Por Luiz Flávio Gomes
O Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), no dia 23 de março de 2011, cobrou do STF o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, do dia 24 de novembro de 2010, que condenou o Brasil a investigar e, se o caso, punir os crimes cometidos por agentes da repressão durante a ditadura militar.
A petição, assinada pelo jurista Fábio Konder Comparato, solicita o imediato cumprimento da referida sentença, que invalidou a Lei de Anistia brasileira (de 1979). Esta lei não pode ser considerada um obstáculo para a investigação e punição de responsáveis por violações de direitos humanos durante a mencionada ditadura.
O STF, em abril de 2010, havia confirmado a validade da citada lei (por sete votos a dois). Logo após a divulgação da sentença da Corte Interamericana os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio fizeram declarações no sentido que essa sentença não tem nenhum valor jurídico. O conflito está estabelecido.
Para a Ordem, ou o STF cumpre a decisão da Corte de Direitos Humanos e dá nova interpretação à Lei de Anistia, “ou o Brasil tornar-se-á um país fora-da-lei no plano internacional”. A OAB tem total razão.
Na sentença, a Corte da OEA declarou a “manifesta incompatibilidade” da Lei de Anistia com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a qual o Brasil ratificou em 1992. Para os juízes, normas que impeçam a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos “carecem de efeitos jurídicos”.
Argentina, Chile, Uruguai etc. estão cumprindo rigorosamente as determinações da CIDH.
A Argentina, disparadamente, é o país mais atuante nessa área. Dados publicados pela Unidade Fiscal de Coordenação e Acompanhamento dos casos de violações aos Direitos Humanos cometidos durante o período da ditadura revelam que o número de condenações (em 2010) é maior do que o dobro das ditadas em 2009, que chegaram a somente 36.
Segundo o informe, até dezembro de 2009, 634 pessoas estavam sendo processadas. Esse número passou para 820 em 2010. O número total de julgados e de condenados, desde 1983, de acordo com o informe, é de 217 e 196, respectivamente. Ou seja: somente em 2010 quase 200 pessoas foram condenadas pelos crimes da ditadura argentina.
No Uruguai está para ser aprovada uma lei que revoga a lei de anistia, vigente naquele país desde 1986. De qualquer modo, o cumprimento das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos independe da revogação das leis de anistia locais, que não possuem valor jurídico.
A consolidada jurisprudência da CIDH, de outro lado, afirma que os crimes contra a humanidade, que envolvem, sobretudo, o desaparecimento de pessoas, são imprescritíveis. Assim estabelece o jus cogens (direito cogente internacional), desde 1946.
O Brasil, comparativamente ao Uruguai, Chile, Argentina etc., é o país que menos avançou nesse assunto. Também é o país em que Judiciário esteve mais envolvido com o regime militar. No Uruguai, independentemente da revogação da Lei de Anistia, a Justiça já condenou 16 pessoas.
No nosso país agora é que alguns setores do Ministério Público estão começando a se mobilizar para iniciar as investigações, determinadas pela CIDH. Juridicamente falando, não é preciso revogar a Lei de Anistia brasileira para depois investigar tais crimes. A Corte Interamericana, contrariando a posição do STF, já declarou a invalidade dessa lei, por contrariar vários tratados internacionais. É uma lei inconvencional, portanto.
Para tentar elucidar todas essas polêmicas, escrevemos um livro sobre o assunto (Crimes da ditadura militar, organizadores L.F. Gomes e Valerio Mazzuoli, RT, 2011), que será lançado no dia 12 de maio de 2011, às 18h30, na Livraria Cultura (Conjunto Nacional, São Paulo). O lançamento será precedido de uma jornada sobre o livro, em outro local, no mesmo dia, começando às 14h.
Participe (cf. nosso www.ipclfg.com.br).
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