Admissão de culpa
Réus em ações criminais têm o direito constitucional à assistência jurídica de advogados competentes durante o processo de admissão de culpa, que antecede os julgamentos nos EUA. Nesse processo de plea bargain (ou plea guilty), a acusação e a defesa "barganham" uma pena menor para o acusado, em troca da confissão de culpa e da simplificação do julgamento. Se o acusado não usar bem seu direito de "barganhar", por incompetência do advogado de defesa, a condenação pode ser anulada, decidiu a Suprema Corte, no último dia 21.
A decisão da Suprema Corte tem muita importância para a Justiça criminal dos EUA, porque ela transformou o que antes era um procedimento informal em um processo formal, em que são requeridas as anuências do réu, do advogado de defesa, do promotor e do juiz. Assim, o direito do réu à ampla defesa foi estendido para antes do início do julgamento por um tribunal do júri.
"A decisão da Suprema Corte constitui a maior revolução no processo de Justiça criminal no país, desde que a corte estabeleceu, em 1963 (no caso Gideon vs. Wainwright), que os indigentes têm direito a um advogado", declarou o professor da Universidade de Widener, Wesley Oliver, ao jornal New York Times.
A decisão da Suprema Corte dos EUA, por 5 votos a 4, foi tomada após exame de dois pedidos de anulação de condenação. Em um caso, a promotoria ofereceu ao americano Galin Frye, através de seu então advogado, uma pena de apenas 90 dias, em troca da admissão de culpa. Mas o advogado se esqueceu de transmitir a oferta ao réu e ele foi condenado a três anos de prisão.
Em outro caso, o americano Anthony Cooper, acusado de dar quatro tiros em uma mulher, não aceitou a proposta de admissão de culpa, em troca de uma pena menor, que seria de quatro a sete anos. Seu advogado o persuadiu de que o Estado não poderia provar que houve intenção de matar, porque todos os tiros foram dados abaixo do quadril da vítima. Mas, no julgamento, Cooper foi considerado culpado de todas as acusações contra ele. Ele aguarda preso a sentença condenatória, que será de 15 a 30 anos, segundo o Wall Street Journal.
Nem sempre o réu é prejudicado porque não aceitou, por má orientação, uma proposta de admissão de culpa em troca de algum benefício. Às vezes, pode acontecer o contrário. Na última decisão, o relator do processo, ministro Anthony Kennedy, citou um caso que tramitou anteriormente pela Suprema Corte, em que a admissão de culpa prejudicou o réu. Em 2010, um cidadão estrangeiro, vivendo legalmente nos Estados Unidos, aceitou o conselho do advogado e se declarou culpado, para simplificar o processo. O advogado se esqueceu que, uma vez admitida a culpa, ele seria automaticamente condenado, mesmo que com uma pena menor. Com a condenação, o réu perdeu seu direito à residência permanente nos EUA e, depois de cumprir a pena reduzida, foi deportado.
Mais do que corrigir esses erros, a decisão reorganiza o sistema de Justiça criminal do país, disse o ministro Anthony Kennedy. "No sistema prevalecente hoje, a negociação da admissão de culpa, em vez de ser apenas um desdobramento do julgamento, é quase sempre, para o réu, o ponto crítico de todo o processo", escreveu.
De fato, cerca de 97% das condenações nos tribunais federais do país são resultados de admissão de culpa pelo réu. No caso dos tribunais estaduais, o último levantamento é de 2006: o procedimento corresponde a 94% dos casos, diz o New York Times. "Não é mais correto vermos o nosso sistema como um processo criminal baseado em julgamento", disse a diretora do Centro de Administração do Processo Penal da Universidade de Nova York, Rachel Barkow, ao The Wall Street Journal.
"A percentagem de casos nos quais há a admissão de culpa pelos réus na Justiça norte-americana dá a exata noção de como funciona aquele sistema. Sendo a admissão de culpa o fruto de uma ‘negociação’ entre acusado e promotor, é natural, e já foi objeto de estudos, o ´inchamento´ das acusações (charges) para forçar um acordo de ´meio termo´ que, muitas vezes, pode ser superior ao número de delitos cometidos ou mesmo à pena que seria imposta ao final de um processo. Tais razões certamente também inspiraram a decisão da Suprema Corte americana no sentido de exigir o aconselhamento técnico efetivo nesse momento crucial do procedimento criminal norte-americano", explicou a professora da Fundação Getulio Vargas e advogada Heloisa Estellita.
A Suprema Corte dos EUA é constituída por nove ministros, cinco conservadores e quatro liberais. A decisão vencedora foi a da minoria liberal que, desta vez, teve a adesão do ministro conservador Anthony Kennedy, o relator do processo. Seu voto foi atribuído a sua crença de que, nos tribunais, deve prevalecer o fair play (jogo limpo). No voto dissidente, os ministros previram que haverá uma enxurrada de processos nos tribunais, de presos pedindo revisão de sentenças. Mas o ministro relator sugeriu diversas "medidas para assegurar reivindicações tardias, frívolas ou fabricadas".
