Do projeto original, iniciado em 2003, há apenas um sistema de troca de informações
Considerado em um passado recente modelo de gestão em segurança pública, o processo de integração das forças de segurança de Minas caminha para o fracasso. Iniciado em 2003 com o desafio de promover uma melhor relação entre os órgãos do sistema de defesa social e reduzir os índices de criminalidade, o projeto não se desenvolve com a mesma qualidade dos primeiros anos de implementação. De resultado prático, o que se tem é a implantação de um sistema informatizado de troca de informações entre as polícias Militar e Civil.
A disparidade nos investimentos para cada uma das corporações é uma fonte que alimenta discórdias, da cúpula das instituições aos ocupantes de cargos mais baixos. Para muitos, há uma clara tendência do governo em privilegiar a Polícia Militar e deixar a Civil em segundo plano. O primeiro indício, segundo policiais civis, está na partilha dos investimentos.
Nos últimos cinco anos, entre 2007 e 2011, o orçamento da PM cresceu 76%, passando de R$ 2,8 bilhões para R$ 4,9 bilhões, segundo o Portal da Transparência. O valor destinado à Polícia Civil também cresceu, mas na metade do ritmo (35,5%) - em 2007, o orçamento foi de R$ 693 milhões, ante R$ 939 milhões destinados à corporação no ano passado.
A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) diz que a diferença de gastos se deve às características e atribuições de cada corporação, "que necessitam de orçamentos diferenciados para manutenção e investimentos". Porém, a disparidade percentual dos recursos ao longo dos anos é criticada pelo hoje coordenador do Centro de Pesquisa em Segurança Pública (Cepesp) da PUC Minas, Luis Flávio Sapori. Com a experiência de quem já atuou como secretário adjunto de Defesa Social, entre 2003 e 2007, ele acredita que, no processo de integração, os gastos deveriam ser equilibrados. "Se houver a insatisfação de um dos lados, quebra-se a confiança e a integração acaba. É o que está acontecendo em Minas. O governo perdeu o controle da situação. O resultado é que a criminalidade voltou a crescer. Isso reflete uma política de gestão equivocada, que prioriza uma polícia", afirma Sapori.
Para o presidente da ONG Defesa Social, Robert William de Carvalho, o investimento menor na Polícia Civil reflete na defasagem da estrutura da instituição e, consequentemente, diminui a capacidade de ação. "Isso é um problema grave. A Polícia Militar chega com várias demandas, e a Polícia Civil não consegue absorver. O que acontece é uma demora na solução de casos e uma eficiência menor", analisa.
Desgaste. No posto de comandante geral da Polícia Militar desde o último dia 26, o coronel Márcio Martins Sant’Ana entende que hoje há um "desgaste natural" no trabalho de integração das polícias. O diagnóstico é feito pelo homem que durante um ano e um mês ocupou o posto de Chefe do Estado Maior, atuando diretamente na coordenação de ações conjuntas entre as corporações. "Não há um remédio milagroso. Existe a necessidade de reuniões entre as lideranças das polícias e do Estado para que o trabalho seja motivador", ressalta.
Segundo a Seds, para este ano está previsto um gasto de R$ 993,3 milhões com a Polícia Civil - um crescimento de aproximadamente 5% em relação ao ano passado. Para a PM, serão destinados os mesmos R$ 4,9 bilhões de 2011. A secretaria ressalta que cada uma das polícias tem seu orçamento definido e que a decisão sobre a distribuição dos recursos não é tomada pela Seds.
Ainda conforme o órgão, desde a implementação da metodologia de Integração da Gestão em Segurança Pública (Igesp), houve uma redução de 53,7% na criminalidade violenta no Estado. Atualmente, Minas conta com 429 Áreas Integradas de Segurança Pública (Aisps), sendo que, em cada uma delas, está instalada uma unidade da Polícia Civil e outra da Militar.
ANÁLISE
"A integração operacional é fundamental."
Eduardo Batitucci
Pesq. DE Segurança Pública da Fundação João Pinheiro
O desenvolvimento da segurança pública no Brasil separou a atividade policial em duas organizações – a Polícia Militar, responsável pelo patrulhamento ostensivo, e a Polícia Civil, responsável pela investigação criminal. Estas atividades, entretanto, são na verdade complementares. Usualmente, as demandas para investigação surgem do patrulhamento ostensivo ou do atendimento a chamadas de emergência, e vice-versa. Com o tempo, nossas polícias se especializaram, cada uma em seu nicho de atividades, gerando sobreposições, conflitos e desentendimentos. Em um contexto de recursos públicos escassos, cada organização procura demonstrar que é capaz de desempenhar parte das atividades que cabem constitucionalmente à outra, ou pelo menos de suprir suas limitações. A integração operacional da atividade policial é fundamental, mas só poderá ser alcançada através de forte vontade política e de intensa mobilização social. Cabe à sociedade cobrar do governo, e das polícias, a segurança que deseja ter.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada