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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Gestantes algemadas, coisas de país emergente



Algemar mulheres durante o parto é atentar contra a dignidade humana

Diante de notícia veiulada na grande imprensa* de que no sistema prisional paulista, gestantes são levadas a parto, algemadas, segue a nota da Associação Juízes para a Democracia.

Algemar mulheres durante o parto constitui, além de atentado à dignidade humana, desrespeito à integridade moral das mulheres e ofensa à especial proteção à maternidade e à infância, instituída como direito social, na Constituição Federal, além de infringir tantos tratados internacionais que é inimaginável que aconteça em São Paulo, em pleno século XXI.

NOTA DA AJD SOBRE PARTOS COM GESTANTES ALGEMADAS

A AJD - ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA, entidade não governamental, sem fins corporativos, que tem dentre seus objetivos estatutários o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito e a defesa dos Direitos Humanos, tendo em vista a confirmação das notícias de realização de partos com o uso de algemas em gestantes sujeitas ao cumprimento de penas, vem a público manifestar o seguinte:

(1) algemar mulheres durante o parto constitui, inquestionavelmente, atentado à dignidade humana (art. 1º da Constituição Federal), desrespeito à integridade moral das mulheres (art. 5º XLIX, da Constituição Federal) e ofensa à especial proteção à maternidade e à infância, instituída como direito social (art. 6º da Constituição Federal),

(2) constitui descumprimento da garantia à mulher de assistência apropriada em relação ao parto, instituída no art. 12, § 2º da Convenção da ONU relativa aos direitos políticos da mulher (1952),

(3) submete também o recém-nascido a discriminação em razão do parentesco, com violação das garantias e direitos constitucionais de proteção à infância (art. 227 da Constituição Federal),

(4) subverte a lógica constitucional de acesso universal e igualitário aos serviços de saúde (art. 196 da Constituição Federal),

(5) representa flagrante descumprimento do dever de atendimento individualizado e tratamento diferenciado a que fazem jus as gestantes nos termos da Lei Federal nº 10.048/00 e, ainda,

(6) desvela evidente violação do artigo 143 da Constituição de São Paulo, que determina que a política penitenciária estadual deve observar as regras da ONU para o tratamento de presos, dentre as quais se destaca a regra nº 11 das “Regras de Bangcoc”, segundo a qual a presença de pessoal penitenciário e de segurança, durante o atendimento médico, observará a dignidade da presa.

Além de tudo isso, em face da absoluta desnecessidade dessa providência desumana e cruel, está ocorrendo também flagrante violação à Súmula Vinculante nº 11 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a qual estabelece que o uso de algemas somente é lícito em casos absolutamente excepcionais e determina a aplicação de penalidades nos casos de abuso e constrangimento físico e moral dos presos ou presas.

Assim, como o procedimento em menção constitui prática ilegal, repugnante, covarde e imoral, além de violadora da dignidade humana, a AJD EXIGE que Governo do Estado determine a imediata abstenção dessa prática, bem como promova de forma efetiva a responsabilização de Secretários de Estado e Servidores, por suas respectivas condutas, de ação ou omissão, na forma da Lei.

*Reportagem da Folha de S. Paulo, edição de 22/11/11

Segundo relatos, mãos ficam atadas no momento mais vulnerável da gestante

Pastoral Carcerária recebeu nos últimos meses denúncias de pelo menos seis casos ocorridos no Estado
ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO

E.R., 28, foi presa quando estava no sétimo mês de gestação. Cumpria pena de 12 anos de prisão no Centro Hospitalar Penitenciário, uma das unidades que funcionam no antigo Complexo do Carandiru, quando sentiu as primeiras contrações. Escoltada até o Hospital de Vila Penteado, na zona norte de São Paulo, ela foi submetida a uma cesariana.“Algemaram meus pés no aparelho ginecológico”, relata E., em depoimento obtido com exclusividade pela Folha. “Tiveram que fazer cesárea, mas a médica não pediu para retirar as algemas.” A prática de manter parturientes algemadas durante o parto foi confirmada à Folha em pelo menos dois hospitais públicos de São Paulo.

“Dá pena ver a mulher chegar algemada com aquele barrigão bem na hora do parto”, diz uma voluntária que trabalha no Hospital de Vila Penteado há seis anos e pede para não ser identificada. “Se a presidiária é boazinha, às vezes os PMs tiram as algemas. Já as mais nervosas ficam presas até na sala de parto”, diz um funcionário do Hospital Geral de Taipas, também na zona norte.

INCHAÇO
Foi na maternidade de Taipas que P.O., 32, deu à luz o sexto filho. O parto foi normal. A caçula veio ao mundo com a mãe presa à maca por uma corrente em um dos pés e com as mãos algemadas.“Minha perna estava inchada. Fiquei com uma levantada, mas não dava para ficar na posição de parto”, diz a presa, ao relatar que a filha foi levada para um abrigo e dada para adoção depois.

O relato faz parte do documentário “Mães do Cárcere”, produzido por advogadas da Pastoral Carcerária para debater questões relativas à maternidade no sistema prisional. O filme, de 17 minutos, foi exibido em agosto durante um seminário no Tribunal de Justiça de São Paulo.

O secretário de Administração Penitenciária do Estado, Lourival Gomes, afirma desconhecer o uso de algemas no parto. “Não acredito nisso. É um absurdo.”
Segundo ele, não existe regulamentação determinando que a mulher tenha de ficar algemada durante o parto. “Quando se chega ao hospital com uma presa quem vai dizer o que fazer é o médico”, defende-se o secretário.

‘PACIENTES’

Pela proximidade da Penitenciária Feminina de Sant’Anna, os hospitais de Vila Penteado e de Taipas estão entre as unidades públicas de saúde que mais recebem presas em trabalho de parto. Também nas proximidades, o Complexo Hospitalar do Mandaqui é outra estrutura que realiza partos de presidiárias. Ali, no entanto, elas não são algemadas. “Aqui, elas são pacientes”, afirmou à Folha a diretora do hospital, Magali Proença. “Trabalhamos para mudar essa cultura.”

A reportagem constatou que na maternidade do Mandaqui os médicos exigem a retirada das algemas durante o atendimento às parturientes. Fato confirmado também por detentas que deram à luz na unidade. Em Taipas, P.O. afirma que o obstetra exigiu que ela fosse mantida algemada.

DENÚNCIAS

A Pastoral Carcerária recebeu nos últimos meses denúncias de que pelo menos seis presas permaneceram algemadas durante o parto. “Não há justificativa para usar algemas no parto, além de torturar e estigmatizar ainda mais as presas”, afirma Rodolfo Valente, advogado da Pastoral Carcerária. Voluntária no atendimento às presas de Sant’Anna, a advogada Thaisa Oliveira colheu as primeiras denúncias. “É estarrecedor que alguém imagine uma fuga mirabolante de uma presa durante o parto, momento de total vulnerabilidade”, afirma.

“É estarrecedor também que agentes da saúde se recusem a realizar o parto até que as algemas sejam colocadas”, completa a advogada. As presas são escoltadas durante todo o atendimento por uma agente penitenciária e por policias militares.

Post originalmente publicado em Sem Juízo, de Marcelo Semer

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