Diretora de empresa foi recebida com pompa e ouviu informações sobre terrorismo, narcotráfico e Amazônia
Atual diretora de análise da Stratfor, a norte-americana Reva Bhalla não precisou gastar um tostão, grampear telefones ou pagar propinas para conseguir fácil acesso ao alto escalão da inteligência brasileira.
Em 6 de janeiro de 2011, segundo documentos internos da empresa analisados pela Agência Pública e pela Carta Capital, Bhalla foi recebida com entusiasmo pelo gabinete do ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general José Elito Siqueira, menos de um mês depois de chegar ao país para sua missão em nome da Stratfor.
Leia também: Wikileaks: Stratfor tinha fácil acesso a órgãos e agentes de defesa brasileiros
Mais do que ser bem recebida, Bhalla obteve informações confidenciais de funcionários do GSI que são negadas até mesmo aos brasileiros.
No seu relato, ela diz ter sido levada à chamada “sala de situação”, local onde militares e agentes de inteligência se reúnem com a Presidência em caso de crises de segurança nacional. “Eu tive a impressão de que o Brasil não tem que lidar com esse tipo de questão com muita freqüência. Eles disseram que, durante o governo Lula, eles se reuniram 64 vezes. Havia mapas muito legais por todo o lugar. Eles me deram de presente um lindo mapa do mundo com Brasília ao centro (muito ambicioso? Ahaha)”, escreve.
O contato, segundo ela, teria sido armado por um “amigo diplomata” que estaria trabalhando no escritório da própria presidente, diz ela, sem identificar o nome. “Todos, inclusive o general Elito Sequeiro (sic) - o chefe do GSI, o qual eu encontrei mais tarde no seu escritório, conhecem e lêem os relatórios da Stratfor regularmente. Eles estavam, literalmente, me dizendo sobre as notícias da Stratfor que haviam lido nesta manhã, e que quase todos ali eram membros”.
Animada com o “tour completo” que recebeu do palácio presidencial, Bhalla chegou à sala da presidente Dilma Rousseff – mas ela estava em uma reunião. “Eu queria dizer ‘olá’ em nome da Stratfor”.
A analista relata ter conversado longamente com o secretário-adjunto José Antônio Macedo Soares, cujo nome chegou a ser cotado pelo Palácio do Planalto para assumir a direção da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Segundo seu relato, ele lhe explicou tranquilamente que o Brasil se esforça para não atrair atenção para si mesmo como palco de ações ligadas ao terrorismo. “Como Macedo Soares me disse, nós capturamos vários ‘terroristas’ em São Paulo – pessoas da Al Qaeda, Hezbollah, e até pessoas ligadas aos ataques de 11 de Setembro. Mas nós não queremos nos vangloriar por isso e não queremos atenção. Isso não serve nossos interesses e não queremos que os EUA nos empurrem para esse assunto’”, escreve.
A informação, prontamente repassada para a rede de analistas da Stratfor, confirma uma revelação feita pelo WikiLeaks em 2010, nos primeiros documentos diplomáticos sobre o Brasil publicados pela organização. Os despachos traziam o então embaixador dos Estados Unidos em Brasília, Clifford Sobel, a dizer, ainda em 2008, que a Polícia Federal “frequentemente prende pessoas ligadas ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados a terrorismo para evitar chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo”.
O mesmo telegrama de Sobel cita dois exemplos. Em 2007, a PF teria capturado um potencial facilitador terrorista sunita que operava primordialmente em Santa Catarina sob acusação de entrar no país sem declarar fundos – e estaria trabalhando pela sua deportação. A operação Byblos, que desmantelou uma quadrilha de falsificação de documentos brasileiros no Rio de Janeiro para libaneses também é citada como exemplo de operação de contra-terrorismo.
Histórias sobre prisões de suspeitos de terrorismo no Brasil haviam pipocado antes do vazamento dos documentos diplomáticos. Em maio de 2009, a PF prendeu um libanês acusado de propagar pela internet material racista. À época, o colunista da Folha de S.Paulo Jânio de Freitas escreveu que, para preservar o sigilo, a PF atribuiu a prisão, inclusive internamente, a uma investigação sobre células de neonazistas, enquanto o libanês seria na verdade suspeito de ligação com a Al Qaeda. Quase um mês depois, o Gabinete da Segurança Institucional da Presidência criou um grupo de prevenção e combate ao terrorismo, com a finalidade oficial de exercer o “acompanhamento de assuntos pertinentes ao terrorismo internacional e de ações” para “a sua prevenção e neutralização”.
Foi exatamente no GSI e com funcionários do órgão que Bhalla teve reuniões pessoais que renderam relatórios de inteligência privada, para alimentar os boletins a clientes no mundo todo.
Naquele encontro, ela teria perguntado ainda sobre a capacidade do GSI em vigiar e capturar esses ‘terroristas’. “A resposta não me pareceu tão confiante assim. Ele disse, basicamente, que isso é muito difícil. São Paulo tem uma população estrangeira muito grande. Fronteiras são difíceis de controlar: essa é a atitude brasileira em relação a isso”. Segundo a analista, eles teriam reconhecido que há alvos de terrorismo no Brasil. E teriam citado uma misteriosa “casa noturna israelense” em São Paulo como um exemplo.
