Motivada por recurso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a corte máxima do país terá que decidir se os militares responsáveis pela prática dos chamados crimes continuados, como o de sequestro, podem ou não ser punidos pela justiça. A decisão terá impacto direto sobre a denúncia do Ministério Público contra o coronel reformado Sebastião Curió, acusado do seqüestro qualificado de cinco guerrilheiros do Araguaia.
Najla Passos
Brasília - O Supremo Tribunal Federal (STF) decide, nesta quinta (22), se os militares que praticaram crimes continuados, como o de sequestro, durante a ditadura militar brasileira, podem ou não ser penalizados pela justiça. O tema volta à pauta da corte máxima do país motivado por recurso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra decisão proferida pelo tribunal, em 2010, que reafirmou a validade da Lei da Anistia, o polêmico dispositivo legal que perdoa os crimes cometidos pelos militares entre 1964 e 1979.
No recurso, a OAB quer saber se o perdão vale também para os autores dos chamados crimes continuados que, pela sua própria natureza jurídica, podem admitir a interpretação de que ainda permanecem em andamento, caso não se tenha informações precisas sobre o paradeiro das vítimas.
Interpretação esta que motivou, na semana passada, uma denúncia inédita do Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel da reserva do Exército, Sebastião Curió Rodrigues, comandante da última ação de repressão à Guerrilha do Araguaia, em 1973, pelo crime de seqüestro qualificado de cinco guerrilheiros.
A denúncia, entretanto, foi recusada pelo juiz federal da 2ª Vara Federal de Marabá (PA), João César Otoni de Matos, com a justificativa de que a Lei da Anistia impede qualquer tentativa de punir os crimes cometidos durante a ditadura.
“Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição”, justificou o magistrado.
O MPF, porém, já anunciou que irá recorrer. Os procuradores responsáveis pela denúncia sustentam que ela não desrespeita a Lei porque, como os corpos dos guerrilheiros nunca foram localizados, o seqüestro permanece e, por isso, Curió não pode se beneficiar do perdão legal.
“Não existe convicção de que as pessoas estão mortas. Portanto, é fundamental que a Justiça analise os casos, permita a produção de provas, traga à luz a história dessas vítimas. Não se pode simplesmente presumir sua morte sem mais indagações e dispensando-se a instrução processual”, disse, por meio da assessoria de comunicação do MPF, o procurador da república Tiago Rabelo, que atua em Marabá.
Os procuradores alegam, ainda, que o próprio STF, em julgamentos anteriores, decidiu pela extradição de militares acusados de crimes contra os direitos humanos, praticados durante a ditadura argentina, com base na tese de crime continuado.
Caso, por exemplo, do ex-torturador uruguaio Manuel Cordero, acusado de participar da Operação Condor, responsável pelo desparecimento de opositores das ditaduras militares da América do Sul. Cordero foi preso no Brasil em 2007 e, três anos depois, foi extraditado para a Argentina para responder por crimes de seqüestro.
Corte internacional
O MPF lembra também que a punição dos autores dos crimes praticados durante a Guerrilha do Araguaia, além de um clamor da opinião pública brasileira, é uma determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que tem força de lei no Brasil, já que o país é um dos signatários do Pacto Interamericano de Direitos Humanos.
“Se o Brasil não quer cumprir o pacto, o que seria uma decisão política absolutamente desastrosa, na minha opinião, a adesão do Brasil tem que ser desfeita, isso tem que ser feito oficialmente. O país voluntariamente aderiu ao pacto e, a partir disso, precisa cumpri-lo, não pode se recusar toda vez que uma decisão lhe desagradar”, afirmou o procurador Ubiratan Cazetta.
A diretora para o programa do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) no Brasil, Beatriz Affonso, considera que o não acolhimento da denúncia pela Justiça Federal causa um “desconforto em relação ao estado democrático de direito”. “A mensagem que o judiciário passa para a população é que, se os cadáveres forem bem ocultados, o crime jamais será punido. E isso é muito perigoso”, afirma.
