Após atacar manifestantes do MPL com bombas de gás lacrimogêneo, no dia 16/1, PM negou uso do armamento. Virou motivo de piada no Twitter: “Não tem vergonha de mentir?”.
A Polícia Militar voltou a atacar manifestantes do Movimento Passe Livre com bombas de gás lacrimogêneo, na sexta-feira, dia 16, ao mesmo tempo em que mentia no Twitter sobre o uso dessas armas. A mentira transformou o perfil da PM em motivo de piada nas redes sociais.
A repressão da PM fez o 2º Grande Ato Contra a Tarifa, organizado em protesto contra o aumento de R$ 3 para R$ 3,50 nas tarifas de transporte público em São Paulo, terminar mais cedo. Exatamente como no ato anterior, em 9/1.
O primeiro tropeço da corporação nas redes sociais ocorreu antes mesmo da manifestação começar. Às 17h37, quando os manifestantes ainda estavam concentrados na Praça do Ciclista, no final da Avenida Paulista, o Twitter oficial da PM jogou uma informação bombástica: “Polícia Militar, utilizando o sistema Detecta, apreende garrafas contendo gasolina na Praça do Ciclista”.
O anúncio da PM é que caiu como gasolina entre os seguidores dos policiais, que logo se inflamaram e começaram a pedir para a PM torturar os manifestantes. “Enfia a porrada, é tudo comunista vagabundo”, disse @rogeriocatelli. “Desce o sarrafo neles”, sugeriu @mvrilo. “Desce o pau neles PM!!!! ñ são mainfestantes, são baderneiros!!!”, pediu @hcesar1961_hugo.
Menos de uma hora depos, a PM teve que se desmentir. “Atualização: o líquido apreendido não se tratava de gasolina e foi descartado”, publicou às 18h05. E as trapalhadas não pararam aí.
Extrema direita
Nesse momento, os manifestantes faziam uma assembleia para decidir o trajeto do protesto. Diante do microfone, um homem que se apresentou como militante do PT foi vaiado, mas um black bloc de máscara branca foi aplaudido. “As pessoas lutam com os meios que achar necessário. Se tiver quebra-quebra, não é culpa do MPL, é do governo que aumentou para R$ 3,50”, disse um representante do MPL durante a assembleia. Na votação, venceu a proposta de descer a Rua da Consolação, ir até a sede da Prefeitura e de lá rumar para a Secretaria Estadual de Transporte, na Rua Boa Vista.
Cerca de 60 mascarados faziam parte do protesto e circulavam sem problemas entre os manifestantes, mesmo sem contar com o apoio de todo mundo. “Não pode ter gente com o rosto coberto. Tem que protestar de cara limpa, como eu”, disse José Freitas, do Território Livre, 88 anos de idade e décadas de militância.
Às 18h45, a passeata começou a descer a Consolação, fechando a pista no sentido centro. Para evitar depredações, uma concessionária de veículos importados instalou placas de ferro diante da sua fachada de vidro. Ao redor deles, os policiais militares adotavam a tática do “envelopamento”, posicionando homens em fila para cercar os manifestantes dos dois lados. Ao todo, a PM mobilizou 800 policiais, segundo o major Vitor Fedrizzi, comandante da operação. Estavam divididos entre a Tropa de Choque e as Forças Táticas de diversos batalhões. O helicóptero Águia 4 sobrevoou boa parte da manifestação.
O 2º Ato atraiu menos gente do que o primeiro. Havia cerca de 3 mil manifestantes, segundo dados da PM (número que a reportagem considerou mais próximo do real), e 20 mil, segundo o MPL. No anterior, a PM contou 5 mil e o MPL, 30 mil.
A curiosidade ficou por conta de um casal, enrolado na bandeira do Brasil, que acompanhou o movimento distante dos demais, mas próximo dos policiais. “Não estamos com eles. Estamos do lado da PM. Somos de extrema direita”, afirmaram, pedindo para não serem fotografados nem identificados. Disseram que estavam protestando contra o aumento do ônibus ordenado pelo prefeito Fernando Haddad. Quando a reportagem lembrou que o governador Geraldo Alckmin também havia aumentado as tarifas de transporte, reagiram: “O metrô pode aumentar, porque é um transporte digno”. E o trem? “O trem não é digno, mas não estamos contra o governador. Estamos contra esse prefeito. Viu quantos árvores caíram nessa semana?”.
