Limitação de páginas
Há um ditado caricato no mundo jurídico que convenciona: “mandado de segurança com mais de cinco páginas não tem direito líquido e certo”. No entanto, infere-se dessa sátira um importante sentido: o advogado deve ter a habilidade da concisão em seus arrazoados; não o dom, vez que este decorre de um acontecimento natural, intrínseco a determinado ser humano desde o seu nascimento, mas, sim, uma capacidade aprendida ao longo da vida profissional.
É de geral sabença que a petição é o instrumento de manifestação da parte no processo que, através de seu advogado, expressa suas razões ante a determinada questão. Na esteira do brocardo latino quod non est in actis non est in mundo, não se pode, na petição, olvidar qualquer ponto fundamental para a defesa das suas convicções. Porém, é de clareza solar que há maior dificuldade em escrever uma petição irretocável em dez páginas do que em cem: a escolha errada das palavras e dos argumentos é letal.
Contudo, em uma via de mão dupla, é evidente que petições longas não significam, necessariamente, petições bem escritas. Muitas vezes, o que se verifica é a ausência da capacidade da concisão acima mencionada. Claro que, se os argumentos da parte são muitos, há que os lançar no petitório, sob pena de obstrução, ou cerceamento, de defesa.
No que se refere, especificamente, à eventual limitação legal ao número de páginas, o legislador brasileiro inovou quando editou a Lei Federal 11.419, de 2006, que criou o processo eletrônico. O artigo 18 do referido diploma confere aos órgãos do Poder Judiciário a competência para regulamentá-lo.
E assim se fez no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por exemplo, através da Instrução Normativa 3, de 2006. O seu artigo 2º criou vetores para a redação da petição, limitando-a a 20 folhas impressas ou 40 páginas, utilizando-se frente e verso, respeitado o limite total de dois megabytes.
Em um primeiro momento, poder-se-ia alegar que a medida adotada por aquele tribunal violaria o direito de petição, positivado na Carta da República no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”. Contudo, não parece que tal limitação obstrui esse direito. Na realidade, essa diretriz cogente estimula o desenvolvimento de uma concisão que deve permear a profissão do advogado.
A limitação de páginas em petições foi alvo de discussão por especialistas na criação do novo Código de Processo Civil. Em um evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas, o advogado e jurista José Manoel de Arruda Alvim Netto afirmou que “depois da era do computador, muitas vezes, ainda se apresentam peças imensas em juízo, petições, por exemplo, de 80, 100, 120 páginas, quando seria possível comunicar em 15 ou 20 páginas”. E arrematou: “como um juiz, ou mesmo o Tribunal, tem milhares de processos para julgar, isso dificulta enormemente a comunicação do que a parte entende ter como direito e a apreensão disso pelo juiz” [1].
Assiste razão o eminente jurista. Há um consenso de que um grande número de páginas dificulta a leitura e a consequente compreensão daquilo que se pretende expressar. Ao contrário de um livro, onde se narra uma ficção, trata-se a petição de um pedido por escrito, ou requerimento, na definição dos dicionários. Descreve-se, ali, a verdade real, trecho da vida da parte, ou seja, não é o momento oportuno para dar asas à imaginação, mas, sim, de apontar os fatos que se pretendem.
Na esteira de limitação ao número de páginas, tome-se, como exemplo, a Acordada 4/2007, editada pela Corte Suprema de Justicia de La Nación, na Argentina. A referida norma instituiu regras para a interposição do recurso extraordinário federal, equivalente ao recurso extraordinário brasileiro. A acordada limita o número de páginas em quarenta e o tamanho da letra em doze. Em caso de denegação do referido recurso, a queixa por denegação (queja por denegación) deve ser interposta em, no máximo, dez páginas.
Frise-se que, ao contrário da instrução normativa do Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região, a Acordada 4/2007 não se refere ao processo eletrônico. O limite previsto pela citada instrução deve-se, por óbvio, ao tamanho do arquivo eletrônico que se pretende enviar à Corte. No caso da Suprema Corte argentina, a finalidade é, claramente, tornar a petição mais objetiva de modo a permitir uma leitura mais rápida e correta de seu texto, facilitando, assim, sua apreciação pelo magistrado.
Adequada (e possível), portanto, a limitação de páginas da petição, há que se observar qual seria o órgão responsável por tal normatização. Tendo o Conselho Nacional de Justiça a competência para controlar a atuação administrativa do Poder Judiciário, nos termos do parágrafo 4º do artigo 103-B da Lei Maior, parece ser o órgão mais adequado a determinar a formatação de petições, incluindo-se, aí, o limite de páginas. Afinal, há que se idear os contratempos causados se cada tribunal decidisse normatizar a formatação de petições.
Ora, uma apelação poderia ter o limite de vinte páginas no Estado do Rio de Janeiro e trinta no Estado de São Paulo. E mais: tribunais regionais federais de regiões distintas poderiam criar limites de páginas diferentes. É de fácil conclusão que a autonomia dos tribunais, nesse caso, não surtiria efeitos positivos.
Em um primeiro momento, a limitação de páginas de petição pelo Conselho Nacional de Justiça pode ecoar como norma de reproche aos advogados. Contudo, há que se entender que em uma petição concisa é possível abraçar todos os argumentos necessários para a defesa do cliente.
De mais a mais, tal brevidade, que jamais pode se confundir com mandriice, se coaduna com a meta de impulsionar celeridade à tramitação de processos, fato que advogados e magistrados buscam em consonância. Destarte, uma justiça célere, moderna, isonômica e justa igualmente depende da aptidão dos advogados.
