A entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação e a instalação da Comissão da Verdade merecem ser saudadas e comemoradas. A transparência é um bem fundamental para a democracia. Resta ver como o PT, que convive muito mal com a diferença e com o contraditório, lidará com a nova situação.
O Brasil demorou a abrir seus arquivos, mas o fez de forma decidida. Em tese, a partir de agora, o cidadão terá livre acesso a dados oficiais do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Qualquer um poderá solicitar, sem justificar o motivo, todos os documentos públicos que quiser, com a exceção, amplamente justificada, de papéis sigilosos ou referentes à intimidade.
Ao mesmo tempo, numa feliz coincidência, foi instalada ontem a Comissão da Verdade, com a presença de todos os ex-presidentes vivos. Trata-se de oportunidade ímpar para os brasileiros tomarmos amplo conhecimento de crimes e abusos praticados durante o regime militar.
Nas palavras equilibradas e conciliadoras de Fernando Henrique, "chegou o momento (de) revelar tudo e essa revelação não tem como objetivo colocar alguém na cadeia. Tem como objetivo impedir que se repitam fatos que ocorreram. Uma coisa dessa natureza não pode ser de partido, de governo, tem que ser de Estado".
A lei de acesso e a Comissão da Verdade são resultado de um esforço conjunto das milhões de pessoas que lutaram pela volta da democracia e da transparência ao Estado brasileiro. É o coroamento de jornadas pessoais de figuras públicas como Tancredo Neves, Franco Montoro, Leonel Brizola, Mario Covas e Teotônio Vilela, além do próprio Fernando Henrique. Também participaram dessa travessia outros integrantes de partidos como o PMDB, o PDT, o PFL (hoje DEM), o PCB (hoje PPS) e mesmo do PT.
Com o início da vigência da lei de acesso, documentos antes impossíveis de serem conhecidos poderão estar acessíveis a qualquer um, a qualquer tempo - não será preciso nem mesmo sair de casa. Órgãos públicos já começaram a disponibilizar links para receber solicitações da população, e terão até 30 dias para fornecer as respostas.
Um bom termômetro de como anda o humor da população sobre o que se quer ver esclarecido: os primeiros pedidos endereçados ao Palácio do Planalto, segundo O Estado de S.Paulo, versam sobre os ex-ministros José Dirceu e Erenice Guerra, ambos apeados do governo petista em razão de grossas denúncias de corrupção.
O difícil, a partir de agora, será tirar a lei efetivamente do papel. Pela regra, desde esta quarta-feira todas as informações já deveriam estar disponíveis aos cidadãos. Mas apenas ontem o Congresso começou a definir as regras de classificação dos documentos. Nos tribunais, ainda será criada uma comissão para regulamentar a legislação. A maioria dos estados também está despreparada para lidar com as novas regras.
Há ainda um longo caminho a ser percorrido. É com grande atraso que o Brasil está permitindo o livre acesso às informações. Só agora começa a compor um grupo de 91 países que reconhecem as informações guardadas pelo Estado como bem público. A Suécia, por exemplo, dispõe de legislação desta natureza tipo desde 1766.
É certo que apenas a existência da lei não garante a conquista da transparência. O dever imediato dos governantes, a começar pelo federal, é tirar a norma efetivamente do papel, abrir-se à luz do exame externo e prestar as contas que a sociedade exigir. É direito, não mera liberalidade.
Certamente, instrumento importante para tanto será a imprensa livre. E é justamente aí que os interesses maiores da sociedade brasileira e a sanha autoritária do PT podem vir a se chocar. Não é novidade, nem segredo para ninguém, a aversão que o partido tem à transparência, já classificada como "burrice" por um de seus maiores próceres, Delúbio Soares.
Na contramão de todo o esforço de abertura, o PT, diuturnamente, busca barrar o trabalho da imprensa independente no Brasil. Os petistas insistem em ver a mão pesada do Estado baixar sobre os que professam opiniões diferentes das suas. Mas a chegada da lei de acesso e a instalação da Comissão da Verdade podem servir para indicar que o tempo de quem prefere as trevas terá ficado, definitivamente, no passado.
FONTE: INSTITUTO TEOTÔNIO VILELA
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