“Não tem vergonha de mentir?”
O protesto seguiu pacífico por menos de uma hora. Às 19h30, houve o primeiro confronto, em frente ao Tribunal Regional do Trabalho, na Consolação. A Ponte viu pessoas jogando garrafas de água sobre viaturas e, em seguida, a PM atirar bombas de gás lacrimogêneo, tanto na Consolação como na Rua Dona Antônia de Queirós. Ali, um jovem, identificado como Rafael Ramalhoso Alves, foi jogado ao chão e espancado por cinco PMs, armados de cassetetes. As agressões pararam depois que os policiais se viram cercados por manifestantes armados com câmeras e celulares que gritavam: “Outro Amarildo, não”.
O protesto seguiu em frente. Alguns dos que estavam mais à frente nem viram as bombas. E, pelo visto, nem o Twitter da PM. Às 20h26, enquanto o ato chegava à Prefeitura, a @PMESP saiu-se com essa, respondendo a uma notícia do UOL que mencionara o uso de gás lacrimogêneo: “A PM esclarece o @UOL que não houve, até o presente momento, uso de munição química na manifestação”.
A mentira não passou despercebida na rede social. “Cê não tem vergonha alguma em mentir descaradamente assim? Foi este o valor que sua mãe te deu?”, perguntou @Hupsel. “Moro na frente, esse cheiro escroto e dor nos olhos deve ser só cebola mesmo”, ironizou @Andreizilla. Outro, @DanielGuth, também estranhou: “ooooi? e esse meu olho inchado e vermelho? e minha garganta fechada? PM=Terror”.
Já era noite quando os manifestantes chegaram em frente ao Edifício Matarazzo, sede da Prefeitura. Um cordão de cerca de 20 PMs da Força Tática, armados de escudo, cercavam o prédio. Oficias da “tropa do braço” formaram uma outra linha. Agentes do 3° Batalhão de Choque e da Cavalaria fechavam o pelotão na Praça do Patriarca.
A passeata permaneceu no local durante cerca de 20 minutos. Acima da cabeça dos policiais, os manifestantes projetaram as letras das paródias “Aumentinho no ombro” e “Esse prefeito é maior otário”, criadas pela Fanfarra do M.A.L. (Movimento Autônomo Libertário). Acredito em luta, com playboy eu não discuto / Contra os gambé, barricada e escudo / Do camburão quase não dá pra te ver / Forjou flagrante tá querendo aparecer / Não sou covarde já tô pronta pro combate / Keep Calm e pegue seu vinagre, dizia um trecho da letra. Também foi projetada uma imagem do prefeito Fernando Haddad envolto nos dizeres “Je Suis Catraca” (Eu Sou Catraca).
Violência
Às 20h30, um grupo começou a bater nos escudos dos PMs que faziam a segurança da Prefeitura. A resposta da PM veio na forma de um ataque com bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo, além de spray pimenta, executado contra todos os que estavam nas imediações, inclusive milhares que não tinham nada a ver com o tumulto. Até um grupo que socorria uma garota desacordada foi atacada com spray de pimenta.
Parte dos manifestantes disparou rojões, pedras e garrafas de vidro na direção da PM. Também atearam fogo em sacos de lixo e quebraram os vidros de agências bancárias nas ruas São João, Líbero Badaró e Xavier de Toledo, onde uma banca de jornal foi depredada e pichada com os dizeres “3,50 nunca” e “polícia vermes”.
O metrô fechou as portas da estação Anhangabaú e algumas pessoas ameaçaram entrar à força. De novo, PMs jogaram bombas na multidão. Eram todos “vândalos”, segundo o @PMESP, mas a reportagem viu muita gente assustada que só queria entrar no metrô para fugir do tumulto e ir para casa. No Anhangabaú, uma mulher foi ferida na perna por estilhaços de uma bomba e socorrida pelos voluntários do Grupo de Apoio ao Protesto Popular (GAPP).
Finalmente, a PM admitiu o uso de gás lacrimogêneo. “Polícia Militar utiliza munição química após alguns vândalos atacarem os policiais militares com fogos de artifício”, twittou, às 20h34.
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