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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Por que o Brasil é assim e o que eu tenho a ver com isto? Parte I



2014 Chegou e é um ano que promete ser marcante: Copa do Mundo de futebol no Brasil e Eleições para presidência e Governo, e cargos do legislativo.  Tais acontecimentos costumam trazer um clima de análise e as vezes, muitas vezes, de revolta. Nos revoltamos contra o governo, contra as taxas, impostos, questionamos como viemos parar aqui, o que fizemos para merecermos nascer aqui? E pensamos se há algum país mais corrupto, mais atrasado que o nosso.
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Curiosamente, encerrei o ano de 2013 lendo o instrutivo livro 1808* de Laurentino Gomes, que desenvolveu uma pesquisa histórica minuciosa, utilizando-se de fontes variadas, fazendo cruzamento de vários dados, e o mais interessante: publicado com uma escrita didática e acessível ao leitor não historiador. O que tem uma coisa com a outra? Bom, o fato é que lendo 1808, vi muitíssimo nos nossos governantes atuais e no brasileiro comum da corte portuguesa que chegou no Brasil naquele ano e da elite que se formou a partir disto.
Só para começar a situar, Portugal no século XIX não tinha serviço de limpeza urbana, saneamento e hábitos civilizados, nem mesmo um fim salubre aos cadáveres existia, sendo os nobres enterrados nas igrejas e os pobre sem lotes vagos e covas rasas. Estou falando de século XIX, o século das luzes, revolução industrial na Inglaterra, meios de transporte à vapor, todas grandes cidades sendo redesenhadas à luz da modernidade…  e a Revolução Francesa ecoando seus ideais por toda parte na Europa, naFrança o campo da arte, cultura se formando como o temos hoje.  Paris sendo reconstruída por Haussmann,  desenvolvimento científico e filosófico. Em grande parte da Europa o materialismo dominando a supremacia da religião que era absoluta até então… e em Portugal não haviam sequer latrinas nas casas, sendo os dejetos despejados pelas janelas nas ruas. Trabalho escravo era explorado, especialmente nas colônias, a religião ainda reinava suprema, sendo que a inquisição ainda fazia vítimas (situando Portugal na Idade Média, enquanto o Mundo já era moderno) e uma elite totalmente indolente, sobrevivendo da riqueza fácil proporcionada pelas colônias de exploração.
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Paris do Século XIX retratada por Claude Monet
Muito se valorizava o enriquecimento sem trabalho que provinha das aventuras extrativistas no Brasil, ou do tráfico de pessoas para trabalho escravo. A elite era sustentada pela coroa às expensas apenas da extração parasítica das riquezas das colônias. É difícil compreender como foi possível que um holocausto do tamanho que foi o causado pelo tráfego negreiro ser aceito como normal em plena modernidade. A escravidão negra vitimou milhões de pessoas (algumas fontes afirmam 15 milhões), fosse na captura, no transporte ou mesmo nas condições desumanas de vida e trabalho no Brasil e Portugal (só para oferecer um parâmetro – não acho que uma tragédia é maior ou menor que outra, ambas foram horríveis – o holocausto judeu durante a Alemanha nazista vitimou 6 milhões de pessoas – pra percebermos o quanto uma idéia ruim, repetida com convicção e seduzindo multidões, pode ser perniciosa)
Foi nesta mistura de indolência, preconceito religioso e crueldade que se formou a elite brasileira. Quando a corte decidiu fugir pra cá (pressionados entre França e Inglaterra), e permanecendo durante 13 anos, plantou a semente fundamental do que seria o Brasil. Se a corte não tivesse vindo, talvez as pressões separatistas tivessem sido mais fortes, e hoje seríamos não um só país, mas pelo menos 3 países diferentes. Talvez tivéssemos um nordeste não com uma indústria da fome e da seca, da exploração coronelista e sim um país que prosperasse com o Turismo (por que o que há de mais bonito no mundo em questão de praias, se pensarmos em custo benefício: clima, temperatura da água, beleza topográfica está lá). O sudeste provavelmente seria mais ou menos o mesmo que vemos no Brasil em geral – muito por conta da quantidade de portugueses que vieram pra cá sobreviver da riqueza sem trabalho e do imenso contingente da degradante escravidão, e por aí vai…
A corte permaneceu 13 anos no Brasil, garantiu a integridade do território, trouxe ao Rio ares de capital, apesar de que os registros revelam que a cidade era tão suja (ou até mais) e mal cuidada como as metrópoles portuguesas (com todos aqueles problemas de higiene que citei acima e a mesma preguiça geral). E além disso, o abuso do trabalho escravo formou uma população em que 3 em cada 4 pessoas era cativo e um era branco ocioso. Ou seja, massas de oprimidos, que não eram apenas oprimidos silenciosos, como todas minorias se revoltavam e tentavam o tempo todo subverter o sistema, a criminalidade e a tensão social eram grandes. Durante o período,  chegou-se a registrar cerca de 22 assassinatos num período de 5 dias. A consequência foi a criação de uma polícia opressora, cruel e extremamente punitiva (autorizada a chicotear escravos em praça pública como punição) – o que por sua vez, aumentava a revolta.