A decisão da Suprema Corte tem muita importância para a Justiça criminal dos EUA, porque ela transformou o que antes era um procedimento informal em um processo formal, em que são requeridas as anuências do réu, do advogado de defesa, do promotor e do juiz. Assim, o direito do réu à ampla defesa foi estendido para antes do início do julgamento por um tribunal do júri.
"A decisão da Suprema Corte constitui a maior revolução no processo de Justiça criminal no país, desde que a corte estabeleceu, em 1963 (no caso Gideon vs. Wainwright), que os indigentes têm direito a um advogado", declarou o professor da Universidade de Widener, Wesley Oliver, ao jornal New York Times.
A decisão da Suprema Corte dos EUA, por 5 votos a 4, foi tomada após exame de dois pedidos de anulação de condenação. Em um caso, a promotoria ofereceu ao americano Galin Frye, através de seu então advogado, uma pena de apenas 90 dias, em troca da admissão de culpa. Mas o advogado se esqueceu de transmitir a oferta ao réu e ele foi condenado a três anos de prisão.
Em outro caso, o americano Anthony Cooper, acusado de dar quatro tiros em uma mulher, não aceitou a proposta de admissão de culpa, em troca de uma pena menor, que seria de quatro a sete anos. Seu advogado o persuadiu de que o Estado não poderia provar que houve intenção de matar, porque todos os tiros foram dados abaixo do quadril da vítima. Mas, no julgamento, Cooper foi considerado culpado de todas as acusações contra ele. Ele aguarda preso a sentença condenatória, que será de 15 a 30 anos, segundo o Wall Street Journal.
Nem sempre o réu é prejudicado porque não aceitou, por má orientação, uma proposta de admissão de culpa em troca de algum benefício. Às vezes, pode acontecer o contrário. Na última decisão, o relator do processo, ministro Anthony Kennedy, citou um caso que tramitou anteriormente pela Suprema Corte, em que a admissão de culpa prejudicou o réu. Em 2010, um cidadão estrangeiro, vivendo legalmente nos Estados Unidos, aceitou o conselho do advogado e se declarou culpado, para simplificar o processo. O advogado se esqueceu que, uma vez admitida a culpa, ele seria automaticamente condenado, mesmo que com uma pena menor. Com a condenação, o réu perdeu seu direito à residência permanente nos EUA e, depois de cumprir a pena reduzida, foi deportado.
Mais do que corrigir esses erros, a decisão reorganiza o sistema de Justiça criminal do país, disse o ministro Anthony Kennedy. "No sistema prevalecente hoje, a negociação da admissão de culpa, em vez de ser apenas um desdobramento do julgamento, é quase sempre, para o réu, o ponto crítico de todo o processo", escreveu.
De fato, cerca de 97% das condenações nos tribunais federais do país são resultados de admissão de culpa pelo réu. No caso dos tribunais estaduais, o último levantamento é de 2006: o procedimento corresponde a 94% dos casos, diz o New York Times. "Não é mais correto vermos o nosso sistema como um processo criminal baseado em julgamento", disse a diretora do Centro de Administração do Processo Penal da Universidade de Nova York, Rachel Barkow, ao The Wall Street Journal.
"A percentagem de casos nos quais há a admissão de culpa pelos réus na Justiça norte-americana dá a exata noção de como funciona aquele sistema. Sendo a admissão de culpa o fruto de uma ‘negociação’ entre acusado e promotor, é natural, e já foi objeto de estudos, o ´inchamento´ das acusações (charges) para forçar um acordo de ´meio termo´ que, muitas vezes, pode ser superior ao número de delitos cometidos ou mesmo à pena que seria imposta ao final de um processo. Tais razões certamente também inspiraram a decisão da Suprema Corte americana no sentido de exigir o aconselhamento técnico efetivo nesse momento crucial do procedimento criminal norte-americano", explicou a professora da Fundação Getulio Vargas e advogada Heloisa Estellita.
A Suprema Corte dos EUA é constituída por nove ministros, cinco conservadores e quatro liberais. A decisão vencedora foi a da minoria liberal que, desta vez, teve a adesão do ministro conservador Anthony Kennedy, o relator do processo. Seu voto foi atribuído a sua crença de que, nos tribunais, deve prevalecer o fair play (jogo limpo). No voto dissidente, os ministros previram que haverá uma enxurrada de processos nos tribunais, de presos pedindo revisão de sentenças. Mas o ministro relator sugeriu diversas "medidas para assegurar reivindicações tardias, frívolas ou fabricadas".
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico
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