2014 Chegou e é um ano que promete ser marcante: Copa do Mundo de futebol no Brasil e Eleições para presidência e Governo, e cargos do legislativo. Tais acontecimentos costumam trazer um clima de análise e as vezes, muitas vezes, de revolta. Nos revoltamos contra o governo, contra as taxas, impostos, questionamos como viemos parar aqui, o que fizemos para merecermos nascer aqui? E pensamos se há algum país mais corrupto, mais atrasado que o nosso.
Curiosamente, encerrei o ano de 2013 lendo o instrutivo livro 1808* de Laurentino Gomes, que desenvolveu uma pesquisa histórica minuciosa, utilizando-se de fontes variadas, fazendo cruzamento de vários dados, e o mais interessante: publicado com uma escrita didática e acessível ao leitor não historiador. O que tem uma coisa com a outra? Bom, o fato é que lendo 1808, vi muitíssimo nos nossos governantes atuais e no brasileiro comum da corte portuguesa que chegou no Brasil naquele ano e da elite que se formou a partir disto.
Só para começar a situar, Portugal no século XIX não tinha serviço de limpeza urbana, saneamento e hábitos civilizados, nem mesmo um fim salubre aos cadáveres existia, sendo os nobres enterrados nas igrejas e os pobre sem lotes vagos e covas rasas. Estou falando de século XIX, o século das luzes, revolução industrial na Inglaterra, meios de transporte à vapor, todas grandes cidades sendo redesenhadas à luz da modernidade… e a Revolução Francesa ecoando seus ideais por toda parte na Europa, naFrança o campo da arte, cultura se formando como o temos hoje. Paris sendo reconstruída por Haussmann, desenvolvimento científico e filosófico. Em grande parte da Europa o materialismo dominando a supremacia da religião que era absoluta até então… e em Portugal não haviam sequer latrinas nas casas, sendo os dejetos despejados pelas janelas nas ruas. Trabalho escravo era explorado, especialmente nas colônias, a religião ainda reinava suprema, sendo que a inquisição ainda fazia vítimas (situando Portugal na Idade Média, enquanto o Mundo já era moderno) e uma elite totalmente indolente, sobrevivendo da riqueza fácil proporcionada pelas colônias de exploração.
Muito se valorizava o enriquecimento sem trabalho que provinha das aventuras extrativistas no Brasil, ou do tráfico de pessoas para trabalho escravo. A elite era sustentada pela coroa às expensas apenas da extração parasítica das riquezas das colônias. É difícil compreender como foi possível que um holocausto do tamanho que foi o causado pelo tráfego negreiro ser aceito como normal em plena modernidade. A escravidão negra vitimou milhões de pessoas (algumas fontes afirmam 15 milhões), fosse na captura, no transporte ou mesmo nas condições desumanas de vida e trabalho no Brasil e Portugal (só para oferecer um parâmetro – não acho que uma tragédia é maior ou menor que outra, ambas foram horríveis – o holocausto judeu durante a Alemanha nazista vitimou 6 milhões de pessoas – pra percebermos o quanto uma idéia ruim, repetida com convicção e seduzindo multidões, pode ser perniciosa)
Foi nesta mistura de indolência, preconceito religioso e crueldade que se formou a elite brasileira. Quando a corte decidiu fugir pra cá (pressionados entre França e Inglaterra), e permanecendo durante 13 anos, plantou a semente fundamental do que seria o Brasil. Se a corte não tivesse vindo, talvez as pressões separatistas tivessem sido mais fortes, e hoje seríamos não um só país, mas pelo menos 3 países diferentes. Talvez tivéssemos um nordeste não com uma indústria da fome e da seca, da exploração coronelista e sim um país que prosperasse com o Turismo (por que o que há de mais bonito no mundo em questão de praias, se pensarmos em custo benefício: clima, temperatura da água, beleza topográfica está lá). O sudeste provavelmente seria mais ou menos o mesmo que vemos no Brasil em geral – muito por conta da quantidade de portugueses que vieram pra cá sobreviver da riqueza sem trabalho e do imenso contingente da degradante escravidão, e por aí vai…
A corte permaneceu 13 anos no Brasil, garantiu a integridade do território, trouxe ao Rio ares de capital, apesar de que os registros revelam que a cidade era tão suja (ou até mais) e mal cuidada como as metrópoles portuguesas (com todos aqueles problemas de higiene que citei acima e a mesma preguiça geral). E além disso, o abuso do trabalho escravo formou uma população em que 3 em cada 4 pessoas era cativo e um era branco ocioso. Ou seja, massas de oprimidos, que não eram apenas oprimidos silenciosos, como todas minorias se revoltavam e tentavam o tempo todo subverter o sistema, a criminalidade e a tensão social eram grandes. Durante o período, chegou-se a registrar cerca de 22 assassinatos num período de 5 dias. A consequência foi a criação de uma polícia opressora, cruel e extremamente punitiva (autorizada a chicotear escravos em praça pública como punição) – o que por sua vez, aumentava a revolta.
