Para educador, governo erra na medida provisória que estabelece oito anos como a idade certa para alfabetização de crianças: fica bem com grupos das universidades e mal com a sociedade
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João Batista Araujo e Oliveira *
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, diz que é para
alfabetizar as crianças até o final do 3º ano. Já a secretária municipal
de Educação do Rio, Cláudia Costin, afirma que, na cidade, a
alfabetização deve ocorrer até os seis anos, no 1º ano. Paula Louzano,
da Universidade de São Paulo (USP), apontou, no programa Bom Dia Brasil,
que deve ser aos seis anos, como na escola privada. O IBGE afirma que
15% dos alunos do 3º ano são analfabetos. E os dados da Prova Brasil de
Língua Portuguesa indicam que cerca de 60% dos alunos do 5º ano não
conseguem fazer uso da língua. Certamente, não se está falando da mesma
coisa.
Eis o cerne da questão: o que é alfabetização? O que é alfabetizar?
Como saber se o aluno está alfabetizado? Por que tanta polêmica em torno
disso?
A questão é ideológica, e precisa ser debatida nesses termos. A
comunidade científica internacional não tem dúvidas sobre o que seja
alfabetizar. Se o ministro quiser, encontrará na Capes ou entre seus
antigos colegas do Ministério de Ciência e Tecnologia quem lhe informe
sobre a Ciência Cognitiva da Leitura. Os países que têm nota boa no
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) sabem o que é
alfabetizar e quando se faz isso. Em todos eles, isso se dá em um ano,
começa e acaba no 1º ano da escola. Finlândia e Itália levam seis meses,
França pouco mais de um ano por causa da ortografia, não da leitura. Só
os países de língua inglesa – ricos ou pobres – demoram mais devido à
complexidade de seu código alfabético. Se quiser, o ministro tem como se
informar.
Por que o Brasil não se alinha com esse entendimento? Porque as
Faculdades de Educação consideram – desde a década de 1980 – que
alfabetizar nesse sentido compartilhado internacionalmente é algo menor,
mecânico, depreciativo e, sobretudo, algo que não pode ser ensinado e
avaliado como tal? O que nos credencia à tamanha arrogância?
Se não houvesse tanta ideologia, seria fácil resolver a questão.
Bastaria um programa de ensino que prescrevesse o que deve ser ensinado
no 1º ano e como isso seria avaliado – na escrita e na leitura inclusive
na fluência de leitura. Se o Brasil quisesse avançar mais depressa,
também exigiria que as escolas ensinassem usando os métodos de
alfabetização comprovadamente eficazes. Esses existem, são conhecidos e a
diferença que fazem é enorme. O ministério afirma o contrário, mas está
equivocado e com isso prejudica o país. O resto – todo o resto – é
questão de programa de ensino de Língua Portuguesa ou de outras coisas –
certamente não existe alfabetização matemática e o contorcionismo
verbal faz mais mal à saúde mental do que o cigarro para o pulmão.
Na recente votação
na Câmara dos Deputados sobre o desastrado programa da alfabetização na
Idade Errada, um terço dos deputados se opôs à medida. É inédito. Cabe
ao Senado aprofundar o debate.
O governo pode estar bem com grupos da universidade, mas está
perdendo sintonia com a sociedade. É pouco provável que o ministro
esteja na pasta daqui a três anos para avaliar o tamanho do desastre.
Ele pode até ganhar a batalha agora. Mas o Brasil perde a guerra.
* É educador e presidente do Instituto Alfa e Beto, ONG
criada em novembro de 2006 com a missão de disseminar e promover
políticas e práticas de educação baseadas em evidência.
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