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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Quem diz o que é crime?

Artigo de Frei Gilvander Luís Moreira e prof. José Luiz Quadros de Magalhães


Muitas vezes temos a falsa impressão de que as coisas sempre foram assim, e ainda pior, de que as coisas continuarão a ser da mesma forma. “O ser é imutável”, argumentava Parmênides. Esta visão bastante errada do mundo, pois ignora toda a dinâmica da mudança histórica, é levada para diversos campos da compreensão humana. Ora, somos seres históricos, assim como este universo em que vivemos, e uma das poucas certezas que podemos ter é de que as coisas mudam todo o tempo e nós mudamos também. Logo, as coisas nunca foram como são hoje, assim como não serão assim por muito tempo. Tudo muda permanentemente, todo ser vivo, incluindo este imenso universo desconhecido. “O que existe é o movimento”, asseverava Heráclito. “Prefiro ser uma metamorfose ambulante a ter uma velha opinião formada sobre tudo…”, cantou Raul Seixas.
A visão de que na vida “nada muda” – idéia equívoca e passiva – é levada por muitos para o Direito, para as leis, e, inclusive, para o mundo religioso. Assim, muitos são levados a acreditar que as leis sempre foram assim, e o que está na lei está correto. A lei é uma criação humana, feita por quem tem interesses a serem defendidos, e logo pode ser injusta, pode conter o que não é direito, pode ir contra a vontade e os interesses da grande maioria das pessoas. Esta idéia de uma lei que pode ser injusta e logo não deve ser cumprida já foi defendida por filósofos como Agostinho de Hipona ou Tomás de Aquino. Naquela época diziam estes pensadores que uma lei dos homens que contrariasse a Lei de Deus era uma lei injusta e logo não devia ser cumprida. Não defendemos aqui o direito natural, pois este direito pode virar elitista no momento em que poucas pessoas acham que apenas elas podem dizer o que é a vontade de Deus. Assim a tendência deste direito natural é virar elitista, representando a vontade de um pequeno grupo no poder que vai dizer o que deve ser Direito e o que não é Direito, pois será este pequeno grupo, o único autorizado a dizer a vontade de Deus. Em termos religiosos, um pequeno grupo de “sacerdotes do sagrado” não pode sozinho definir o que é pecado, certo e errado.

Se estudarmos a história das diversas civilizações, perceberemos que o Direito, a lei, na esmagadora maioria dos casos, em quase todos os tempos, representou a vontade de uma minoria que detinha, e em muitos casos ainda detém, o poder, especialmente o poder econômico e militar. Assim o Direito burguês foi feito para proteger a propriedade de poucos, os mesmos que faziam as leis.

Em um Estado verdadeiramente democrático, todo o povo deve participar na elaboração das leis, e todo o povo deve dizer o que é direito, o que é justo. Isto nem sempre ocorre nas democracias de hoje, uma vez que em muitos casos, o financiamento das campanhas é feito por aqueles que detêm o poder do dinheiro e colocam pessoas ou influenciam pessoas a defenderem os seus interesses privados, que eles transformam em direitos.

Estas distorções graves no sistema democrático representativo fazem com que poucas pessoas continuem dizendo para todos nós o que é Direito. Estas mesmas pessoas, para manterem seus privilégios vão querer dizer para nós o que é certo e errado. Foi assim no século XIX quando os trabalhadores que faziam greve eram presos, muitos assassinados; foi assim no século XIX quando um trabalhador que quebrasse a fábrica era enforcado na Inglaterra; foi assim com a criminalização do movimento sindical no século XIX quando os trabalhadores que lutavam contra uma brutal exploração de seu trabalho eram presos, demitidos, perseguidos e até mortos; continua sendo assim quando milhares de trabalhadores rurais sem-terra são presos, perseguidos e até mortos porque denunciam os crimes da propriedade privada.

A criminalização dos movimentos sociais, a prisão sistemática de trabalhadores que lutam por direitos previstos na Constituição, é uma reedição do século XIX e aquilo que aquele século teve de pior. Direito é aquilo que construímos coletivamente, Direito é aquilo que corresponde à vontade de todos, direito é processo permanente de construção de uma sociedade que inclua a todos, que não deixe uma só pessoa de fora, que não permita que uma só pessoa não tenha a possibilidade de viver uma vida com dignidade, única forma de ser efetivamente livre.

Pensar e agir a partir do outro, no caso, os pequenos da terra que se organizam e lutam por direitos elementares, pode ser caminho para construção de uma sociedade sustentável com justiça social e sustentabilidade ecológica.

Frei Gilvander Moreira, e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
Prof. José Luiz Quadros de Magalhães, e-mail: ceede@uol.com.br

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