo ainda é considerada de acesso restrito
Mesmo depois de conquistado o direito de acesso aos documentos, ainda há arquivos que só poderão ser vistos daqui a décadas. Cerca de 2.500 imagens, 1% do acervo, são consideradas de acesso restrito por se tratar de informações de cunho íntimo. Denis Soares afirma que a restrição atende a preceitos constitucionais, como a preservação da imagem, da honra e da intimidade.
O chamado sigilo de guarda dos documentos é de 100 anos, contados da data de sua produção. A documentação já disponível no Arquivo Público Mineiro vai de 1927 a 1982. O documento de número 30 da pasta 4011, que data de 1969, referente à então militante e atual presidente da República Dilma Vana Rousseff, por exemplo, apenas poderá ser acessado pelo público a partir de 2069. Contudo, mediante o preenchimento de formulário próprio, o cidadão poderá solicitar a informação à superintendência do órgão, que avaliará a possibilidade de liberá-la.
Segundo Soares, já há previsão legal para flexibilizar a restrição em casos específicos. Os cidadãos mencionados nos registros, seus familiares, advogados e procuradores constituídos por eles têm direito a obter qualquer informação constante no arquivo, assim como membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, dentre outros agentes do poder público.
O servidor afirmou ainda que, no ensejo da Lei de Acesso à Informação (Lei Federal 12.527, de 2011), está sendo revisada a classificação das imagens consideradas de acesso restrito. “Pode acontecer de passarmos a disponibilizar documentos que atualmente não podem ser vistos por qualquer pessoa”. Além da reavaliação, Soares disse que também está sendo estudada a possibilidade de se abrir um edital para que os cidadãos citados nos documentos e suas famílias possam se manifestar quanto à divulgação na íntegra das informações consideradas restritas hoje.
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