[1] http://www.juspodivm.com.br/noticias/noticias_1080.html
É de geral sabença que a petição é o instrumento de manifestação da parte no processo que, através de seu advogado, expressa suas razões ante a determinada questão. Na esteira do brocardo latino quod non est in actis non est in mundo, não se pode, na petição, olvidar qualquer ponto fundamental para a defesa das suas convicções. Porém, é de clareza solar que há maior dificuldade em escrever uma petição irretocável em dez páginas do que em cem: a escolha errada das palavras e dos argumentos é letal.
Contudo, em uma via de mão dupla, é evidente que petições longas não significam, necessariamente, petições bem escritas. Muitas vezes, o que se verifica é a ausência da capacidade da concisão acima mencionada. Claro que, se os argumentos da parte são muitos, há que os lançar no petitório, sob pena de obstrução, ou cerceamento, de defesa.
No que se refere, especificamente, à eventual limitação legal ao número de páginas, o legislador brasileiro inovou quando editou a Lei Federal 11.419, de 2006, que criou o processo eletrônico. O artigo 18 do referido diploma confere aos órgãos do Poder Judiciário a competência para regulamentá-lo.
E assim se fez no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por exemplo, através da Instrução Normativa 3, de 2006. O seu artigo 2º criou vetores para a redação da petição, limitando-a a 20 folhas impressas ou 40 páginas, utilizando-se frente e verso, respeitado o limite total de dois megabytes.
Em um primeiro momento, poder-se-ia alegar que a medida adotada por aquele tribunal violaria o direito de petição, positivado na Carta da República no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”. Contudo, não parece que tal limitação obstrui esse direito. Na realidade, essa diretriz cogente estimula o desenvolvimento de uma concisão que deve permear a profissão do advogado.
A limitação de páginas em petições foi alvo de discussão por especialistas na criação do novo Código de Processo Civil. Em um evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas, o advogado e jurista José Manoel de Arruda Alvim Netto afirmou que “depois da era do computador, muitas vezes, ainda se apresentam peças imensas em juízo, petições, por exemplo, de 80, 100, 120 páginas, quando seria possível comunicar em 15 ou 20 páginas”. E arrematou: “como um juiz, ou mesmo o Tribunal, tem milhares de processos para julgar, isso dificulta enormemente a comunicação do que a parte entende ter como direito e a apreensão disso pelo juiz” [1].
Assiste razão o eminente jurista. Há um consenso de que um grande número de páginas dificulta a leitura e a consequente compreensão daquilo que se pretende expressar. Ao contrário de um livro, onde se narra uma ficção, trata-se a petição de um pedido por escrito, ou requerimento, na definição dos dicionários. Descreve-se, ali, a verdade real, trecho da vida da parte, ou seja, não é o momento oportuno para dar asas à imaginação, mas, sim, de apontar os fatos que se pretendem.
Na esteira de limitação ao número de páginas, tome-se, como exemplo, a Acordada 4/2007, editada pela Corte Suprema de Justicia de La Nación, na Argentina. A referida norma instituiu regras para a interposição do recurso extraordinário federal, equivalente ao recurso extraordinário brasileiro. A acordada limita o número de páginas em quarenta e o tamanho da letra em doze. Em caso de denegação do referido recurso, a queixa por denegação (queja por denegación) deve ser interposta em, no máximo, dez páginas.
Frise-se que, ao contrário da instrução normativa do Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região, a Acordada 4/2007 não se refere ao processo eletrônico. O limite previsto pela citada instrução deve-se, por óbvio, ao tamanho do arquivo eletrônico que se pretende enviar à Corte. No caso da Suprema Corte argentina, a finalidade é, claramente, tornar a petição mais objetiva de modo a permitir uma leitura mais rápida e correta de seu texto, facilitando, assim, sua apreciação pelo magistrado.
Adequada (e possível), portanto, a limitação de páginas da petição, há que se observar qual seria o órgão responsável por tal normatização. Tendo o Conselho Nacional de Justiça a competência para controlar a atuação administrativa do Poder Judiciário, nos termos do parágrafo 4º do artigo 103-B da Lei Maior, parece ser o órgão mais adequado a determinar a formatação de petições, incluindo-se, aí, o limite de páginas. Afinal, há que se idear os contratempos causados se cada tribunal decidisse normatizar a formatação de petições.
Ora, uma apelação poderia ter o limite de vinte páginas no Estado do Rio de Janeiro e trinta no Estado de São Paulo. E mais: tribunais regionais federais de regiões distintas poderiam criar limites de páginas diferentes. É de fácil conclusão que a autonomia dos tribunais, nesse caso, não surtiria efeitos positivos.
Em um primeiro momento, a limitação de páginas de petição pelo Conselho Nacional de Justiça pode ecoar como norma de reproche aos advogados. Contudo, há que se entender que em uma petição concisa é possível abraçar todos os argumentos necessários para a defesa do cliente.
De mais a mais, tal brevidade, que jamais pode se confundir com mandriice, se coaduna com a meta de impulsionar celeridade à tramitação de processos, fato que advogados e magistrados buscam em consonância. Destarte, uma justiça célere, moderna, isonômica e justa igualmente depende da aptidão dos advogados.
[1] http://www.juspodivm.com.br/noticias/noticias_1080.html
Bruno Barata Magalhães é advogado, consultor em Direito Administrativo e Eleitoral, membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.
Revista Consultor Jurídico
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