O Cejil é uma organização não-governamental cujo principal objetivo é promover a plena implementação das normas internacionais de direitos humanos nos estados membros da OEA. Por isso, foi uma das entidades signatárias da ação que denunciou o Brasil à Corte Internacional, ao lado do Grupo Tortura Nunca Mais e da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
“É fundamental que o Estado brasileiro dê continuidade a esse processo e garanta que todos os responsáveis materiais e intelectuais dos graves crimes promovidos pela ditadura militar no Brasil sejam investigados e processados para a consolidação da democracia no país”, acrescentou.
No recurso, a OAB quer saber se o perdão vale também para os autores dos chamados crimes continuados que, pela sua própria natureza jurídica, podem admitir a interpretação de que ainda permanecem em andamento, caso não se tenha informações precisas sobre o paradeiro das vítimas.
Interpretação esta que motivou, na semana passada, uma denúncia inédita do Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel da reserva do Exército, Sebastião Curió Rodrigues, comandante da última ação de repressão à Guerrilha do Araguaia, em 1973, pelo crime de seqüestro qualificado de cinco guerrilheiros.
A denúncia, entretanto, foi recusada pelo juiz federal da 2ª Vara Federal de Marabá (PA), João César Otoni de Matos, com a justificativa de que a Lei da Anistia impede qualquer tentativa de punir os crimes cometidos durante a ditadura.
“Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição”, justificou o magistrado.
O MPF, porém, já anunciou que irá recorrer. Os procuradores responsáveis pela denúncia sustentam que ela não desrespeita a Lei porque, como os corpos dos guerrilheiros nunca foram localizados, o seqüestro permanece e, por isso, Curió não pode se beneficiar do perdão legal.
“Não existe convicção de que as pessoas estão mortas. Portanto, é fundamental que a Justiça analise os casos, permita a produção de provas, traga à luz a história dessas vítimas. Não se pode simplesmente presumir sua morte sem mais indagações e dispensando-se a instrução processual”, disse, por meio da assessoria de comunicação do MPF, o procurador da república Tiago Rabelo, que atua em Marabá.
Os procuradores alegam, ainda, que o próprio STF, em julgamentos anteriores, decidiu pela extradição de militares acusados de crimes contra os direitos humanos, praticados durante a ditadura argentina, com base na tese de crime continuado.
Caso, por exemplo, do ex-torturador uruguaio Manuel Cordero, acusado de participar da Operação Condor, responsável pelo desparecimento de opositores das ditaduras militares da América do Sul. Cordero foi preso no Brasil em 2007 e, três anos depois, foi extraditado para a Argentina para responder por crimes de seqüestro.
Corte internacional
O MPF lembra também que a punição dos autores dos crimes praticados durante a Guerrilha do Araguaia, além de um clamor da opinião pública brasileira, é uma determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que tem força de lei no Brasil, já que o país é um dos signatários do Pacto Interamericano de Direitos Humanos.
“Se o Brasil não quer cumprir o pacto, o que seria uma decisão política absolutamente desastrosa, na minha opinião, a adesão do Brasil tem que ser desfeita, isso tem que ser feito oficialmente. O país voluntariamente aderiu ao pacto e, a partir disso, precisa cumpri-lo, não pode se recusar toda vez que uma decisão lhe desagradar”, afirmou o procurador Ubiratan Cazetta.
A diretora para o programa do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) no Brasil, Beatriz Affonso, considera que o não acolhimento da denúncia pela Justiça Federal causa um “desconforto em relação ao estado democrático de direito”. “A mensagem que o judiciário passa para a população é que, se os cadáveres forem bem ocultados, o crime jamais será punido. E isso é muito perigoso”, afirma.
O Cejil é uma organização não-governamental cujo principal objetivo é promover a plena implementação das normas internacionais de direitos humanos nos estados membros da OEA. Por isso, foi uma das entidades signatárias da ação que denunciou o Brasil à Corte Internacional, ao lado do Grupo Tortura Nunca Mais e da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
“É fundamental que o Estado brasileiro dê continuidade a esse processo e garanta que todos os responsáveis materiais e intelectuais dos graves crimes promovidos pela ditadura militar no Brasil sejam investigados e processados para a consolidação da democracia no país”, acrescentou.
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