Escravo com cicatrizes de flagelos
 Os funcionários do governo enriqueciam com os favores da corte, que sobrevivia dos favores dos mais ricos. D. João VI fez mais nobres no Rio de Janeiro em 13 anos do que distribuíra títulos de nobreza durante 200 anos anteriores em Portugal.  Vender títulos era uma maneira de conseguir que os novos ricos (aventureiros que outrora vieram para o Brasil e enriqueceram com extrativismo mineral em Minas, com outros extrativismos ou com agricultura e pecuária) sustentassem a corte – extremamente onerosa – trocas de bajulações. Muitos funcionários do governo que enriqueceram nos desvios de tributos e favores da coroa, preferiram permanecer no Brasil quando a corte se fora, tendo se acostumado com o estilo de vida carioca e confortáveis com as imensas fortunas que ajuntaram.
Outro fato curioso é que “os ventos revolucionários” da República, que já sopravam por toda Europa e nos Estados Unidos, não chegaram ao Brasil, onde temos uma “independência” continuísta, monárquica e com forte influência religiosa. Com a mesma família se beneficiando, ficando ainda o Brasil ligado à Portugal e atrasando a civilização.
Engraçado é que lendo a obra que trata de um Brasil de dois séculos atrás, acabamos percebendo que a corrupção, a criminalidade, a falta de educação e sujeira das cidades, não foi um ônus da vida moderna e sim uma herança, continuidade (se preferir uma palavra mais dramática: “Karma”) do que havia aqui desde que o Brasil começa a se firmar com identidade nacional.
Nossos governantes são tão caricatos, que parecem a mesma corte ridicularizada que vemos nos filmes e nas recriações do período de 1808 à 1821: o rei medroso, a rainha louca, a esposa do rei promíscua dada a conspirar contra o marido, todos extremamente mal educados sem a menor consciência do que era público ou privado. Impressionante como honram esta herança, mantendo-se acomodados com o “extrativismo dos cofres públicos” e mesmo assim permanecendo na ignorância e preguiça, já que se tem uma fonte que não seca, pra que melhorar como pessoa ou profissional? O que me faz pensar: será que político é profissional no Brasil? Acho que se vêem meio como celebridades meio como autoridades (ou até nobres na monarquia: acima do bem e do mal), nunca como servidores públicos, que é o que realmente são, então, pra quê  se aprimorarem se é possível fazer um “pé de meia” vitalício?
Infelizmente eu não tenho uma pista sequer do que poderia ser feito para reinventar o projeto de nação brasileira. Mas me pergunto: por que estou aqui? O que em mim me identifica com esta cultura que tanto rejeito, pra eu ter nascido neste meio? Em que parte sou responsável pela perpetuação desta cultura? Como extirpar estas características e pensar em um Brasil ético, civilizado e justo? E pensando, já que o karma está adquirido, como me livrar dele? Haveria como o indivíduo vencer o arrastamento cultural?
Tenho gestado estes pensamentos já há um tempo, e pensado na “corrupção nossa de cada dia”, na falta de educação cotidiana e grosseria que se manifesta em nós como povo – claro, com suas devidas exceções e resignificações. Conforme for elaborando, vou compartilhando aqui… em parte por que não acredito em arrastamentos irresistíveis (mesmo que ele tenha anos e anos de história), em parte para saber se há quem pensa sobre isto também e chegou em algum lugar… alguma conclusão, alguma luz…


Fonte: http://cleidescully.wordpress.com/

Um comentário:

  1. Desde que comecei a rever no Canal VIVA a minissérie "O Quinto dos Infernos", passei a pesquisar sobre a família real e sua vinda para o Brasil. Fiquei surpresa com tanta coisa ruim advinda daquela família, seus hábitos, costumes e falta de educação, a roubalheira institucionalizada, etc. Em nada eles se assemelham à imagem que temos da nobreza, como a inglesa e tantas outras.
    É realmente o retrato do Brasil atual, que se perpetua desde a vinda desta família tresloucada para o Rio de Janeiro; a farra com o dinheiro público, os marajás, que só largam o poder quando morrem, a exploração, a vilania, e por aí vai. Ah, pobres de nós, herdeiros sem coroa de um reinado podre.
    Parabéns, Cleide, pelo excelente texto. Gostaria de continuar lendo seus textos sobre o assunto. Como faço? (Lucia Helena - luciahrio@yahoo.com.br)

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