O CASAL Roberto e Marcela (nomes fictícios) foi expulso do programa depois de denunciar desvios de recursos:
Roberto (nome fictício) fez o que a polícia pediu. Depois de ser espancado por milicianos no bairro onde morava, no Rio, a vítima denunciou os agressores para ajudar nas investigações e prender os criminosos. Em troca da delação, ele e a mulher Marcela (nome também fictício) tiveram a promessa de mudar de vida com proteção. O casal foi incluído no Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas (Provita), do governo federal. Os dois, porém, foram expulsos do programa após denunciarem à Polícia Federal, ao Ministério Público do estado e à Presidência da República supostas irregularidades, como a falta de infraestrutura e a suspeita de desvio de recursos.
No Brasil, cerca de 1.200 pessoas estão sob proteção do Provita, com média de 120 desistências por ano. As dificuldades enfrentadas por Roberto e Marcela retratam a atual situação do programa no país. Entre os principais problemas estão a falta de dinheiro e o atraso, por vários meses, nos repasses da verba para o pagamento a ONGs responsáveis pela execução do sistema. Hoje, o orçamento anual é de R$ 14,4 milhões, que são distribuídos para 18 estados e o Distrito Federal.
- O próprio PNH 3 (Plano Nacional de Direitos Humanos) sugere a ampliação da verba. A intenção é aumentar os recursos com o Plano Plurianual, que prevê o orçamento entre 2012 e 2015. Temos problemas, mas nunca tivemos pessoas mortas enquanto estavam dentro do Provita - ressalta Fernando Matos, diretor de Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência.
O Provita foi criado em 1996 em Recife, mas tornou-se lei três anos depois. O objetivo foi fazer com que pessoas ameaçadas pudessem recomeçar a vida em outro estado, com segurança, e colaborassem em inquéritos e processos criminais. A lei 9.807 determina ainda ajuda financeira mensal e proteção por dois anos, podendo ser prorrogada.
O GLOBO teve acesso aos depoimentos de Roberto e Marcela à PF, ao MP e à Presidência. O casal contou que era obrigado a assinar recibos e notas fiscais superfaturados para pagar despesas com hospedagens, alimentação e compra de remédios. Eles relataram também falta de assistência médica e precariedade nas instalações onde ficavam escondidos.
- Chegamos a passar fome e a sermos expulsos de um hotel por falta de pagamento. Fomos humilhados - conta Roberto.
Orçamento limitado
Alexandre Gavronski, procurador da República no Rio Grande do Sul, afirma que os problemas encontrados no Provita são recorrentes, prejudicando, por exemplo, os deslocamentos das testemunhas e o atraso no ingresso de vítimas no programa.
- Em termos de qualidade e execução do Provita, essas dificuldades atrapalham. Mas não ameaçam a vida da testemunha - diz Gavronski, que já participou do programa em Mato Grosso do Sul e em São Paulo.
O repasse dos recursos é feito da seguinte forma: o governo federal transfere o dinheiro para os governos estaduais, que, em seguida, encaminham às ONGs. Para a vítima acessar o Provita, cada caso é avaliado por um conselho deliberativo, formado pelo poder público, tribunais de Justiça, Defensoria Pública, Ministério Público Federal e Estadual, Ordem dos Advogados do Brasil e outras entidades.
- A segurança pública no Brasil não é vista como prioridade. Não é estranho que o Provita tenha dificuldade, assim como as polícias Militar e Civil. O orçamento é limitado. Precisamos reduzir gastos para atender um maior número de famílias. Mas, no Rio, dar proteção a mais de 80 pessoas é inviável. Já temos pouco mais de 70 sob proteção - afirma a promotora Renata Bressan, presidente do conselho deliberativo no estado.
Renata Bressan nega as fraudes na emissão de notas e recibos:
- Todas as contas estão sendo aprovadas.
O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, alerta:
- Há graves falhas nas investigações da polícia. A preservação da testemunha é fundamental.
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