Outro fato curioso é que “os ventos revolucionários” da República, que já sopravam por toda Europa e nos Estados Unidos, não chegaram ao Brasil, onde temos uma “independência” continuísta, monárquica e com forte influência religiosa. Com a mesma família se beneficiando, ficando ainda o Brasil ligado à Portugal e atrasando a civilização.
Engraçado é que lendo a obra que trata de um Brasil de dois séculos atrás, acabamos percebendo que a corrupção, a criminalidade, a falta de educação e sujeira das cidades, não foi um ônus da vida moderna e sim uma herança, continuidade (se preferir uma palavra mais dramática: “Karma”) do que havia aqui desde que o Brasil começa a se firmar com identidade nacional.
Nossos governantes são tão caricatos, que parecem a mesma corte ridicularizada que vemos nos filmes e nas recriações do período de 1808 à 1821: o rei medroso, a rainha louca, a esposa do rei promíscua dada a conspirar contra o marido, todos extremamente mal educados sem a menor consciência do que era público ou privado. Impressionante como honram esta herança, mantendo-se acomodados com o “extrativismo dos cofres públicos” e mesmo assim permanecendo na ignorância e preguiça, já que se tem uma fonte que não seca, pra que melhorar como pessoa ou profissional? O que me faz pensar: será que político é profissional no Brasil? Acho que se vêem meio como celebridades meio como autoridades (ou até nobres na monarquia: acima do bem e do mal), nunca como servidores públicos, que é o que realmente são, então, pra quê se aprimorarem se é possível fazer um “pé de meia” vitalício?
Infelizmente eu não tenho uma pista sequer do que poderia ser feito para reinventar o projeto de nação brasileira. Mas me pergunto: por que estou aqui? O que em mim me identifica com esta cultura que tanto rejeito, pra eu ter nascido neste meio? Em que parte sou responsável pela perpetuação desta cultura? Como extirpar estas características e pensar em um Brasil ético, civilizado e justo? E pensando, já que o karma está adquirido, como me livrar dele? Haveria como o indivíduo vencer o arrastamento cultural?
Tenho gestado estes pensamentos já há um tempo, e pensado na “corrupção nossa de cada dia”, na falta de educação cotidiana e grosseria que se manifesta em nós como povo – claro, com suas devidas exceções e resignificações. Conforme for elaborando, vou compartilhando aqui… em parte por que não acredito em arrastamentos irresistíveis (mesmo que ele tenha anos e anos de história), em parte para saber se há quem pensa sobre isto também e chegou em algum lugar… alguma conclusão, alguma luz…
Fonte: http://cleidescully.wordpress.com/




- Escravo com cicatrizes de flagelos





Fonte: http://cleidescully.wordpress.com/
Desde que comecei a rever no Canal VIVA a minissérie "O Quinto dos Infernos", passei a pesquisar sobre a família real e sua vinda para o Brasil. Fiquei surpresa com tanta coisa ruim advinda daquela família, seus hábitos, costumes e falta de educação, a roubalheira institucionalizada, etc. Em nada eles se assemelham à imagem que temos da nobreza, como a inglesa e tantas outras.
ResponderExcluirÉ realmente o retrato do Brasil atual, que se perpetua desde a vinda desta família tresloucada para o Rio de Janeiro; a farra com o dinheiro público, os marajás, que só largam o poder quando morrem, a exploração, a vilania, e por aí vai. Ah, pobres de nós, herdeiros sem coroa de um reinado podre.
Parabéns, Cleide, pelo excelente texto. Gostaria de continuar lendo seus textos sobre o assunto. Como faço? (Lucia Helena - luciahrio@yahoo.com.br)