Os rolezinhos, queiram-no ou não, desafiam a naturalização da desigualdade social e racial que está na raiz do caso Pedrinhas.
Por Mayra Cotta* e João Telésforo**
Depois de passarmos o início do ano horrorizadas com as imagens do presídio de Pedrinhas, no Maranhão, começamos na última semana a nos empolgar com os rolezinhos. E é muito interessante que a atenção nacional tenha se voltado a esses dois acontecimentos sucessivamente. Mais interessante ainda, contudo, é que eles não tenham sido evidentemente relacionados em nossas reflexões.
Apesar de as atrocidades ocorridas na penitenciária do Maranhão – que não são particularmente mais violentas que aquelas cometidas contra os outros 550 mil presos pelo país – terem sensibilizado bastante, não se questiona o que a produziu. Recorre-se ao expediente de se despejar toda a culpa na família Sarney. Obviamente, essa e outras velhas oligarquias há décadas ou mesmo séculos encalacradas nos Poderes do Estado têm grande dose de responsabilidade por tragédias como a de Pedrinhas. Porém, o antagonismo muitas vezes implícito entre um Brasil “moderno” e um “arcaico” é plenamente insuficiente para compreender nossas prisões.
A população carcerária brasileira multiplicou-se por seis de 1990 a 2012, período da nossa história comemorado por vários setores como de “modernização”. As nossas prisões talvez sejam o maior retrato de que permanece em voga a modernização conservadora e seletiva, nas palavras do sociólogo Jessé Souza: incapaz de desestruturar velhos mecanismos de exclusão e opressão, bem como as ideologias que o naturalizam.
O presídio é este símbolo de depósito de tudo o que há de errado no mundo. Queremos jogar lá quem trafica, estupra, mata, rouba, bate em mulher, pratica racismo e homofobia. Seguimos confiando na prisão para lidar com os inimigos que elegemos. O grande problema é que o sistema punitivo só tem um inimigo: os pobres da periferia, especialmente os jovens e negros. Ou seja, a galera dos rolezinhos.
Os rolezinhos, queiram-no ou não, desafiam a naturalização da desigualdade social e racial que está na raiz do caso Pedrinhas. Confrontam o apartheid entre lugares de gente rica, branca e "diferenciada", e os reservados para a "ralé" pobre e negra, confinada em espaços de circulação restrita, de que a cadeia é o exemplo mais berrante.
Se nos entusiasmamos tanto com os rolezinhos da juventude da periferia, se entendemos as suas demandas como válidas, precisamos problematizar as apostas políticas no direito penal. Ver os presídios como depósitos de bandidos, marginais, monstros, enfim, de todos com quem não queremos conviver, é aceitar o discurso que desumaniza aquele(a)s atrás das grades. É ignorar que o direito penal é a principal forma de controle de grupos subalternos e a sustentação legal para a ação violenta das polícias: ao fim e ao cabo, não importa quantos novos crimes sejam criados, quem vai acabar preso são os jovens pobres e negros. E pelos mesmos crimes de sempre: tráfico de pequena quantidade de droga (a mesma quantidade que seria considerada consumo para o playboy), furtos sem violência e brigas de rua.
É preciso rechaçar a prisão e pensar novas formas de responsabilização. Fundamental propor instrumentos que se afastem do encarceramento sustentado por um direito penal meramente simbólico para as elites, mas muito concreto para a galera do rolê.
Os brados humanitários por condições "mais dignas" nos presídios, que mais uma vez vêm à tona com a situação do Maranhão, muitas vezes são apenas a manifestação de má consciência de quem não abre mão de aparatos de opressão em massa. A real potência de destruir as Pedrinhas do meio do caminho está na proliferação de rolezinhos, Pinheirinhos e tantos outros atos coletivos de insubordinação subalterna.
*Mayra Cotta é advogada, Mestra em Direito pela UERJ
**João Telésforo é Mestrando em Direito na UnB
Créditos da foto: EBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada