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segunda-feira, 25 de abril de 2011

STF decide a quem pertence vaga de suplente

Por Rodrigo Haidar

 
Na próxima quarta-feira (27/4), os olhos do Congresso Nacional e dos partidos políticos estarão voltados, mais uma vez, para o Supremo Tribunal Federal. Os ministros devem definir se as vagas que se abrem na Câmara dos Deputados em razão do afastamento dos titulares devem ser preenchidas pelos suplentes do partido ou pelos da coligação partidária.
Para especialistas, o julgamento marca uma batalha entre a segurança jurídica e a coerência da Corte com suas decisões anteriores. A segurança jurídica reside no fato de que até então essa discussão simplesmente não existia. Há décadas se consolidou, no âmbito da Câmara dos Deputados e do Tribunal Superior Eleitoral, que quem toma posse no lugar do titular é o suplente que obteve mais votos dentro da coligação pela qual foi eleito.
Por outro lado, o Supremo definiu, em 2007, que o deputado que troca de partido durante o mandato sem motivos para isso perde a cadeira no Parlamento por infidelidade partidária. Ou seja, o mandato pertence ao partido, não ao titular do mandato. Logo, a vacância por afastamento, morte ou mesmo renúncia de um deputado deve ser preenchida por um suplente do mesmo partido ao qual pertencia o titular, não da coligação.
Para o advogado eleitoral Rodrigo Lago, o tribunal pode encontrar um caminho para garantir as duas coisas: a segurança jurídica e a preservação de sua jurisprudência. “Não é possível permanecer em vigor dois regimes distintos de suplência. Um para vacância decorrente de infidelidade e outro para os casos de licença, renúncia ou mesmo de morte do titular”, afirma.
Assim, por uma questão de “coerência hermenêutica”, o advogado acredita que os cinco ministros que até agora decidiram que a vaga é do partido andaram bem. Mas, de acordo com Lago, o Supremo deve decidir que a nova interpretação vale somente para as eleições de 2012, o que preservaria a segurança jurídica, já que modifica uma prática em vigor há décadas, segundo a qual a vaga de suplente é preenchida pelo mais votado a partir da lista da coligação partidária.
“Em razão de se tratar de uma mudança abrupta, deve ser aplicada apenas para o futuro. Todos os acordos entre os partidos para formar as coligações foram feitos sob a regra anterior de suplência, que nunca havia sido questionada. Para preservar a legitimidade desses acordos, o Supremo pode aplicar o que se chama de prospective overruling. Ou seja, a decisão se aplica apenas para as eleições feitas a partir dela”, afirma Rodrigo Lago.
Outra especialista em Direito Eleitoral, a advogada eleitoral Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro concorda com Lago no que diz respeito aos efeitos da decisão apenas para o futuro. “Nas eleições de 2010, as coligações foram feitas de acordo com a regra vigente naquela ocasião. Decidir que o novo entendimento vale só a partir de 2012 permite aos partidos optar com segurança sobre a conveniência e oportunidade de se coligar sob o novo entendimento que poder vir a ser fixado. Qualquer modificação não pode se aplicar para as convenções pretéritas”, sustenta a advogada.
Decisões conflitantes
Hoje, o STF tem decisões que se chocam sobre o tema, todas tomadas em pedidos de liminar. Ou seja, provisórias. São cinco decisões liminares — uma delas tomada pelo plenário do tribunal no ano passado — pelas quais a vacância deve ser preenchida pelo suplente do partido ao qual pertence o deputado eleito que se afastou. Decidiram dessa forma os ministros Cezar Peluso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia.
Em outras três decisões, os ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski entenderam que as vagas pertencem às coligações eleitorais e devem ser preenchidas respeitando a ordem das listas apresentadas pela união dos partidos que disputou a eleição. No julgamento da liminar concedida pelo plenário, os ministros Dias Toffoli e Ayres Britto também defenderam essa tese.
Os ministros Luiz Fux e Ellen Gracie ainda não se pronunciaram sobre a questão em nenhuma ocasião. Quando houve a discussão do tema em plenário, Fux ainda compunha o Superior Tribunal de Justiça e a ministra Ellen não estava na sessão.
Em sua decisão sobre a matéria, o ministro Celso de Mello abordou a necessidade de o Supremo definir a partir de quando a decisão deve ser aplicada, caso prevaleça a tese de que a vaga deve ser preenchida pelo suplente do partido. De acordo com o decano da Corte, a “ruptura de paradigma” que resultará da decisão traz a necessidade de se “definir o momento a partir do qual essa nova diretriz deverá ter aplicação”, em respeito à segurança jurídica.
O que me parece irrecusável, nesse contexto, é o fato de que a posse do suplente (vale dizer, do primeiro suplente da coligação partidária), no caso em exame, processou-se com a certeza de que se observava a ordem estabelecida, há décadas, pela Justiça Eleitoral”, registrou o ministro Celso de Mello.
Para o advogado Erick Pereira, a possibilidade de mudança nas regras de suplência causou surpresa e trouxe uma mudança significativa no ordenamento jurídico. “A regra de que a vaga do suplente pertence à coligação, que decorre do Código Eleitoral, é aplicada há 60 anos”, diz o advogado.
Erick Pereira defende a tese de que a vaga deve ser preenchida respeitando a ordem dos candidatos mais votados de acordo com a coligação. “É preciso ter em mente que o partido não obteve sozinho os votos que lhe garantiram determinado número de vagas na Câmara. O cálculo do quociente eleitoral é feito levando-se em conta as coligações”, afirma.
Realidade eleitoral
Nas eleições proporcionais, as coligações eleitorais são feitas por um único motivo: unir esforços para conquistar o maior número possível de vagas no Congresso. Partidos se reúnem, conversam, fazem cálculos, somam tempos na televisão e chegam a um prognóstico sobre sua capacidade de, juntos, eleger determinado número de deputados e senadores.
Para isso, abrem mão de parte de sua autonomia. Tanto que o partido coligado não pode acionar a Justiça Eleitoral individualmente durante o período de eleições. As ações judiciais só podem ser impetradas pela coligação. Arcam com o ônus de perda momentânea da autonomia de olho no bônus de conseguir um maior número de cadeiras no Parlamento.
Assim, o número de deputados eleitos deriva da soma de esforços, recursos e inclusive do tempo de propaganda da coligação. Como conseqüência, as vagas seriam um direito da coligação partidária.
Mas, terminadas as eleições, as coligações se dissolvem. Aí entra a tese dos que advogam que a vaga pertence ao partido. No exercício dos mandatos, os deputados se descolam da coligação e passam a representar seus partidos. O mandato se transforma, então, em um patrimônio jurídico da legenda.
De acordo com a representação partidária é que são formadas as comissões de trabalho na Câmara e definida a própria direção da Casa. Assim, um partido que obtivesse 70 vagas na Câmara e, por isso, passasse a ocupar postos-chave na Casa perderia representatividade se as vagas de seus deputados que se afastaram por quaisquer motivos fossem ocupadas por membros de outro partido. O direito de assento em certas comissões já não seria legítimo, pois não corresponderia à sua representatividade.
Caso o Supremo defina que a vaga pertence ao partido, criará dificuldades também para a flutuação de forças, já que o número de cadeiras dos partidos tende a ficar inalterado durante toda a legislatura.
Deputados convidados por governadores para assumir secretarias em seus estados ou mesmo pelo presidente da República para comandar ministérios ou secretarias no âmbito federal não enfraqueceriam a representatividade de seus partidos ao aceitar os convites e deixarem temporariamente a Câmara. De quebra, isso faria diminuir a influência do Poder Executivo no Legislativo.
Limites do Judiciário
Para o ex-deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA), contudo, a mudança de interpretação da suplência pelo STF não é uma boa ideia e a Justiça não é o foro adequado para discutir o tema. “O atual critério legal é claro e vigente há várias décadas. Não vejo razão política ou jurídica para mudá-lo pela via interpretativa”, diz.
“Considero até razoável que se faça um debate sobre essa mudança normativa, que tenha como foco, inclusive, a própria existência de coligações. Mas a mudança por meio de interpretação do Supremo pode gerar anomalias”, sustenta o ex-deputado, que também foi juiz federal por 12 anos e leciona Direito em Brasília e no Maranhão.
De acordo com Dino, mesmo que o tribunal decida mudar a regra aplicando a nova interpretação só para as eleições de 2012, a decisão fará florescer situações impensáveis até agora. Como exemplo, ele cita casos em que o titular do mandato pode ficar sem suplente porque todos os que obtiveram votos suficientes para se legitimar a substituí-lo pertencem a outros partidos da coligação.
Em uma de suas decisões, por exemplo, o ministro Ricardo Lewandowski citou levantamento feito pela Câmara dos Deputados, segundo o qual 29 deputados eleitos não possuem suplentes dentro de seus respectivos partidos e representam 14 estados brasileiros. Com os dados, o ministro afirmou que determinar que a vaga seja preenchida por um suplente do partido pode levar a situações inusitadas, como ter de fazer eleições restritas a determinados partidos.
Flávio Dino acrescenta que a decisão pode levar ao fato de um suplente diplomado pela Justiça Eleitoral, na prática, ter sua diplomação invalidada em seguida. No caso de nenhum deputado do partido do suplente ser eleito para o cargo de titular, ele não teria a quem substituir, mesmo com votos suficientes para isso. Logo, sua diplomação seria inócua.
Por essas razões, o ex-deputado sustenta que o Supremo deveria privilegiar a segurança jurídica e manter o preenchimento de vagas de acordo com os suplentes mais votados pela ordem da coligação. Ele lembra que recentemente o tribunal frisou que a segurança jurídica é um valor fundamental no julgamento da aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010.
“Para ser coerente com a fidelidade partidária, o tribunal pode gerar uma série de incoerências. Se ponderarmos o que torna o sistema mais contraditório, certamente é decidir que a vaga de suplente é do partido, e não da coligação”, afirma Dino.
Mas para o relator da primeira liminar que garantiu aos partidos políticos a vaga de suplente da Câmara, ministro Gilmar Mendes, no sistema eleitoral proporcional adotado no Brasil os partidos políticos detêm um monopólio absoluto das candidaturas. Por isso, “ocorrida a vacância, o direito de preenchimento da vaga é do partido político detentor do mandato, e não da coligação partidária, já não mais existente como pessoa jurídica”.
Para o ministro, trata-se de um “direito fundamental dos partidos políticos a manutenção dos mandatos eletivos conquistados nas eleições proporcionais”. De acordo com Mendes, apesar de esse direito não figurar expressamente no texto constitucional, decorre do regime de democracia representativa e partidária adotado pela própria Constituição.
O voto do ministro prevaleceu na ocasião, mas com a composição do plenário incompleta. Agora, com os 11 ministros presentes ao julgamento da próxima quarta-feira (27/4), o Supremo definirá a questão.

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