“Eu levantei a questão do terrorismo, já que Macedo Soares é basicamente o único brasileiro que foi citado pelo Wikileaks. Eu perguntei a ele se isso causou algum tipo de problemas e ele riu e disse “só inveja!”. Aparentemente, vários oficiais brasileiros ficaram seriamente com ciúmes de que ele tenha ficado com toda a fama, haha.”, relata Bhalla no seu e-mail. Macedo Soares foi interlocutor do ex-embaixador Sobel nos primeiros documentos diplomáticos vazados.
Amazônia e crack
A conversa não parou por aí. Bhalla chegou a ser convidada a visitar um posto militar na Amazônia na sua próxima visita, “coisa que eu definitivamente vou fazer”. Ouviu do alto escalão do GSI, que “a corrupção nesses postos é mais concentrada na polícia do que nos militares”.
“Um deles levantou um ponto interessante, dizendo que uma coisa que o Brasil tem feito muito bem é controlar a qualidade dos precursores químicos que entram no país. Então, a cocaína produzida na Bolívia, por exemplo, não é a de‘classe A’, que os compradores de NY querem. Ao invés disso, são de baixa qualidade, crack, que é vendida em São Paulo. Então essa é uma conseqüência não-intencional para eles: drogas mais baratas e de baixo valor permeiam o mercado brasileiro”, descreveu.
No fim da mensagem, a analista diz ter desgostado da capital federal, no mesmo tom informal que marca os demais e-mails da Stratfor publicados pelo Wikileaks. E envia uma foto sua diante da catedral de Brasília.
A correspondência com Macedo Soares não terminou aí, como mostra a esfuziante mensagem sobre o mapa com o Brasil no centro, reenviado a Bhalla dois meses depois da visita.
A reportagem procurou o GSI através da sua assessoria de imprensa, mas recebeu como resposta que o ministro José Antônio de Macedo Soares está de férias no exterior e se disponibilizaria a esclarecer o assunto depois do dia 3 de março. A assessoria confirmou, no entanto, que o ministro-chefe José Elito Siqueira “recebeu, em ‘06 Jan 11’, a sra. Reva Bhalla para cumprimento protocolar durante a sua visita ao GSI”.
Oficialmente, o governo sempre negou a existência de atividades terroristas no Brasil – e continua negando, mesmo depois das revelações do Wikileaks. Já os militares brasileiros parecem ficar bem mais à vontade quando falam do assunto com norte-americanos – sejam eles diplomatas, militares, ou arapongas como os da Stratfor.
Reportagem em parceria da Agência Pública de Jornalismo Invetigativo e Carta Capital
Em 6 de janeiro de 2011, segundo documentos internos da empresa analisados pela Agência Pública e pela Carta Capital, Bhalla foi recebida com entusiasmo pelo gabinete do ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general José Elito Siqueira, menos de um mês depois de chegar ao país para sua missão em nome da Stratfor.
Leia também: Wikileaks: Stratfor tinha fácil acesso a órgãos e agentes de defesa brasileiros
Mais do que ser bem recebida, Bhalla obteve informações confidenciais de funcionários do GSI que são negadas até mesmo aos brasileiros.
No seu relato, ela diz ter sido levada à chamada “sala de situação”, local onde militares e agentes de inteligência se reúnem com a Presidência em caso de crises de segurança nacional. “Eu tive a impressão de que o Brasil não tem que lidar com esse tipo de questão com muita freqüência. Eles disseram que, durante o governo Lula, eles se reuniram 64 vezes. Havia mapas muito legais por todo o lugar. Eles me deram de presente um lindo mapa do mundo com Brasília ao centro (muito ambicioso? Ahaha)”, escreve.
O contato, segundo ela, teria sido armado por um “amigo diplomata” que estaria trabalhando no escritório da própria presidente, diz ela, sem identificar o nome. “Todos, inclusive o general Elito Sequeiro (sic) - o chefe do GSI, o qual eu encontrei mais tarde no seu escritório, conhecem e lêem os relatórios da Stratfor regularmente. Eles estavam, literalmente, me dizendo sobre as notícias da Stratfor que haviam lido nesta manhã, e que quase todos ali eram membros”.
Animada com o “tour completo” que recebeu do palácio presidencial, Bhalla chegou à sala da presidente Dilma Rousseff – mas ela estava em uma reunião. “Eu queria dizer ‘olá’ em nome da Stratfor”.
A analista relata ter conversado longamente com o secretário-adjunto José Antônio Macedo Soares, cujo nome chegou a ser cotado pelo Palácio do Planalto para assumir a direção da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Segundo seu relato, ele lhe explicou tranquilamente que o Brasil se esforça para não atrair atenção para si mesmo como palco de ações ligadas ao terrorismo. “Como Macedo Soares me disse, nós capturamos vários ‘terroristas’ em São Paulo – pessoas da Al Qaeda, Hezbollah, e até pessoas ligadas aos ataques de 11 de Setembro. Mas nós não queremos nos vangloriar por isso e não queremos atenção. Isso não serve nossos interesses e não queremos que os EUA nos empurrem para esse assunto’”, escreve.
A informação, prontamente repassada para a rede de analistas da Stratfor, confirma uma revelação feita pelo WikiLeaks em 2010, nos primeiros documentos diplomáticos sobre o Brasil publicados pela organização. Os despachos traziam o então embaixador dos Estados Unidos em Brasília, Clifford Sobel, a dizer, ainda em 2008, que a Polícia Federal “frequentemente prende pessoas ligadas ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados a terrorismo para evitar chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo”.
O mesmo telegrama de Sobel cita dois exemplos. Em 2007, a PF teria capturado um potencial facilitador terrorista sunita que operava primordialmente em Santa Catarina sob acusação de entrar no país sem declarar fundos – e estaria trabalhando pela sua deportação. A operação Byblos, que desmantelou uma quadrilha de falsificação de documentos brasileiros no Rio de Janeiro para libaneses também é citada como exemplo de operação de contra-terrorismo.
Histórias sobre prisões de suspeitos de terrorismo no Brasil haviam pipocado antes do vazamento dos documentos diplomáticos. Em maio de 2009, a PF prendeu um libanês acusado de propagar pela internet material racista. À época, o colunista da Folha de S.Paulo Jânio de Freitas escreveu que, para preservar o sigilo, a PF atribuiu a prisão, inclusive internamente, a uma investigação sobre células de neonazistas, enquanto o libanês seria na verdade suspeito de ligação com a Al Qaeda. Quase um mês depois, o Gabinete da Segurança Institucional da Presidência criou um grupo de prevenção e combate ao terrorismo, com a finalidade oficial de exercer o “acompanhamento de assuntos pertinentes ao terrorismo internacional e de ações” para “a sua prevenção e neutralização”.
Foi exatamente no GSI e com funcionários do órgão que Bhalla teve reuniões pessoais que renderam relatórios de inteligência privada, para alimentar os boletins a clientes no mundo todo.
Naquele encontro, ela teria perguntado ainda sobre a capacidade do GSI em vigiar e capturar esses ‘terroristas’. “A resposta não me pareceu tão confiante assim. Ele disse, basicamente, que isso é muito difícil. São Paulo tem uma população estrangeira muito grande. Fronteiras são difíceis de controlar: essa é a atitude brasileira em relação a isso”. Segundo a analista, eles teriam reconhecido que há alvos de terrorismo no Brasil. E teriam citado uma misteriosa “casa noturna israelense” em São Paulo como um exemplo.
“Eu levantei a questão do terrorismo, já que Macedo Soares é basicamente o único brasileiro que foi citado pelo Wikileaks. Eu perguntei a ele se isso causou algum tipo de problemas e ele riu e disse “só inveja!”. Aparentemente, vários oficiais brasileiros ficaram seriamente com ciúmes de que ele tenha ficado com toda a fama, haha.”, relata Bhalla no seu e-mail. Macedo Soares foi interlocutor do ex-embaixador Sobel nos primeiros documentos diplomáticos vazados.
Amazônia e crack
A conversa não parou por aí. Bhalla chegou a ser convidada a visitar um posto militar na Amazônia na sua próxima visita, “coisa que eu definitivamente vou fazer”. Ouviu do alto escalão do GSI, que “a corrupção nesses postos é mais concentrada na polícia do que nos militares”.
“Um deles levantou um ponto interessante, dizendo que uma coisa que o Brasil tem feito muito bem é controlar a qualidade dos precursores químicos que entram no país. Então, a cocaína produzida na Bolívia, por exemplo, não é a de‘classe A’, que os compradores de NY querem. Ao invés disso, são de baixa qualidade, crack, que é vendida em São Paulo. Então essa é uma conseqüência não-intencional para eles: drogas mais baratas e de baixo valor permeiam o mercado brasileiro”, descreveu.
No fim da mensagem, a analista diz ter desgostado da capital federal, no mesmo tom informal que marca os demais e-mails da Stratfor publicados pelo Wikileaks. E envia uma foto sua diante da catedral de Brasília.
A correspondência com Macedo Soares não terminou aí, como mostra a esfuziante mensagem sobre o mapa com o Brasil no centro, reenviado a Bhalla dois meses depois da visita.
A reportagem procurou o GSI através da sua assessoria de imprensa, mas recebeu como resposta que o ministro José Antônio de Macedo Soares está de férias no exterior e se disponibilizaria a esclarecer o assunto depois do dia 3 de março. A assessoria confirmou, no entanto, que o ministro-chefe José Elito Siqueira “recebeu, em ‘06 Jan 11’, a sra. Reva Bhalla para cumprimento protocolar durante a sua visita ao GSI”.
Oficialmente, o governo sempre negou a existência de atividades terroristas no Brasil – e continua negando, mesmo depois das revelações do Wikileaks. Já os militares brasileiros parecem ficar bem mais à vontade quando falam do assunto com norte-americanos – sejam eles diplomatas, militares, ou arapongas como os da Stratfor.
Reportagem em parceria da Agência Pública de Jornalismo Invetigativo e Carta Capital
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